Doutor Estranho: Conheça o primeiro filme do Mago Supremo lançado na década de 70
Doutor Estranho: Conheça o primeiro filme do Mago Supremo lançado na década de 70
Pensado para ser o início de uma série de TV, longa é um charmoso pedaço da história da Marvel pré-MCU
A Marvel Studios hoje é a maior força do cinema e da televisão. Com décadas de desenvolvimento, o Universo Cinematográfico da Marvel conquistou bilhões de dólares e legiões de fãs com um grande elenco de heróis em uma história conectada.
Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, a produção mais recente, leva isso adiante ao conectar várias realidades paralelas – mas você sabia que o Mago Supremo já tinha dado as caras em filme na década de 1970?
- Como o Doutor Estranho ganhou um filme nos anos 70
- Viagens alucinantes de um filme B: revisitando Dr. Estranho (1978) em 2022
- Por que o filme do Doutor Estranho fracassou nos anos 70?
Como o Doutor Estranho ganhou um filme nos anos 70
Muito antes dos filmes de herói se tornarem a tendência que são hoje, a Marvel — passando por um momento de crise, à beira da falência — licenciou seus vários heróis à preço de banana. No meio de várias adaptações questionáveis, a série O Incrível Hulk (1977) acabou vingando. Foi aí que o Doutor Estranho se tornou o próximo da fila para ganhar um seriado próprio.
Dr. Estranho –– escrito com abreviação mesmo — surgiu da mente de Stan Lee, cocriador do personagem nos quadrinhos. Na época, ele firmou uma parceria com a emissora norte-americana CBS, que havia comprado os direitos de vários dos heróis da Marvel. Stan Lee esteve envolvido na adaptação das HQs do Hulk, que se tornou um enorme sucesso do canal, e também em uma minissérie do Homem-Aranha, que teve apenas 13 episódios entre 1977 e 1979, sendo considerada um fracasso, apesar da boa audiência.
Para levar as bizarras aventuras do Mago Supremo para a telinha, Stan Lee recrutou a ajuda de Philip DeGuere Jr., um roteirista com vasta experiência televisiva em obras como Os Audaciosos, A Mulher Biônica e City of Angels. Pela popularidade do herói nos quadrinhos, que já tinha mais de uma década de vida naquela época, a CBS deu um orçamento gordo para DeGuere tocar o projeto, com o cineasta servindo como diretor, roteirista e produtor.
Tanto a CBS quanto a Marvel apostaram pesado de que o Doutor Estranho poderia ser o próximo grande personagem da televisão. Não é nem preciso dizer que esse não foi o caso, mas isso não significa que a produção é terrível — muito pelo contrário, há muito valor em assisti-la nos dias de hoje.
Viagens alucinantes de um filme B: revisitando Dr. Estranho (1978) em 2022
A ideia, seguindo os moldes do seriado Homem-Aranha, era criar um telefilme que servisse como piloto da série. Revisitar Dr. Estranho nos dias de hoje, quando a versão vivida por Benedict Cumberbatch é um dos destaques do MCU, é uma experiência bastante curiosa, com muito charme e surpreendentemente divertida.
O filme pode ser descrito como uma história de origem do Mago Supremo, ainda que bem diferente dos quadrinhos. Na trama, a maléfica Morgana LeFey – vivida aqui pela saudosa Jessica Walter, a Lucille Bluth de Arrested Development – é enviada pelo demônio Balzaroth em busca de Thomas Lindmer (John Mills), o Mago Supremo. Para se aproximar do oponente sem ser detectada, ela possui o corpo de uma mulher chamada Clea Lake (Anne-Marie Martin), que ataca Lindmer de surpresa na rua.
A possessão drena as energias de Clea, que é enviada para um hospital psiquiátrico para ter sua mente diagnosticada. O psiquiatra Stephen Strange (Peter Hooten) acaba desenvolvendo certo interesse por sua paciente, e isso o envolve em um mundo oculto de forças místicas em batalha.
É bom tirar isso do caminho: ainda que tenha quase 1h40 de duração, Stephen Strange só se torna o Doutor Estranho na reta final. O longa é realmente estruturado como o início de uma série de TV das antigas, com desenvolvimento cadenciado e uma abordagem muito curiosa que tentaria conciliar o emprego de Strange como psiquiatra com sua ocupação como Mago Supremo.
