O que é o Duna de Jodorowsky? Conheça um dos filmes mais ambiciosos jamais feitos
O que é o Duna de Jodorowsky? Conheça um dos filmes mais ambiciosos jamais feitos
Entenda a maior e mais ousada adaptação jamais feita de um livro: conheça a Duna de Alejandro Jodorowsky
A adaptação de Duna por Denis Villeneuve foi um dos grandes destaques de 2021, um blockbusters grandioso mas igualmente filosófico e político. Para realizar esse feito, além dos cheques em branco da Warner Bros., o cineasta também precisou se contentar em adaptar apenas metade do primeiro livro de Frank Herbert. Acontece que, por muitos anos, o clássico era considerado inadaptável.
O livro original, publicado em 1965, é uma das bases da cultura pop e da ficção científica, tendo inspirado franquias como Star Wars e muito mais. Com tanto impacto e uma base de fãs bastante carinhosa, é certo que o cinema não esperou até 2021 para levar a trama para as telas.
Antes de um filme deliciosamente bizarro por David Lynch (Twin Peaks) em 1984, que foi um fracasso na época mas que hoje é considerado um queridinho cult, quem tentou adaptar a obra de Frank Herbert foi Alejandro Jodorowsky, cineasta chileno conhecido por suas obras psicodélicas.
A versão de Duna por Jodorowsky era um filme incrivelmente ambicioso, que reuniu alguns dos nomes mais impressionantes das artes. Sua visão era grandiosa ao ponto de que nunca conseguiu se manifestar na nossa realidade.
Como era Duna de Alejandro Jodorowsky?
Duna foi originalmente publicado na metade da década de 1960, e se tornou um fenômeno ao retratar intrigas políticas em um exótico mundo tomado por areia e criaturas bizarras. Os direitos para sua adaptação cinematográfica já estavam rodando a mão de executivos logo na década de 1970, até eventualmente cair nas mãos do francês Michel Seydoux no final de 1974.
Durante uma conversa com seu amigo Jodorowsky, o cineasta revelou que gostaria de adaptar a obra de Frank Herbert. Não que ele tivesse lido o livro, mas sim que alguns amigos haviam lhe falado que era algo verdadeiramente especial. Naquela época, o nome do diretor chileno ganhava força após entregar duas das maiores obras do cinema psicodélico: El Topo (1970) e A Montanha Sagrada (1973).
Seydoux se animou, e a obra entrou em pré-produção logo no início de 1975. Ali, a ambição de Jodorowsky já começava a dar as caras. O chileno reuniu uma equipe que impressiona até hoje. Sua primeira tarefa foi encontrar uma banda responsável pela trilha sonora. Após contemplar trabalhar com o músico Mike Oldfield e com os grupos de rock progressivo Tangerine Dream e Gong, o cineasta mirou nos maiores representantes do gênero: Pink Floyd.
É curioso que os músicos britânicos tenham sido os primeiros integrantes da produção, o que ajuda a demonstrar que o foco da obra seria sua atmosfera. Logo, a equipe seguiu para imaginar quem poderia protagonizar o longa, e Jodorowsky novamente mirou nos pesos pesados.
A versão de Duna de Jodorowsky teria David Carradine (Kill Bill) como o duque Leto Atreides; Geraldine Chaplin, a filha de Charles Chaplin, como Lady Jessica; Gloria Swanson (Crepúsculo dos Deuses) como Gaius Helen Mohiam; Mick Jagger, o vocalista dos Rolling Stones, como Feyd-Rautha; Orson Welles, diretor de Cidadão Kane, como o barão Vladimir Harkonnen; Udo Kier (Bacurau) como Piter De Vries; a cantora Amanda Lear como a princesa Irulan; o astro francês Alain Delon como Duncan Idaho; e Hervé Villechaize (Ilha da Fantasia) como Gurney Halleck.
Para o protagonista Paul Atreides, o chileno escalou seu próprio filho, Brontis Jodorowsky, que tinha apenas 12 anos na época. O mais surpreendente foi a escolha para o posto do Imperador Padixá Shaddam Corrino IV, que seria vivido por ninguém menos que Salvador Dalí, pintor espanhol que é o principal nome do surrealismo. Excêntrico, Dalí queria atingir o status de ator mais bem pago da história do cinema, e cobrou cachê de US$100 mil por hora de trabalho. A pior parte? Jodorowsky topou, e bolou uma forma de rodar toda a participação do pintor em apenas uma hora.
