Antropologia e Animes: como a cultura japonesa se reflete nas animações
Antropologia e Animes: como a cultura japonesa se reflete nas animações
Uma conversa sobre influências midiáticas e culturais
Nem todo mundo gosta de animes, mas a sua influência na cultura pop é inegável. De Scott Pilgrim contra o Mundo até Cisne Negro, Círculo de Fogo e Exterminador do Futuro 2, a mídia americana usou e abusou de imagens japonesas para compor suas histórias. Porém, no pop, nada se cria, fazendo com que os próprios animes tirem suas influências de outros campos, dentre eles, da cultura japonesa.
Com a ajuda da animação japonesa, conhecida popularmente como anime, o Japão se tornou o primeiro exportador cultural na Ásia. Seu desenvolvimento, mistura aspectos culturais populares do país, desde valores, comida, criminalidade, casamento e sexo, os misturando com um olhar globalizado sob o indivíduo. Mas, como essas produções foram do aspecto independente para uma febre que vai do Studio Ghibli até Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba?
Osamu Tezuka, Astro Boy e o pós-guerra
A primeira animação japonesa registrada tem apenas três segundos de duração e foi criada na primeira década do século XX. As técnicas para sua produção eram rudimentares, assim como as primeiras obras de animação estadunidenses. Foi apenas em 1930 que, através de um incentivo financeiro do governo, novas obras passaram a ser produzidas, porém, seu conteúdo não passava de propaganda de cunho nacionalista.
Nos anos seguintes, diante da Segunda Guerra Mundial, as produções foram interrompidas. O sucesso dos animes apenas se consagraria anos depois, com o fim da guerra, quando uma crise se instalou no país e — em busca de entretenimento barato e a manutenção de uma identidade japonesa — figuras como Noburo Ofuji e a animação The Whale ganharam espaço.
Esse movimento foi crucial não apenas para a ascensão dos animes no país, mas também dos mangá. Osamu Tezuka, autor do primeiro mangá best-seller no Japão pós-guerra, deu início a um mercado de anime com Astro Boy. Nela, seguimos a criação de um menino robô que possui super força, visão de raio X e a capacidade de voar.
Apesar de Astro Boy ter sido lançado em 1963, com a presença de um futuro utópico e globalizado, a verdade é que a produção de Osamu se debruça em disseminar a cultura do país, trazendo muito de uma influência nipônica.
O passado como inspiração
Mas essas influências estão longe de dar as caras somente como um plano de fundo, pelo contrário, as mesmas são capazes de construir histórias do início ao fim. Um dos animes mais populares, por exemplo, Naruto, traz história e cultura para o mundo das animações. Aqui, os shinobi, agentes secretos ou mercenários do Japão feudal, ganham algumas novas habilidades, mas em essência, perpetuam a mesma ideia.
Já essas habilidades são altamente inspiradas pela religião. A famosa Raposa de Nove Caudas é, na verdade, inspirada em uma entidade que aparece com frequência na mitologia chinesa, coreana e japonesa. O espírito da raposa é bastante conhecido por alguns nomes, como: huli jing, kitsune ou gumiho, na China, Japão e Coreia.
Mesmo com suas mudanças, de acordo com o país em que se encontram, a síntese é a mesma: um espírito raposa capaz de trocar de forma, frequentemente optando por se apresentar como uma bela mulher, que gosta de encantar e pregar peças em humanos.
Até mesmo Pokémon se beneficiou do mito ao criar criaturas de bolso como Vulpix e Ninetales. Já Inuyasha fez um universo que usa e abusa do período Sengoku no Japão. Desde as roupas até a mitologia, toda construção visual é um deleite para qualquer historiador especializado no país. Enquanto isso, Demon Slayer se apropria do Período Taishō. O que essas duas produções têm em comum são as entidades malignas que percorrem essas histórias.
Enquanto Inuyasha sofre com a aparição do miasma e de youkais, Tanjiro precisa enfrentar os onis. Ambas as palavras servem como sinônimos para entidades com poderes sobrenaturais ou espirituais que dificultam a vida do ser humano.
O mais curioso em observar essas influências é como elas não pararam no período feudal japonês. Pelo contrário, a modernidade atingiu o país e sua civilização. O capitalismo e o mundo hiperconectado criaram consequências como os hikikomori, jovens japoneses que vivem sem sair de seus quartos. Curiosamente, esse lado sombrio da cultura japonesa foi utilizado para construir um dos gêneros mais populares dos animes e mangá: o isekai.
Uma fuga da modernidade
O gênero isekai surge como uma fuga do mundo real. Nessas histórias, uma pessoa é transportada para outro mundo, precisando lidar com novas regras, leis, indivíduos e poderes. A primeira história desse gênero surge no romance Guerreiro de Outro Mundo de Haruka Takachiho, de 1976.
A ideia foi transportada para o mundo dos animes em 1983, com Aura Battler Dunbine de Yoshiyuki Tomino. Outras produções se tornaram populares como Fushigi Yûgi, de 1992 e o próprio Inuyasha, de 1996. Porém, o mesmo se tornaria realmente popular em 2016, após o boom de Sword Art Online em 2012.
Olhar para a história do isekai é perceber que existe um aumento em sua produção, de acordo com como o mundo passa a perder um pouco da sua “esperança por dias melhores”. Apenas no Japão, cerca de 541 mil pessoas, cerca de 1,57% da população, vive em condição de hikikomori, enclausurados e afastados da vida fora das telas.
A pesquisa que levantou esses dados foi divulgada em 2019 e, mesmo para a época, diversos especialistas acreditavam que o número total poderia ser ainda maior. Esse isolamento social também diz respeito a como o indivíduo compreende o seu mundo, uma vez que ele acredita, em algum nível, que o virtual é mais confortável e agradável que o real.
Todas essas percepções e conclusões não são muito diferentes da “linha da história” de um isekai. A única diferença são as circunstâncias. Porém, porquê dar tanto espaço para isso nos animes? Porquê evidenciar nessas produção o que há de bom, mas também o ruim, do país?
O soft power japonês
Assim como o governo coreano investiu na cultura como mercadoria, mas também mostrou o seu “poder cultural” para o mundo; o Japão impulsionou a entrada de produtos culturais, em especial os animes, em outros países. A razão para isso é simples, fomentar boas relações diplomáticas, atrair investidores, talentos, turistas e pesquisadores.
O termo que explica esse movimento é o “soft power”. Criado em 2004 por Harvard Joseph Nye, ele diz respeito a um corpo político — um país ou “estado” — que influencia indiretamente o comportamento ou interesses de outros corpos políticos por meios culturais e ideológicos. Porém, esse “poder” não é ditatorial, mas suave, que se debruça no convencimento do outro.
E, de fato, o Japão, ao lado da Coreia, são dois dos principais exemplos de como o “soft power” funciona. Entre festivais musicais de k-pop até eventos dedicados a cosplayers e notícias do mundo dos animes, o Brasil e o mundo estão sedentos por mais conteúdo asiático e tudo isso é uma resposta a investimento cultural e construção midiática sobre o que conhecem.
Até porque, produzir com base no que se conhece é muito mais fácil e efetivo do que buscar inspiração no que não se conhece. Todas essas inspirações criam uma unidade midiática japonesa. Cinema, animação, música, tudo “batendo” sobre um mesmo ritmo, influenciando sobre uma mesma ótica e lembrando que, toda essa maravilha fantástica vem do mesmo lugar.
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