O Universo dos K-Dramas: Como o soft power coreano e a Netflix estão mudando o mundo dos doramas
O Universo dos K-Dramas: Como o soft power coreano e a Netflix estão mudando o mundo dos doramas
Painel da CCXP22 abordou as mudanças sofridas pelo k-drama nos últimos anos
Dorama, drama coreano, k-drama, telenovela sul-coreana. Ao longo dos anos, a cultura “dorameira” ficou cada vez mais popular. Com investimento governamental e uma estrutura narrativa bem definida, a onda coreana se tornou um monstro entre o audiovisual. O painel O Universo dos K-dramas, apresentado no Palco Bentô durante a CCXP22 em São Paulo, tentou trazer uma análise do futuro dessas produções em terras tupiniquins.
Uma evolução gradual
Mas, para tratar do futuro, é necessário olhar para o passado. Enquanto o mundo das produções coreanas tem chegado a premiações como o Emmy, Grammy e o Oscar em 2022, o ano de 2018 contou com uma baixa que deixou saudades em alguns fãs de novelas coreanas, o Dramafever.
O streaming que transmitia apenas doramas foi tirado do ar no Brasil pela Warner Bros devido a razões comerciais. O serviço deixou um rombo na indústria do entretenimento brasileiro, mas, ao mesmo tempo, não fez tanta falta.
Muito disso se deve a forma como o brasileiro consome produções internacionais no Brasil. Do .rmvb legendado até o famoso torrent, o costume é baixar ou dividir contas de streaming para evitar pagar o “preço cheio”. Para alguns, isso é normal. Mas, para as empresas, pode significar um grande problema comercial.
Porém, em 2017, um ano antes, a Netflix molhava seus pés entre os coreanos. Man to Man, da emissora JTBC, foi o primeiro disponibilizado pelo streaming em seu catálogo. Assim como My Only Love Song, a primeira de conteúdo original.
De um ou outro “gato pingado” até a enxurrada de conteúdo que vemos hoje, levou muito tempo para que dorameiros se sentissem, no mínimo, satisfeitos em largar a pirataria e partir para conteúdo oficial. Por outro lado, ainda existe um grande caminho para que público e empresa consigam entrar em equilíbrio quando o assunto é produções coreanas.
“Eu trabalho como creator, mas também como produtora. Então eu negocio muitas das coisas que acontecem por trás. O que eu posso dizer é que existem empresas que querem se envolver com k-pop, k-drama ou cultura coreana no geral, receber o engajamento do fandom, mas sem investir adequadamente. Não é uma produção barata. Tudo que vem da Coréia do Sul – e eles sabem por que valorizam a própria cultura, depois de anos sofrendo com o imperialismo, guerra – demanda um grande investimento”, disse Érica Imenes, creator presente no painel da CCXP22.
Mas, entre investimento, público e produções coreanas, como Round 6, Profecia do Inferno, Vincenzo, All of Us Are Dead se tornaram sucessos instantâneos. E, para as creators do painel, a resposta para isso também é uma pergunta: “Por que não?” Com um olhar diferenciado por trás e a frente das câmeras, os doramas apresentam ao público um mundo narrativo distinto da hegemonia americana.
Por que não?
Muito mais do que entender o porquê do sucesso dos k-dramas e do k-pop, é necessário compreender que “quando falamos em uma pessoa que pensou ativamente na produção de uma série, é óbvio que parte do que é feito segue uma postura mercadológica”, explicou Érica.
Essa “postura” segue uma lógica que vai desde a escolha do elenco, a química do casal principal, a época em que será lançada, entre outros fatores mais técnicos. Em síntese, é construir algo original, mas sob os moldes do que o público tem interesse.
“Com o cinema coreano e k-pop, existe uma forma já existente de como histórias coreanas podem alcançar a audiência através de diferente regiões do Leste Asiático e além”, disse o professor de literatura moderna e estudos de mídia, Dan O’Neil, da Universidade da California em uma entrevista para a NBC News. ”Existe uma indústria construída para que esse fenômeno seja muito mais do que apenas um fenômeno coreano e ele recebe investimento governamental para isso”.