O projeto é todo marcado por excessos assim. A produção mirava em um orçamento total de US$15 milhões, algo completamente impensável para a época, e o cineasta não queria ceder em nenhum aspecto. O roteiro era descrito com a grossura de uma lista telefônica, com a duração do filme pensada para algo entre 10 e 14 horas, por mais que os produtores implorassem por algo de duas horas que de fato pudesse ser exibido nos cinemas.
Cada vez mais ficava claro que o filme nunca sairia do papel, mas isso não impediu Jodorowsky de planejar extensivamente o longa. Para os storyboards – ilustrações que servem para visualizar enquadramento, composição e movimentos de câmera -, o diretor recrutou Jean Giraud, conhecido como o prestigiado quadrinista Moebius. O resultado é uma visão verdadeiramente ousada, colorida e excêntrica dos mundos criados por Frank Herbert, em um livro de storyboard que praticamente poderia ser publicado como uma HQ e ainda ser elogiado como uma das melhores obras da mídia.
O projeto, que sequer chegou a ter material filmado, foi encerrado por volta de 1976, quando a produção percebeu que as contas não fechavam mais. Lembra daquele orçamento total de US$15 milhões? Pois a equipe já tinha torrado US$9,5 milhões só na fase de pré-produção, e não conseguiram encontrar alguém que bancasse os US$5 milhões restantes.
Assim, Duna de Alejandro Jodorowsky foi cancelado. Os direitos voltaram a rodar pelas mãos de executivos – mas o projeto do chileno nunca realmente caiu no esquecimento.
O legado de Duna de Jodorowsky
Não existe outro filme não-feito tão impactante quanto Duna de Jodorowsky. Por mais que o longa nunca tenha saído do papel, muito foi aproveitado de seu extensa pré-produção. Acontece que, para despertar o interesse de investidores e cineastas, os storyboards do longa circularam por todo grande estúdio dos Estados Unidos e Europa. Eventualmente, os visuais criados pelo diretor e por Moebius serviram como influência para Star Wars, O Quinto Elemento, O Exterminador do Futuro, Flash Gordon e muito mais.
Quem se beneficiou diretamente do bom olho para talentos do chileno foi Ridley Scott. Alguns anos depois, em 1979, o diretor se consagrou com o excelente Alien – O Oitavo Passageiro, uma mistura de sci-fi e horror com uma marcante estética retro-futurista.
Com exceção de Scott, os principais nomes da produção do longa estavam envolvidos com Duna anos antes, como o roteirista e supervisor de efeitos especiais Dan O’Bannon, e o trio de artistas Moebius, H.R. Ginger e Chris Foss, que desenharam os exóticos mundos e as grotescas criaturas visitadas por Ellen Ripley e a tripulação da Nostromo.
Jodorowsky também manteve sua parceria com Moebius, e a dupla adaptou grande parte do storyboard, da trama e dos conceitos do filme na série de HQs O Incal, que dá um gostinho da grandeza e da ambição dos artistas.
Mas o maior legado que o projeto deixou é, sem dúvidas, o documentário Duna de Jodorowsky, lançado em 2013. A obra de Frank Pavich mergulha em toda a inusitada história dos bastidores, mostra extensos trechos animados do lendário storyboard, e ainda conta com entrevistas com boa parte dos envolvidos – incluindo o próprio Jodorowsky.
Vez ou outra, a lenda do filme que Duna poderia ter sido volta à tona, seja para discutir os maiores projetos cancelados do cinema, ou então como aconteceu no início de 2022, quando um grupo de fãs pagou milhões por uma cópia física do storyboard achando que isso lhes dava os direitos para adaptar em séries animadas e projetos live-action.
No fim das contas, a vida de Alejandro Jodorowsky seguiu tão criativa e inusitada quanto antes, e o projeto foi apenas uma etapa pelo caminho. Mas se engana quem pensa que o chileno guarda rancores. No documentário, o cineasta reconta todo o processo com um enorme sorriso no rosto. Pela forma que descreve sua visão, é fácil entender quem acreditou. “Minha ambição foi tremenda”, fala Jodorowsky no documentário. “Queria fazer algo sagrado, um filme que desse as alucinações de LSD sem precisar tomar LSD, que mudaria a mente dos jovens pelo mundo todo.”
A nova versão de Duna – ao qual Jodorowsky caracterizou como “cinema industrial”, ainda que bem feita – está disponível no catálogo da HBO Max.
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