[Indie+ #8] Arcadegeddon e uma conversa sobre o mercado independente nacional de games
[Indie+ #8] Arcadegeddon e uma conversa sobre o mercado independente nacional de games
Conversamos com desenvolvedores sobre a era de ouro do videogame brasileiro – e também nos aventuramos pelo shooter raso da Illfonic
No começo de julho, o BIG Festival realizou sua edição de 2022 na cidade de São Paulo, a primeira desde 2019, por conta da pandemia da Covid-19. Muita coisa mudou nesse tempo: nova organização, polêmicas quando o evento indie foi cooptado por empresas de criptomoedas, e a mudança de sede para o São Paulo Expo – mesmo palco da CCXP.
Havia muito ceticismo por parte dos desenvolvedores e do público entusiasta de jogos indie, e muita coisa acabou se provando verdade, mas uma impressão se sobressai aos aspectos negativos: nunca houve tanta gente talentosa desenvolvendo games no Brasil ao mesmo tempo.
“Tá vendo esses jogos aqui? Todos poderiam estar ali no estande de Playstation ou Xbox”, afirmou Danilo Freire, produtor do estúdio Point N’ Sheep, de Recife, que desenvolve Bloodless – um dos favoritos do Detonado! durante o BIG Festival. No evento, ele conversou com a vertente de games da Legião dos Heróis, e apontou que a seleção da Mostra Brasil – os títulos nacionais que não disputaram os prêmios do festival – eram de tirar o fôlego: “A qualidade é de uma coisa que eu nunca vi. É como se nesses últimos dois anos que a gente passou afastado, cada um nas suas casas, subiu muito o nível da indústria”.
Para quem acompanha a cena, essa melhora é perceptível, mas não menos impressionante. Ao longo da última década, cada vez mais estúdios brasileiros começaram a brilhar, com títulos memoráveis como Chroma Squad e Odallus: The Dark Call. A partir de 2018, porém, jogos como Dandara e Horizon Chase Turbo inauguraram uma fase de ouro que dura até os dias de hoje.
Excelentes jogos brasileiros não são mais raridade, e parece que toda semana algo de peso é lançado nos celulares, computadores ou consoles. Só em 2022, em um dado momento, Fobia – St Dinfna Hotel, Undergrave e Lunar Axe estava todos no Top 10 de mais vendidos do Steam. No ano passado, Unsighted e Dodgeball Academia conquistaram pelo altíssimo nível de design, narrativa, visual e trilha sonora. Todos esses jogos são de estilos bastante diferentes, mas com um impressionante padrão de qualidade.
Grande parte dessa fase de ouro se dá pelo fato de que a indústria brasileira cresceu literalmente. Durante o primeiro dia do BIG Festival, a Abragames apresentou uma pesquisa que mapeia o cenário nacional. Em 2018, quando clássicos modernos brasileiros começaram a aparecer, havia 375 estúdios no país. Hoje, quatro anos depois, há 1009 estúdios de games no Brasil.
Segundo Caio Mota, designer da ARVORE, esses números expressivos estão diretamente ligados à altíssima qualidade das produções nacionais: “Percebo que os cursos de desenvolvimento de jogos estão melhorando mas, na verdade, o que faz a maior diferença é justamente ter mais empresas em vários lugares do Brasil”, afirmou o desenvolvedor do estúdio focado em realidade virtual, localizado em São Paulo.
Na pesquisa da Abragames, 57% desses 1009 estúdios são localizados no Sudeste, mas o designer – residente de Recife – aponta que é importante ficar de olho também no restante do país:
“Tem uma diversidade muito grande rolando, acho isso o mais importante. É isso que faz o mercado brasileiro ter uma originalidade que a gente não enxergava muito bem antes”.
De 2018 para cá, fica clara uma certa profissionalização do lado dos desenvolvedores, que passaram a entender melhor as dinâmicas de produção e de escopo. O tempo em isolamento da pandemia também serviu para garantir aquela camada adicional de polimento nas obras. O resultado são jogos que elevam o padrão de tudo que já foi feito no Brasil até então, e um futuro muito promissor para a indústria nacional.