Como reforçado por Dan e por Érica, Babi Dewet, Carol Pardini e Pri Ganiko, esse “investimento governamental” é um dos pilares para o sucesso final dessas obras.
Um poder brando
No ano de 2020, por exemplo, o governo sul-coreano investiu 1,69 trilhão de wons, o equivalente a 7,64 bilhões de reais, para “fomentar a criatividade local e impulsionar as vendas globais de conteúdo cultural coreano”, de acordo com uma reportagem do Korea Times.
O dinheiro “injetado” nesse campo foi gradual e, por isso, é chamado de “soft power”. Cunhado pelo cientista político Joseph Nye, o termo é utilizado para descrever como o governo coreano conseguiu se infiltrar na cultura popular mundial através de seu investimento crescente no ramo cultural, isto é, k-pop, k-drama e k-cinema.
Através desses aspectos, a Coréia foi capaz de solidificar mudanças na forma em como a comunidade internacional vê e interage com o país a longo prazo. Desta forma, se antes o Leste Asiático era visto como um lugar exótico e, em alguns sentido, distante, agora é facilmente reconhecido, apresentando suas principais questões sociais.
“A Coréia do Sul é uma sociedade como qualquer outra […] Eles não são um animal exótico. E os doramas são um reflexo dessa sociedade. Se algo está acontecendo lá, vai refletir nas produções deles”, explicou Érica sobre o soft power coreano.
Efeito Netflix
Mas entre poder, cultura e dinheiro, o que tudo isso diz sobre o atual momento da Coréia na TV? O aumento da presença de doramas nos streamings e o crescente interesse de marcas e emissoras querendo um pouco desse ouro também tem afetado a indústria audiovisual coreana.
Ao relembrarem de produções que apresentaram para a Onda Hallyu, Babi Dewet e Érica citaram Boys Over Flowers (Garotos Em Vez de Flores em tradução oficial). A série de 2009 é um marco entre os fãs do gênero, mas também representa o tom mais engessado das produções coreanas.
Com Lee Min-ho e Koo Hye-sun nos papéis principais, a obra possui 25 episódios, cada um com cerca de uma hora de duração. Já All Of Us Are Dead, série de zumbis de 2022, possui 12 episódios de duração variada. A mudança brusca do tamanho da série, o aumento de temporadas e o ritmo acelerado da trama é uma adaptação clara de como a Coréia tem influenciado o resto do mundo e vice-versa.
Comparando essas duas épocas, é curioso notar como o “poder suave” foi tamanho que, ao longo da estratégia coreana, se adaptou e tomou diferentes rumos até ser globalmente consumido. Durante a palestra, Érica tratou sobre como muito mais do que uma validação dos Estados Unidos, a presença dessas produções em premiações como o Emmy é reconhecimento, mas também uma resposta a estratégia do país.
“Faz anos que fazem o MAMA [Mnet Asian Music Awards, premiação musical focada no Leste Asiático], em três países diferentes da Ásia. Um dia no Japão, outro na Coréia e outro na China. […] Que validação é essa que precisam dos Estados Unidos? Para mim, é sempre um paradoxo. É legal que Grammy e Emmy reconheçam essas produções, mas não é necessário”, explicou Érica Imenes.
Desta forma, a Netflix não é única que notou o poder da Onda Hallyu. Os planos da HBO Max com seu dorama nacional, Além do Guarda-Roupa, o aumento de produções coreanas em streamings como Globoplay, Prime Video e a forte presença nacional do serviço Viki, mostram que a chave está mudando. Porém, os investidores possuem interesse em pagar o valor pedido?
Na visão das palestrantes, o que move o mundo dos k-dramas não é a disposição de quem paga e produz, mas sim de quem consome. Visto como um público fiel ao que consome, os “dorameiros” parecem ser os verdadeiros protagonistas desse universo.
Ao rirem com as criadoras de conteúdo sobre os clichês de doramas e responderem animados sobre os novos lançamentos, o painel sobre O Universo dos K-dramas apenas mostra a cultura forte que se instaurou no Brasil. Com uma presença poderosa na CCXP22, quais serão os passos para 2023 da TV coreana?
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