Opinião: For All Mankind é a melhor série que você não está assistindo
Opinião: For All Mankind é a melhor série que você não está assistindo
Obra do Apple TV+ em que a Corrida Espacial nunca acabou chega na sua 3ª temporada com excelentes personagens e uma impressionante realidade alternativa!
No meio de uma avalanche sufocante de conteúdo, é um pouco surpreendente que a Apple TV+ conseguiu se destacar. Normalmente, novos serviços de streaming não são bem vistos, mas a plataforma fez barulho com poucas e excelentes obras como The Morning Show, Ted Lasso, Severance e Pachinko. Dentre o conciso catálogo, há uma obra que merece mais atenção: For All Mankind.
Parte do line-up inicial do serviço, o seriado estreia agora sua terceira temporada, e segue expandindo uma realidade alternativa em que a Corrida Espacial nunca após a União Soviética chegar na Lua antes dos Estados Unidos. O programa lentamente está ganhando mais tração entre a crítica gringa, e te explicamos – junto com a atriz Krys Marshall, que conversou exclusivamente com a Legião dos Heróis – o por quê você deveria dar uma chance.
A trama começa na década de 60, mas agora já avançou até os anos 90 em um mundo em que há carros elétricos, em que John Lennon nunca morreu e os Beatles continuam na ativa, onde há mais inclusão e aceitação na sociedade, além da disputa pela conquista do espaço, que mira em pousar em Marte antes da virada do milênio.
O programa é criação de Ronald D. Moore, criador de Battlestar Galactica, e é possível ver muitas das qualidades que consagraram a série cult de 2004: o equilíbrio entre ficção científica e comentário social.
Nesse universo, inspirado pelo desejo de Moore de imaginar um mundo em que o programa espacial continuou como prioridade para os EUA, o foco em vencer a União Soviética aos olhos do mundo é catalisador para todo tipo de transformação social e tecnológica. Por mais que For All Mankind flerte vez ou outra com uma pegada de propaganda, em essência seu argumento é de que grandes mudanças só acontecem nos Estados Unidos se o país conseguir se vangloriar a partir disso.
É a partir desse enorme incentivo do governo, com o objetivo de reconquistar o status de maior potência mundial, que o seriado introduz um excelente leque de personagens, cada um com sua própria trajetória e excelentes dramas pessoais. Com as temporadas avançando em décadas dessa realidade fictícia, For All Mankind consegue explorar as vidas de vários envolvidos com o programa espacial da NASA, e as várias transformações que passam ao longo de suas vidas.
Há a dupla de astronautas Edward Baldwin (Joel Kinnaman) e Gordo Stevens (Michael Dorman), que lidam com o fracasso de não terem pousado na Lua antes dos soviéticos apesar de terem orbitado o satélite natural durante uma missão de teste. Ou então de Margo Madison (Wrenn Schmidt), uma brilhante engenheira que briga por espaço dentro do alto escalão da NASA. Há ainda todo um grupo de mulheres em treinamento para virarem astronautas, lutando contra o machismo da organização e um brutal processo seletivo.
Com tempo e tantos núcleos, a série desenvolve todos os seus personagens como pessoas, explorando seus medos, angústias, vitórias e relações ao longo dos anos e de grandes eventos mundiais. “Nosso mundo é tão grande, com tantos protagonistas – temos 10 personagens principais na série”, explica a atriz Krys Marshall, que vive a astronauta Danielle Poole, em papo com a LH.
“Há tramas para todos os públicos. Você pode se identificar com a história de uma mulher que perdeu o filho, ou de uma pessoa gay vivendo a vida no armário, ou então de uma mulher batalhando em meio ao mundo dos homens. Há milhões de histórias diferentes, para todo tipo de gente, e acredito que esse seja o motivo do sucesso da série.”
Ainda que toque em temas socialmente relevantes, For All Mankind não é uma série discursiva. Há um bom lado de ficção científica e ação para agradar a todos, com efeitos especiais impressionantes (especialmente da segunda temporada em diante). Em especial, os ambientes do seriado conseguem te transportar para essa realidade alternativa, seja em uma movimentada e caótica sala de controle da NASA, ou então nos apertados corredores de uma base lunar em constante expansão.
A grande sacada é ser um programa ágil e frenético, com ótimos momentos de tensão, mas que também entrega personagens complexos, memoráveis e intensos dramas pessoais. É um espetáculo visual que também têm algo a dizer, e que sabe quando precisa ser sério e quando pode respirar um pouco – algo que Krys Marshall diz ter surgido por conta da dinâmica dos bastidores:
“Nossa história é bem importante, e falamos de temas sérios. Essa temporada discutimos direitos dos gays, direitos das mulheres, sobre como é sair do armário, sobre espionagem. É uma série pesada em temas raciais e identidade sexual, portanto é bom ter certo senso de humor. Não dá para se levar muito a sério no set”.