Segundo Leona Clark, artista da Point N’ Sheep, o motivo dessa melhora é a maior acessibilidade à ferramentas – como as engines Unity, Godot e Unreal Engine – e ao conhecimento, além de uma certa troca de experiências entre os desenvolvedores:
“Nunca esteve tão bom quanto agora: ferramentas muito fáceis de usar, e conhecimento a rodo disponível para qualquer pessoa que queira aprender. Sinto que há uns cinco ou seis anos, quando eu comecei, era muito escasso e tinham poucos exemplos de brasileiros para olhar. Hoje, vejo uma galera com os mesmos que eu, e em uma posição parecida com a minha, e me espelho muito neles. Hoje em dia é muito fácil olhar em volta e ver muitos exemplos de gente crescendo rápido e ajudando os outros a crescer assim.”
Quem reforça o comentário é Fábio Cacho, diretor criativo da Fogo Games, estúdio por trás do colorido e divertido Ghetto Zombies, que fala da importância dos jogos brasileiros que vieram antes:
“A gente tinha poucas referências, e ter referência muda o horizonte, né? O nosso jogo, numa questão de formato, se baseia muito do Akane”, falou Cacho, fazendo alusão ao game arcade da Ludic Studios, lançado em 2018. “Quando a gente viu Akane, que é um jogo brasileiro, a gente falou ‘Pô, pode crer! Tem um formato determinado que a gente consegue alcançar’. Então, quando você não tem referência, você não produz”.
O público lentamente está começando a perceber isso, já que o apoio e interesse à produção nacional não costumava ser grande ao ponto de colocar nada nos mais vendidos do Steam, ou entre os títulos mais comentados do momento. Há certo motivo para isso. Para o gamer médio, cujo gosto é moldado por blockbusters estrangeiros, a indústria de games brasileira sempre foi uma promessa que nunca foi cumprida. Por muito tempo, os estúdios do país corriam atrás de uma produção de grande escopo, tentando replicar o design, as tendências e os sucessos lá de fora.
Isso gerou certa frustração no público, que não se contentava com produtos pela metade ou ainda muito amadores em relação à obras super polidas e de orçamentos milionários, por mais injusta que fosse a comparação. A grande virada só aconteceu quando os talentos brasileiros pararam de perseguir esse objetivo distante, e passaram a explorar as próprias técnicas dentro das possibilidades da realidade nacional.
Ainda assim, os desenvolvedores apontam que o público brasileiro que consome os jogos nacionais é um nicho de entusiastas indies, e que ainda é um enorme desafio bater de frente com títulos gigantes, como explica Fábio Cacho. O desenvolvedor de Ghetto Zombies pede que a imprensa de games dedicasse mais atenção aos projetos nacionais em sua amplitude, não só as obras grandes ou que já fazem sucesso, dizendo:
“Vamos acabar criando uma indústria de games brasileira no submundo, ou então vamos ter que contar com o apoio da imprensa. Eu não posso culpar o jogador de não chegar no meu jogo, porque eu entendo. Eu entendo a máquina que existe para que ele não conheça meu jogo e sim o game gringo, sabe? Não posso culpar os jogadores.”
Maior atenção da mídia, que costuma se dedicar só aos blockbusters gringos, é só uma das melhorias que os desenvolvedores esperam ver no futuro. Todos que conversaram com o Detonado! foram categóricos: se a indústria de games brasileira quer se consolidar além de uma fase de ouro, é preciso de apoio financeiro.
Vários dos desenvolvedores relataram só conseguir desenvolver jogos como uma segunda ocupação, mantendo outro emprego que pague as contas em paralelo. Assim, é preciso de uma solução para garantir comprometimento com a indústria. Mais especificamente, editais e políticas públicas para desenvolvimentos de jogos – como já acontece em várias outras partes do mundo, como na Austrália, Canadá e nos Estados Unidos. “Quando não têm políticas públicas, acontece exatamente o que está acontecendo agora: tudo só vai na força do ódio”, afirmou Danilo Freire.