Aqui não há acidente de carro e o personagem não é cirurgião, mudanças feitas para criar algo mais palatável aos espectadores de outras produções. É uma lógica muito comum de outra época da televisão, em que seriados sobre locais de trabalho — seja hospitais, escritórios ou delegacias de polícia — eram a norma. O próprio diretor explicou isso em uma entrevista de 1978, em que disse sobre a abordagem (via ScreenCrush):
“É difícil lidar com o material base! Não é uma história em que há situações de vida ou morte bem definidas para o herói enfrentar. Isso é algo perigoso, já que é preciso encontrar uma forma de fisgar o público com algo que eles já estão familiarizados.”
Mesmo com um ritmo que soa bizarro nos dias de hoje, Dr. Estranho é surpreendentemente divertido e dinâmico. Muito disso se dá pelo charme tosco que ganhou com o passar das décadas. Ainda que seja uma produção de alto orçamento para a televisão, acaba se parecendo com um filme B que foi rejeitado pela Hammer Films. Isso significa bonecos de argila, efeitos visuais desenhados na tela e até mesmo cabos aparecendo em cenas de voo.
Nada disso são reclamações porque o filme tenta realmente incorporar a psicodelia das HQs do personagem, e isso que lhe dá tanta personalidade. Há cenas de projeção astral, de confrontos mágicos e aparição de demônios. Dr. Estranho não tenta economizar, e coloca tudo para causar uma boa impressão logo de cara. É até surpreendente que uma adaptação de 1978 já tenha colocado nomes como Wong, Clea e Morgan LeFay logo de cara, além de ter boa parte da ação ambientada no Sanctum Sanctorum.
Dr. Estranho realmente parece um começo forte para uma série de TV setentista. Peter Hooten faz um trabalho sólido como um cético Stephen Strange, que lentamente passa a conhecer um mundo místico, mas é a Morgan LeFay de Jessica Walter que conquista, interpretando a vilã da forma mais caricata e divertida o possível.
O público da época, por sua vez, não ficou muito convencido.
Por que o filme do Doutor Estranho fracassou nos anos 70?
Dr. Estranho foi exibido nos Estados Unidos pela CBS em 6 de setembro de 1978. O primeiro problema aí é que, no mesmo horário, o canal ABC transmitia reprises de Raízes, minissérie sobre a vida de Kunta Kinte que é uma das produções mais celebradas da TV, com 37 indicações ao Emmy (e nove vitórias). Assim, o filme fez feio na audiência, com números pouco expressivos de espectadores.
Além disso, a crítica também não morreu de amores pelo longa. Não dá para dizer que foi massacrado, mas ninguém se convenceu com o longo arco hospitalar que toma metade da duração da obra. No jornal Hollywood Reporter, o crítico Earl Davis escreveu:
“A transição de HQ para série é cheia de armadilhas conceituais, e pouquíssimos projetos conseguem transitar entre meios artísticos com eficiência. Dr. Estranho não consegue. Dá para dizer que parte do desafio foi realizado com sucesso, já que o filme consegue evocar uma aura sobrenatural muito bem feita. O longa falha, porém, na área de apresentar uma ameaça digna para sua atmosfera crível.”
O texto de Earl Davis ajuda a simbolizar bem o que os críticos acharam da época: elogios para os efeitos visuais, para a direção e para a atuação de Jessica Walter como Morgana LeFey e para John Mills como Thomas Lindmer, mas reclamações para o ritmo e roteiro.
Nesse cenário, a CBS decidiu pular fora e cancelar a série de TV do Doutor Estranho. O filme segue como a única obra que saiu desse ambicioso projeto, que poderia muito bem mudar a forma que o personagem é percebido até os dias de hoje. Depois disso, só fomos ver o Mago Supremo retornar quando Benedict Cumberbatch assumiu o papel em 2016, já dentro do consolidado Universo Cinematográfico da Marvel.
Se você ainda se pergunta por que raios alguém perderia tempo para assistir uma adaptação fracassada das HQs do Doutor Estranho, vale lembrar que o projeto era um dos favoritos de Stan Lee. Em 1985, o quadrinista declarou em entrevista à Comics Feature:
“É o filme em que mais tive voz nas decisões. Me tornei um ótimo amigo de Phil DeGuere. Fiquei muito satisfeito com Dr. Estranho e o Incrível Hulk, e acredito que o telefilme teria se saído melhor na audiência se não tivesse sido exibido ao mesmo tempo que Raízes. Essas foram as únicas experiências que tive com televisão em live-action. Dr. Estranho e Hulk foram muito legais. Já Capitão América foi decepcionante, e o Homem-Aranha foi um pesadelo por completo.”
Dr. Estranho está indisponível no streaming, mas foi salvo do esquecimento pela Shout! Factory, que remasterizou o filme em alta definição e o lançou em Blu-ray em abril de 2022.
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