Review: Xenoblade Chronicles 3 é grandioso, envolvente, mas inseguro de sua genialidade
Review: Xenoblade Chronicles 3 é grandioso, envolvente, mas inseguro de sua genialidade
Jogo é um exemplo perfeito de um JRPG ágil que tenta inflar seu tamanho de forma artificial
Mesmo não tendo a tradição de uma franquia como Final Fantasy, Xenoblade Chronicles 3, novo jogo do Monolith Soft, é um marco no gênero de JRPG. O exclusivo de Nintendo Switch fez o dever de casa direitinho e entrega tudo o que um grande jogo do tipo deveria ser em 2022 — imersivo, profundo e descomplicado. Não fossem uns leves tropeços, este seria mais um forte competidor a jogo do ano.
Mas afinal, o que faz de Xenoblade 3 tão fenomenal assim? Depois de passar quase 80 horas intensas neste universo, graças a uma cópia gentilmente cedida pela Nintendo Brasil, nós temos a resposta.
Então pegue sua espada e seu martelo que vamos entender melhor o começo dessa revolução!
Ficha Técnica:
Desenvolvedora: Monolith Soft
Distribuidora: Nintendo
Plataforma: Nintendo Switch
Lançamento: 29 de Julho de 2022
Gênero: JRPG, RPG de ação
Tradução para o Português: Não
Modo: Single-player, New Game+, Cinema
O melhor dos dois mundos
Desde o início, quando estreou no Nintendo Wii, a franquia Xenoblade Chronicles causou um burburinho ao criar um cenário absolutamente criativo e imersivo em um gênero que beirava a saturação. Porém, no desespero para inovar, sua sequência desvirtuou completamente sua essência ao chegar ao Nintendo Switch. Além de introduzir sistemas de gacha, forçou um erotismo fora de tom na tentativa de seduzir os fãs de anime.
Então Xenoblade 3 trilha o caminho mais sensato. Ele mastiga lentamente as duras lições de seus antecessores, rumina em seus erros e cospe a versão mais polida, precisa e enxuta da experiência que encantou uma geração de nintendistas. Como a sua história propõe, esta é a colisão entre o que há de melhor em Xenoblade e Xenoblade 2, embrulhado para presente em uma carismática caixa de surpresas.
Do primeiro título, o novo game herda a clássica estrutura de JRPG, com uma infinidade de mecânicas que confundem os mais casuais. Só que dessa vez, os desenvolvedores tiveram todo o cuidado de garantir que todo mundo estava no mesmo barco e reconsiderou de mente aberta a complexidade de cada estrutura. Tudo que poderia ser simplificado foi.
O resultado é uma evolução deliciosa, que não cansa, não confunde e não perde o tempo do jogador com meras burocracias. Nos primeiros momentos com o game, já é possível sentir a diferença com o tutorial, que sempre foi um dos pontos mais fracos da saga. Dessa vez, ele foi todo repensado para ser mais intuitivo, como tudo aqui.
A criação de gemas trocou o exagero, pelo relevante. O jogador controla a velocidade de evolução da equipe, usando uma experiência bônus opcional para manter o obsoleto grinding apenas para quem gosta. E as massantes tarefas de coleta foram reduzidas a cartões rápidos no menu de missões. Esses são exemplos mais drásticos, mas outros elementos precisaram apenas de retoques para funcionar melhor.
Na frequência da espada
Como o combate que mescla o que há de melhor nos primeiros jogos. A questão principal ainda é o posicionamento em campo, mas saber o tempo exato de fazer uma ação também tem seus benefícios.
E a variedade aumenta com os truques da vez: a fusão de aliados troca as habilidades no meio da batalha e o especial em equipe diverte, acionando um rápido desafio de gerenciamento de cartas. A mudança constante de ritmo e possibilidades estende bastante a crocância do jogo, até inevitavelmente cair na rotina próximo ao fim.
Outro ponto alto nasce do maior equívoco de Xenoblade 2 — o sistema de gacha. Em seu antecessor, as armas mais especiais eram ligadas a personagens que só eram conquistados através de pura sorte em um sorteio. Mas percebendo como essa ideia é frustrante, Xenoblade 3 decide reciclar a conexão entre armas e personagens, mas se livrar da sorte, implementando o sofisticado sistema de classes e heróis.
Funciona tão bem porque substitui também outra complicação da franquia, que era a necessidade de microgerenciar a evolução de seus ataques. Agora, seus ataques não melhoram com o tempo. Na verdade, após passar algum tempo com a mesma classe, o jogador para de evoluir em seu uso e é recomendado o uso de outra.
A necessidade de rotatividade incentiva a experimentação de classe que o jogador poderia ignorar em circunstâncias. Mas como variedade é a melhor estratégia, acaba dando uma chance. E no processo, se envolve em uma missão secundária bem escrita e que apresentam personagens secundários carismáticos, os heróis. Caçá-los pelo mapa se torna uma parte quase obrigatória da história — mérito do excelente roteiro.
