Shelley Duvall: Por que a atriz de O Iluminado sumiu de Hollywood?
Shelley Duvall: Por que a atriz de O Iluminado sumiu de Hollywood?
Apesar de ter vivido Wendy Torrance no clássico, Shelley Duvall abandonou Hollywood – entenda
Estrelar um grande clássico é o sonho de todo ator em ascensão. É justamente isso que torna ainda mais estranho ao público quando um rosto que marcou a história do cinema simplesmente desaparece, sem maiores explicações. Em Hollywood há poucos casos que chamam mais a atenção do que Shelley Duvall.
A atriz norte-americana foi a protagonista de um dos maiores filmes de horror da história: O Iluminado (1980), clássico de Stanley Kubrick que adapta o livro de Stephen King. Diferente de seu colega de elenco Jack Nicholson, a intérprete de Wendy Torrance atuou por apenas duas décadas após o lançamento do longa antes de se aposentar. O que aconteceu?
- Quem é Shelley Duvall?
- O que aconteceu com Shelley Duvall nos bastidores de O Iluminado?
- Por que Shelley Duvall sumiu de Hollywood?
- Como Shelley Duvall está hoje em dia?
Quem é Shelley Duvall?
Nascida no Texas em 1949, Shelley Duvall cresceu como uma jovem fissurada por ciência e exploração espacial, que sonhava em se tornar uma cientista. Ela desistiu dessa carreira quando presenciou um macaco sendo dissecado na faculdade. Depois disso, passou a trabalhar em lojas de departamento e fazer pequenos trabalhos como modelo, o que a levou a conhecer seu primeiro marido, o artista Bernard Sampson.
Ainda morando com os sogros, Duvall organizou um evento para vender algumas obras do marido para levantar uma grana, e a festa contou com a presença do elenco do filme Voar É Com os Pássaros (1970), que estava em desenvolvimento na época. Os atores adoraram o carisma e a aparência da anfitriã, e ajeitaram um teste com o diretor Robert Altman para conseguir um papel para ela no longa. Foi assim que Shelley Duvall se tornou uma atriz, quase que por acidente, ao demonstrar talento e confiança em seu teste.
Ao lado de Altman, fez alguns de seus grandes papéis no cinema. Depois de Voar É Com os Pássaros, a dupla repetiu a parceria em Onde os Homens são Homens (1971), Renegados Até a Última Rajada (1974), Nashville (1975) e Três Mulheres (1977). Com tanta presença na tela, ano após ano durante quase toda a década de 1970, Shelley Duvall cresceu rapidamente no cinema, chegando até a roubar os holofotes de Sissy Spacek em Três Mulheres, apesar da colega estar em uma boa fase após o enorme sucesso de Carrie, a Estranha (1974).
Mas o maior trabalho que realizou ao lado de Robert Altman foi, sem dúvidas, viver Olívia Palito em Popeye. O longa de 1980 adapta as tirinhas clássicas de E.C. Segar sobre o marinheiro bombado viciado em espinafre, com o comediante Robin Williams no papel principal. Depois de uma década de trabalho constante com Altman, pequenos papéis na TV, e até mesmo uma personagem em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), de Woody Allen, Shelley Duvall havia alcançado o estrelato – e assim despertou a atenção de Stanley Kubrick.
O cineasta ligou para a atriz, que rapidamente aceitou o papel de viver Wendy Torrance na adaptação de O Iluminado, obra de Stephen King. Era, sem dúvidas, um dos papéis mais desafiadores de sua carreira, já que envolvia viver uma vítima. Na trama, o escritor Jack Torrance (Jack Nicholson) assume o posto de cuidador do hotel Overlook durante a temporada de inverno, isolado no local ao lado de sua esposa e filho. Quando eventos sobrenaturais mostram que o hotel é assombrado, Jack perde a sanidade e passa a violentamente perseguir sua família com um machado.
Duvall aceitou o papel e se mudou para um apartamento próximo ao estúdio no Reino Unido. Em entrevista de 2021 ao Hollywood Reporter, ela reconta que Kubrick e sua filha Vivian a buscaram no aeroporto e foram jantar, e que provavelmente esse foi o último momento de paz que teve.
O que aconteceu com Shelley Duvall nos bastidores de O Iluminado?
Muito já foi falado sobre os traumas enfrentados por Shelley Duvall no set de O Iluminado. A produção se arrastou por seis meses, muito pelo processo perfeccionista de Stanley Kubrick, que beirava o abuso físico. Para uma cena em que Wendy é confrontada por um insano Jack Torrance, o cineasta pediu 127 tomadas diferentes.
A cena, que está presente no filme final, é autêntica pois a atriz havia atingido o mesmo nível de desespero que sua personagem: “Kubrick não aceitava nenhuma cena com menos de 35 takes. São várias tomadas correndo, chorando e carregando uma criança nos braços, fica cada vez mais complicado. E ele pede uma atuação completa desde o primeiro ensaio. Isso é muito difícil”, relembrou a atriz ao THR.
