Final de Neon Genesis Evangelion: Entenda o que aconteceu no fim do anime
Final de Neon Genesis Evangelion: Entenda o que aconteceu no fim do anime
Há quem diga que nem Hideaki Anno entende
Com mais de vinte anos desde a sua produção, Neon Genesis Evangelion ainda tira o sono de alguns fãs. Entre questionamentos existenciais e cortes psicodélicos, os dois últimos episódios do anime possuem mais interrogações do que pontos finais. Para tentar entregar algumas respostas, nesse artigo tentaremos traçar uma linha lógica do que acontece no fim do anime.
A produção de Neon Genesis Evangelion
Começando pelo o que ocorria atrás da exibição do trabalho de Hideaki Anno. Lançado em 1995, Neon Genesis Evangelion foi um tiro no escuro dado pela Gainax. Na época, eles sofriam com o fracasso de Royal Space Force e a produção conturbada de Nadia:The Secret of Blue Water.
Enquanto a produtora tentava encontrar alguma forma de se restabelecer no mercado de anime — que na época estava em queda — Hideaki Anno entrava em uma fase depressiva. Posteriormente, o animador e diretor japonês o descreveria nesse período como “um homem quebrado que não conseguia fazer nada por quatro anos; um homem que fugiu por quatro anos, um que simplesmente não estava morto”.
A situação pareceu mudar quando Toshimichi Otsuki, executivo da King Records, prometeu financiar um novo anime da Gainax feito por Anno. Buscando uma forma de retratar e externalizar seu período depressivo, o diretor criou Neon Genesis Evangelion.
Tomando como base o “encarar de seus medos”, Anno construiu um mundo rico e complexo. Uma pequena prova disso é a famosa cena em que Gendo Ikari insiste para Shinji entrar no robô. Sendo ela uma alusão ao fato de que Anno não podia mais fugir, que precisava lidar com a situação a qual se encontrava.
Talvez por isso ou pela riqueza de detalhes do trabalho do diretor, o o retorno do público foi positivo. Porém, a produção do anime estava se alongando mais do que o esperado e as ideias de Anno começaram a ultrapassar o orçamento.
Assim, a história precisou ser encurtada. Ao invés de 28 anjos que seriam apresentados ao longo do anime, foram feitos apenas 17. Os episódios finais, que incluiriam uma cena de invasão e confronto elaborados, foram modificados para rascunhos, textos escritos e até uma curta cena em live action.
A necessidade de cortar custos fez com que Anno resumisse o que sentiu de forma visual e menos metafórica. Toda a cacofonia visual e auditiva que Shinji enfrenta nos episódios 25 e 26 se trata de uma forma literal de mostrar a confusão que é um indivíduo em meio ao desespero depressivo.
Mas isso não foi suficiente. O sucesso do anime e os questionamentos em relação ao que o seu final significava resultaram na necessidade da Gainax produzir um filme para finalizar, de maneira oficial, Neon Genesis Evangelion. É então que nasce o longa The End of Evangelion, lançado em 1997.
Toda essa história parece irrelevante para entender o que acontece com Shinji Ikari no fim do anime, mas ela dá contexto para o que fez do anime, uma das produções mais relevantes das últimas décadas. Pois, foi entre finais prematuros, cortes orçamentários e uma experiência com a depressão que o final de Evangelion foi moldado.
“O Kaworu disse que me amava”
E são nos minutos finais do episódio 24, O Mensageiro Final, que o final esquizofrênico tem início. Após conhecermos Kaworu e descobrimos que o rapaz é um anjo, em uma cena que dura mais de um minuto, vemos Shinji ficar entre matar a única pessoa que o ama ou deixar a raça humana, junto com ele, ser destruída.
Com apenas a trilha sonora e a ansiedade do espectador, vemos os momentos finais de Kaworu e diversos cortes se iniciam. Entre a mão ensanguentada da Unidade 01 e um Shinji e Misato olhando a lua, um novo capítulo do anime é iniciado.
Já no episódio 25, O fim do mundo, adentramos a cabeça do piloto e vemos o seu debate existencial após a morte de Kaworu.
A fera que gritou “eu” no coração do mundo
Entre memórias de abandono, separação e perda, assistimos flashs das memórias de Shinji. A partir de falas de outros personagens, somos apresentados a como o garoto observa e entende o mundo.
De forma não explícita, é oferecido a Shinji duas escolhas: continuar o Projeto de Instrumentalidade Humana criado por Gendo Ikari, seu pai, e tornar toda a humanidade um único “eu” ou manter a individualidade e, consequentemente, o Campo AT intacto.