Algo que também é bastante chamativo é, claro, a realidade alternativa. Assim como What If…? tentou (e falhou) fazer no Universo Cinematográfico da Marvel, For All Mankind questiona o quão diferente seria a nossa história se fosse moldada por vários pequenos eventos que se desenrolaram de formas diferentes. Aqui, os EUA saíram da Guerra do Vietnã cinco anos antes, em uma campanha bem menos devastadora. Além disso, passou por diversos presidentes diferentes, e até mesmo chegou a manter alguns acordos amigáveis com a União Soviética.
Mesmo o dia das pessoas comuns é diferente: logo nos anos 80, já é possível encontrar chamadas de vídeo e “avançados” computadores pessoais. Assim como na vida real, as tecnologias primeiro são desenvolvidas para uso militar e científico, e depois são adaptadas para o grande público. Em um mundo em que há sério investimento na colonização espacial, os avanços tecnológicos acontecem com muito mais rapidez.
Para Krys Marshall, o grande atrativo da série é o equilíbrio entre as mudanças drásticas e as coisas que permanecem iguais em todas as realidades:
“É algo que eu amo na série. Na segunda temporada, há um momento em que Thomas Payne vai para as ruas e coloca seu carro para carregar, com um cabo gigantesco. Um carro híbrido em 1983 é muito avançado, mas ao mesmo tempo você vê gente como a Margo com penteados super oitentistas e óculos fundo-de-garrafa. Algumas coisas de cada época mudam, e outras continuam iguais. Se tudo der certo e tivermos sorte de alcançar o ano de 2022, acredito que haverão muitas coisas diferentes, mas também outras que permanecerão iguais.”
No fim das contas, For All Mankind é um bom exemplo do apreço que a Apple TV+ tem por televisão bem feita – em todos os sentidos. Além de visuais de ponta, ação bem feita e excelentes atuações, é um programa que sabe utilizar o formato, que entende que o valor dos seriados está no desenvolvimento de seus personagens e situações à médio/longo prazo. Não é uma série que quer dar respostas e satisfações imediatamente, mas sim criar algo grandioso por completo.
Depois de uma sólida primeira temporada, a série dá um salto de qualidade gigantesco na segunda temporada, que facilmente foi uma das melhores obras de 2021. A terceira temporada continua nessa expansão, com uma leva de episódios que, apesar de ambientada nos anos 90, soa altamente contemporânea ao discutir a colonização da Marte – tendo até mesmo um personagem inspirado no polêmico Elon Musk, para debater os benefícios e males de quando o setor privado se junta à corrida espacial.
Assim como seus personagens, é um programa complexo, feito da junção de cineastas, engenheiros espaciais e historiadores. Por conta disso, o resultado é agradável para todos os fissurados por TV, ciência e história, já que é fiel a todas as três áreas. O desenvolvimento narrativo é excelente, mas a obra também acerta com precisão obsessiva em todos os aspectos físicos e científicos, além de apresentar uma expansão intrigante e consistente da história alternativa desse universo.
Não é exatamente uma série educativa, mas seu carinho pelo espaço e pela história pode despertar o interesse até de quem não é exatamente versado em nenhuma dessas áreas mais científicas, como ocorreu com Krys Marshall:
“Não sei nada sobre a ciência na nossa série, eu estou constantemente fazendo perguntas. É por isso que eu amo fazer o podcast do programa, não me incomodo de parecer boba, de não entender ou de pedir esclarecimentos. A verdade é que eu não era uma pessoa de ficção científica, e ainda não sou, mas o que amo na série é que há um elemento sci-fi que atrai gênios de verdade: engenheiros, cientistas, físicos que amam a série.”
Nesse momento em que o catálogo da Apple TV+ começa a ganhar mais notoriedade com obras de altíssimo padrão de qualidade, For All Mankind é uma das séries que merece ser tão discutida quanto os demais sucessos da casa.
“O que a Apple está fazendo é diferente de qualquer outra emissora, com produções como Ted Lasso, que é super divertida e humana; ou com Severance, que todo episódio é de explodir a mente. Amo que a Apple não tem medo de ousar”, afirma a atriz, que se diz muito grata ao ver que For All Mankind lentamente está conquistando público e críticos por aí. “Há tantas opções para o público, uma quantidade excessiva de séries de TV por aí, portanto é especial termos sido notados pelos fãs e pela crítica.”
As duas temporadas de For All Mankind estão completas no catálogo do Apple TV+. Já a terceira temporada estreou nesta sexta (10) e — assim como todas as produções do serviço — é transmitida semanalmente.
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