Quando O Iluminado foi lançado, não se tornou um sucesso da noite para o dia. Na verdade, foi considerado uma decepção pelo seu orçamento gigantesco (afinal, teve uma produção enorme e custosa) comparado com sua bilheteria inicial morna.
O longa só cresceu no gosto popular ao longo das décadas, ao ponto de se tornar um clássico absoluto do cinema, mas a atuação de Shelley Duvall frequentemente é tratada como um problema pela natureza “histérica” da personagem. O próprio Stephen King já afirmou que não é fã dessa versão de Wendy Torrance, mas muito mais pela forma que foi escrita no filme do que pela atuação da intérprete: “Uma das personagens mais misóginas já colocadas em um filme. Ela basicamente está lá para gritar e ser estúpida. Essa não foi a mulher que eu escrevi.”
Nas duas décadas seguintes, a atriz se manteve trabalhando, mas marcada – publicamente e pessoalmente – pelos traumas de O Iluminado. Entre 1980 e 2000, Shelley Duvall estrelou obras como Frankenweenie (1984), curta que lançou o diretor Tim Burton; e Obsessão (1995), de Steven Soderbergh, mas os papéis começavam a declinar em grandeza, com produções cada vez menores e mais baratas. Depois de viver a detetive Dubrinski no filme Um Presente de Deus (2002), Shelley Duvall sumiu de Hollywood – e não voltou até hoje.
Por que Shelley Duvall sumiu de Hollywood?
Shelley Duvall entendeu que estava sendo deixada para trás por Hollywood ainda na década de 1990. Isso se refletiu especialmente nas suas economias. Em 1995, alguns anos antes de sua aposentadoria, Duvall se viu aceitando um papel no filme Obsessão, de Steven Soderbergh, unicamente como forma de pagar suas contas pendentes. A partir disso ela passou a considerar retornar para o Texas para ficar próxima da família, que não só podia dar apoio emocional como também monetário. Sua ideia era se dedicar às artes, e tentar tirar um troco vendendo pinturas, mas isso nunca acabou acontecendo.
Shelley Duvall simplesmente desapareceu do radar de Hollywood. Ao invés de lutar contra o processo de esquecimento que acontece com tanta gente, a atriz pulou fora de Los Angeles por vontade própria, e se mudou para a cidade de Fort Worth, onde está até os dias de hoje, em seus 72 anos.
O primeiro contato que o mundo teve com ela desde então aconteceu em novembro de 2016, de uma forma bastante infeliz: uma equipe do programa de variedades Dr. Phil foi até Fort Worth, e preparou um episódio bastante apelativo e sensacionalista ao descobrir o estado mental de Duvall, que sofre de sérios transtornos. O programa entrevistou a atriz durante um momento em que ela não estava propriamente medicada, erroneamente criando uma imagem de uma antiga estrela de Hollywood em decadência mental, financeira e de relevância. O episódio não só foi repudiado por fãs de Shelley Duvall, mas também por toda a população da cidade.
Como Shelley Duvall está hoje em dia?
O mais recente contato da ex-atriz com o mundo se deu em um retrato melhor, em um artigo do Hollywood Reporter de fevereiro de 2021, em que o jornalista Seth Abramovitch passa um dia inteiro com Duvall pela cidade de Forth Worth. O relato deixa algo claro: ela não perdeu o senso de humor e a visão aguçada ao longo das décadas. Mas o trauma segue presente, tanto do infame episódio de Dr. Phil quanto pela intensa produção de O Iluminado.
O jornalista conta que, a pedido da atriz, ele coloca a memorável cena de Wendy Torrance sendo perseguida por Jack com um machado, a que precisou de mais de 127 takes. Duvall começa a chorar, e explica o motivo:
“Filmamos isso por quase três semanas. Todo dia. Foi muito difícil. Jack [Nicholson] era tão bom, e tão assustador. Nem consigo imaginar quantas mulheres passam por esse tipo de situação.”
A ex-atriz segue bastante consciente do legado que deixou para trás, mas é difícil imaginar vê-la novamente em outra produção. Ao que tudo indica, Shelley Duvall segue muito bem cuidada em Fort Worth, longe dos abusos de Hollywood. Na matéria do Hollywood Reporter, o jornalista conversa com uma garçonete de um dos restaurantes que Duvall frequenta.
A cidade não conhece bem a sua fama, mas está mais preocupada em garantir que ela seja bem tratada, e que nenhum incidente como o do Dr. Phil aconteça novamente: “Não sei exatamente quem você é”, falou a garçonete Kristina Keller. “Mas aqui nessas comunidades rurais, nós cuidamos e protegemos uns aos outros. Isso faz algum sentido?”.
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