Essa escolha só é apresentada de forma explícita, como Morpheus entregando as pílulas a Neo em Matrix, em The End of Evangelion. Nele, os acontecimentos externos são mostrados em relação ao tempo passado durante a escolha que Shinji precisa fazer. E esses eventos incluem a invasão da NERV, a morte de diversos personagens e o início do Terceiro Impacto.
Esse último começando com o contato entre as sementes de Adão e Lilith. No caso, Rei Ayanami e Kaworu. No centro desse evento apocalíptico, está Shinji.
Reunir essas sementes e dar início ao apocalipse bíblico sempre foi o intuito de Gendo Ikari. Pois, uma vez que o Terceiro Impacto tivesse início, a individualidade seria diluída e a humanidade se tornaria uma “sopa primordial”, reunindo Gendo a sua falecida esposa, Yui.
O problema é que o controle do poder absoluto caiu nas mãos de Shinji. Preso na Unidade 01 e sendo questionado por Lilith — em forma de Rei Ayanami —, sobre qual seria sua escolha diante do Terceiro Impacto, o garoto rejeita a Instrumentalidade.
O fim de Evangelion
Finalizando o evento e entregando a humanidade a mesma escolha que lhe foi dada, vemos Shinji ser parabenizado por todos os personagens do anime. O “Parabéns, Shinji!” não é pelo fato do garoto ter dado fim ao Terceiro Impacto, mas por ter compreendido questões importantes sobre si e a realidade.
Escolher fazer parte da “sopa primordial” significaria fugir de seus problemas. No decorrer do anime, somos apresentados ao Dilema do Ouriço e o medo de Shinji em se aproximar das pessoas. Pois, se aproximar, é se abrir. E, a possibilidade de estar vulnerável, significa a possibilidade de ser magoado.
E a dor da mágoa, para um garoto que foi abandonado pelo pai e perdeu a mãe, é comparável a dor física. Por isso, constantemente, ele se afasta de Misato, não consegue compreender a relação de Rei com Gendo, é impossibilitado de construir uma relação saudável com Asuka. E machuca, literalmente, duas das pessoas que já amou: Toji e Kaworu.
A solução para impedir essas dores, para Gendo e Lilith, é centralizar os Campos AT e destruir a individualidade. No fim, Shinji decide terminar o Terceiro Impacto e manter o seu “eu”. Não por auto preservação ou pelo desejo de salvar o que restou da humanidade. Mas, por entender que ser humano é enfrentar problemas.
Sem heroísmo, apenas aceitando os fatos, Shinji entende que pessoas se machucam, se decepcionam e que nada sai como o planejado. Isso fica evidente com a cena do futuro alternativo de Evangelion. Nela, Rei, Asuka e Shinji vivem um romance colegial, em que não precisam enfrentar robôs, apenas o dia a dia.
Essa idealização termina com as verdades que Shinji precisa ouvir e aprender. Quando diz que “merece viver nesse mundo”, o garoto quebra a realidade sombria em que se encontra. E, finalmente, percebe que está cercado das pessoas que o amam. Outra alegoria clara de Anno para o enfrentamento da depressão.
E o mar vermelho?
A cena culmina com os momentos finais de The End of Evangelion. Após acordar em uma praia com um mar vermelho, Shinji percebe que não está sozinho, mas que tem ao seu lado Asuka. O mar vermelho é toda a humanidade que não conseguiu manter a individualidade e foi “sugada” para essa “sopa”.
Asuka se manteve ao lado de Shinji porque os EVAs serviam como arcas. Construídas para derrotar os anjos, as máquinas também eram uma forma de salvar os membros da SEELE diante do Projeto de Instrumentalidade Humana.
Porém, fica implícito que todos os indivíduos com um forte senso de si podem eventualmente recuperar a forma humana. A partir da condição de se imaginar “dentro de seu próprio coração”, se cria uma consciência de si, capaz de quebrar a realidade imposta pela instrumentalidade.
Em resumo, é o famoso “Penso, logo existo”. A frase do filósofo Descartes é o paradoxo no qual Shinji está preso — mas que também é capaz de sair no fim do anime. O ato de pensar, o faz existir. Por sua vez, o faz pensar na dor que é existir em comunidade. E é, a partir dessa dor, que ele é capaz de existir.
Nesse ciclo que Shinji e toda a humanidade se encontram. O problema é que, durante os vinte e cinco episódios anteriores, o garoto não queria aceitar essa realidade. Talvez, o que é preciso entender do final de Neon Genesis Evangelion é: Façam terapia!
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