Melancolia intelectual
A história principal, então, surpreende ao se lambuzar nas inspirações de ficção científica que sempre beiraram a franquia. A história não tem medo de trabalhar elementos de Eternos, Star Wars e outras ideias super experimentais na hora de construir uma enigmática narrativa, cheia de reviravoltas e conceitos interessantes. Mas adicionando sempre novas camadas a cada capítulo, dando um tom original e sempre instigando a atenção e a curiosidade do jogador.
Esse é um dos raros games que se preocupa em trabalhar o peso da morte, tão banalizada neste meio. Acaba sendo um doloroso alento refletir sobre a finitude da vida após a nossa traumática experiência com a pandemia. Felizmente, cada personagem traz tantas nuances e pontos de vista a discussão. E os questionamentos podem ficar tão profundos a ponto de parecer uma leve aula de filosofia, como The Good Place, deixando o jogador refletindo em introspecção.
Na trama, os humanos têm um ciclo de vida curtíssimo, de apenas 10 anos. Mas para sobreviver por todo esse tempo, é preciso alimentar a chama de sua vida matando inimigos no campo de batalha. Assim, duas nações vizinhas travam uma eterna guerra por sobrevivência em nome de suas rainhas.
Mas os protagonistas, dois grupos de amigos dos países rivais, acabam descobrindo uma maneira de coexistir em paz. E por fim decidem partir em uma aventura, contra tudo e contra todos, para lutar pela esperança de um futuro menos polarizado. Com sutileza, o tom reflete o estado político divisivo que assolou o mundo na última década, mas esse nem o foco e sim a carga dramática da história.
Enquanto avançam nesse mundo torto, Noah, Mio, Eunie, Taion, Lanz e Sena precisam enfrentar traumas e fantasmas do passado. Assombrados por arrependimentos e situações extremas, todos recebem um momento de brilhar e explorar cuidadosamente as nuances que explicam suas personalidades. Assim, até o personagem mais quadrado acaba conquistando, pois você entende que há muito mais por baixo de sua casca grossa.
E em um primeiro momento, a história não dá ponto sem nó, amarrando até os chefões brilhantemente ao passado de cada personagem. Mas após uma sequência de reviravoltas super interessantes no final do capítulo 4, o ritmo começa a desandar. E a partir de então, as coisas ficam bastante inconstantes.
Errando por medo de errar
Acontece que, ainda se sentindo preso a necessidade de entregar a possibilidade de centenas de horas de jogo, o enredo se obriga a perdurar mais do que o necessário. A história continua ainda mais interessante após a dramática virada, mas ao invés de continuar construindo um momento crescente, o ritmo acaba sendo parado por missões secundárias tediosas que o jogo torna obrigatórias simplesmente para “encher linguiça”.
Na maioria das vezes, essas missões mal tentam disfarçar sua verdadeira natureza. Não passam de coletas a itens específicos que exigem uma viagem ao redor do mapa apenas para alongar as horas jogadas. E quando isso começa a acontecer, volta a entrar em cena sempre que o roteiro parece avançar rápido demais e fica ainda mais crítico no capítulo final. No fim, a evolução que começou bem orgânica fica parecendo uma desconfortável sanfona.
Visualmente, Xenoblade 3 é estupidamente bonito. Completamente de cair o queixo, desafiando o hardware do Nintendo Switch a seu limite. Entretanto, o mesmo esmero gasto no visual dos cenários não é sempre aplicado em sua criatividade. Enquanto os primeiros jogos ficaram marcados por uma série de locais exóticos impressionantes, este intercala entre momentos de espetáculo com as coisas mais genéricas que você vai ver na vida.
A animação é outra área que sofre de inconstância. A grande maioria das cutscenes trazem um jogo de câmera surpreendente, simulando várias técnicas cinematográficas. Porém, vez ou outra, surgem algumas animações completamente travadas que infestam alguns lançamentos do Nintendo Switch, como Pokémon Sword & Shield. Talvez uma escala menor trouxesse a oportunidade de trabalhar melhor nesses detalhes.
No fim, Xenoblade Chronicles 3 só tropeça por ter subestimado a sua própria grandeza. Mesmo entregando uma das experiências gerais mais polidas do gênero, o jogo ainda estava inseguro de sua própria grandeza. E tentando agradar ainda mais, acaba manchando uma jornada incrível com pequenos incômodos que não destroem tudo que foi construído, mas desgastam o jogador.
A franquia segue sendo um grande exemplo de como criatividade pode fazer uma estrutura simples se tornar incrível. E, apesar dos defeitos, Xenoblade 3 é provavelmente o melhor jogo de Nintendo Switch que joguei este ano. Desta vez, os produtores se preocuparam em incluir todo mundo, então mesmo que não tenha familiaridade com a franquia vai se divertir bastante explorando este universo fantástico.
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