Não deveria ser, mas a discussão sobre incentivo à cultura é polêmica e polarizada. Seja como for, a indústria de games brasileira já demonstrou que tem talento de sobra nas mãos, e que há uma enorme legião de desenvolvedores fazendo muito a partir de pouco. Imaginar o que esses estúdios conseguiriam fazer com apoio financeiro, midiático e do público é sonhar com uma economia criativa e uma produção cultural de peso que podem muito bem se tornarem realidade em pouco tempo.
Aproveite e confira também nossa seleção de favoritos do BIG Festival 2020. Por mais que o evento já tenha acabado, muitas dessas demos podem ser jogadas em casa, e vale ficar de olho no futuro desses projetos incríveis:
Na contramão da excelência da indústria nacional, a Indie+ da vez também teve a oportunidade de conferir Arcadegeddon, novo título da Illfonic que simboliza bem todas as tendências cansadas do videogame blockbuster.
Arcadegeddon: muito estilo, pouca personalidade
Por mais que seja um estúdio independente, os games da Illfonic costumam se misturar entre os triple A, por usarem franquias renomadas como Predador, Caça-Fantasma e Sexta-Feira 13. O estúdio agora tenta emplacar um título completamente original com Arcadegeddon, um descolado shooter em terceira pessoa.
Em uma colorida distopia cyberpunk, a cultura gamer é quase como uma entidade das ruas, e os arcades são espaços dominados pelos mais diferentes tipos de gangues. Um dos maiores desenvolvedores de jogos, porém, se vê vítima de um ataque cibernético por uma corporação gigantesca que quer matar a criatividade nos videogames e transformar os gamers apenas em consumidores que agradam engravatados. Cabe ao jogador tentar unir as gangues, e mergulhar no game para livrá-lo do vírus que se alastra.
É uma premissa genuinamente interessante em um universo cheio de estilo, que combina cultura urbana com o digital em algo a lá Jet Set Radio modernizado, mas que acaba nunca explorada ou minimamente desenvolvida por fazer parte de um game completamente sem vida.
Por baixo das cores brilhantes e da música eletrônica, Arcadegeddon é a definição de genérico. Elementos já cansados de shooters em terceira pessoa aqui são servidos como prato principal, em uma aventura cujo objetivo é unicamente concluir tarefas repetitivas e pouco inspiradas para ganhar um moral com as gangues, tipo um office boy gamer distópico. As missões apresentam pouca variedade de inimigos, e todos eles são enormes esponjas de balas, em combates que não pedem por nenhum tipo de estratégia além de sentar o dedo no gatilho até limpar a vida dos oponentes.
O arsenal é minimamente interessante, e há uma sólida variedade de armas que vão desde pistolas tradicionais até criações mais bizarras, com efeitos congelantes ou que espalham serras circulares pelas arenas. Ajuda também que as mecânicas são sim satisfatórias, com bom feedback para atirar e se movimentar, mas não há nada que diferencie o título de uma infinidade de outros shooters mais inventivos com controles igualmente dignos.
Com alguns acertos, como os controles e o visual estiloso e colorido, a experiência ainda pode ser proveitosa. É o tipo de game ideal para desligar o cérebro, curtir ouvindo música ou um podcast, ou então em coop. Mas o fato de que é melhor aproveitado como distração do que ativamente imerso só sinaliza uma obra medíocre, no melhor sentido da palavra.
Por mais que seja um projeto independente (de um estúdio grande), é muito simbólico de, frequentemente, tudo que um jogo precisa para ser considerado um blockbuster é ter gráficos avançados e ser barulhento, por mais rasa e vazia que seja sua experiência e design. É até irônico que Arcadegeddon tenha uma trama sobre os games como contracultura quando o próprio acaba soando como uma invenção puramente comercial e publicitária, sem nenhum mérito artístico.
Arcadegeddon está disponível para o PC, Xbox One, PlayStation 4, Xbox Series X | S e PlayStation 5. A review foi feita com base na versão de PC enviada ao Detonado! pelos desenvolvedores.
A Indie+ fica por aqui! Qual foi o último game brasileiro que você jogou? E o que você anda jogando atualmente? Deixe tudo nos comentários abaixo, e até a próxima!