Entenda por que o Mickey da Disney é tão polêmico para a política de direitos autorais dos Estados Unidos
Entenda por que o Mickey da Disney é tão polêmico para a política de direitos autorais dos Estados Unidos
Para não perder seu maior personagem, corporação já ajudou a moldar as leis nos EUA
Seja pelos parques de diversão pelo mundo todo, pela dominação nas bilheterias do cinema global, ou então pela longa história de clássicos que tocaram gerações, a Walt Disney Company é, sem dúvidas, a maior corporação do entretenimento. E quando você pensa em Disney, é comum pensar no Mickey, o carismático rato que é a cara da empresa.
Considerando a longa história da corporação, o personagem teoricamente já deveria ter se tornado domínio público nos Estados Unidos, o que significa que qualquer um poderia utilizá-lo em obras como bem entender. Ao invés de abrir mão de seu mascote, a Disney se tornou uma figura polêmica nos EUA ao utilizar de todo o seu poder e dinheiro para mudar as leis.
Como a Disney ajudou a mudar as leis dos EUA para proteger o Mickey
A partir de 1976, a lei de direitos autorais dos Estados Unidos foi revisada para incluir avanços tecnológicos como rádio, televisão e cinema. Como parte da nova medida, foi instituído uma certa “vida útil” para as obras, no sentido de que elas teriam tempo contado como propriedades intelectuais de seus autores antes de serem liberadas para serem usadas livremente por quem bem entendesse – ou seja, antes de entrarem em domínio público.
A revisão definiu que obras só entrariam em domínio público 50 anos após a morte de seus criadores, ou então após completarem 75 anos de existência caso tenham sido criadas por corporações, como é o caso de personagens da Marvel Comics, por exemplo, que foram creditados à companhia e não aos quadrinistas que os inventaram.
Isso mudou em 1998, muito por culpa do músico Sonny Bono (o ex-marido de Cher), e também por culpa da Disney. A partir da década de 1990, tanto a empresa quanto a Mary Bono, viúva de Sonny, passaram a fazer lobby para o Congresso dos EUA aumentar consideravelmente a duração a proteção de propriedade intelectual. Mary Bono, falando pelo falecido marido e ex-político norte-americano, afirmou que o desejo de Sonny “era que a proteção de direitos autorais fosse para sempre”.
Mas quem realmente tinha interesse nessa disputa toda era a Disney. A primeira versão de Mickey Mouse deu as caras em um curta chamado Steamboat Willie (conhecido no Brasil como O Vapor Willie), originalmente lançado em 1928. Isso significa que, pela lei vigente na época, o Mickey se tornaria domínio público em janeiro de 2003, exatos 75 anos após sua primeira aparição. A empresa ainda teria direito a todas as versões seguintes do rato – como a versão colorida, com luvas brancas, olhos alargados e tudo mais -, mas qualquer um poderia simplesmente criar curtas, filmes, jogos, séries e produtos de todo tipo usando o Steamboat Willie.
Se você conhece algo sobre a Disney, sabe que não é uma empresa que gosta da ideia de não ter o controle sobre seus personagens. Por mais que outras gigantes do entretenimento tenham colocado grana e apoio para garantir que a lei fosse alterada – incluindo nomes como Time Warner, Universal e Viacom -, foi a Disney quem fez a campanha mais pesada para garantir a vitória. Não é a toa que a medida ficou popularmente conhecida como The Mickey Mouse Protection Act (ou a Medida de Proteção ao Mickey Mouse). Assim, apesar da oposição argumentar que tudo se tratava de politicagem corporativa (o que realmente era) e que o público sairia perdendo (e de fato saiu), a medida foi aprovada, e a lei de direitos autorais mudou.
A primeira alteração foi uma extensão de 20 anos: agora, obras só entram em domínio público 70 anos após a morte de seus criadores, ou então 95 anos em caso de criação corporativa, contando a partir de sua idealização ou publicação. A segunda é que a lista de adições ao domínio público, atualizada todo mês de janeiro, foi congelada de 1998 até 2019. As adições em questão seriam todas as obras feitas no ano de 1928, incluindo filmes, livros e músicas.
A hora do rato se aproxima: por que a Disney não tentará mudar as leis novamente
O impacto do lobby feito pela Disney foi sentido em todas essas décadas, já que atrasou consideravelmente a lista de obras clássicas que poderiam ser preservadas, recriadas, relançadas ou simplesmente consumidas de forma gratuita. Mas ainda que a lista tenha sido congelada, o tempo não parou, e o público se tornou um pouco mais atento a esse tipo de prática.
Após as mudanças, e com a volta das adições anuais ao domínio público, o Steamboat Willie já tem dias contados novamente. O rato se tornará propriedade pública em janeiro de 2024, assim como as várias outras criações de 1928. Dessa vez, há enorme resistência à mudanças adicionais na lei pelo simples fato de que a cultura da internet é inteiramente baseada em remixar e recriar, seja nos memes, na fanfiction, nas análises e muito mais.
Em entrevista ao Ars Technica, os principais representantes das indústrias cinematográficas, da música e da literatura afirmaram que não vão buscar novas extensões à lei. O pesquisador James Grimmelmann, que estuda direitos autorais, explica o motivo:
“Agora há um movimento de base muito bem organizado contra a expansão da lei de direitos autorais. Há grandes interesses comerciais do lado da anti-expansão, além de um enorme movimento popular com que podem se atrelar.”
Ainda há alternativas para a Disney. Novamente, não é tudo relacionado ao Mickey Mouse que se tornará domínio público, já que a companhia ainda é dona da marca, de seu nome, e das várias versões atualizadas do personagem. De qualquer forma, em janeiro de 2024, a empresa perderá um pouco do controle blindado que manteve sob sua imagem durante tantas décadas.
Para ficar por dentro de quais obras são domínio público e quais ganham os status a cada ano, basta ficar de olho em sites como o Open Culture. A mais recente leva foram os filmes e livros de 1926. É por isso, por exemplo, que alguém consegue fazer um filme de terror do Ursinho Pooh, personagem recém-consagrado como parte do domínio público. Pode ser bizarro, mas agora está tudo dentro da lei.
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