Crítica – Wandinha, Temporada 1

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Crítica – Wandinha, Temporada 1

Por Junno Sena

Existe algo de fascinante no estranho e bizarro. O sucesso de A Família Addams é uma prova disso. Um casal apaixonado de sádicos, duas crianças com hábitos peculiares, uma mão decepada de personalidade magnética, um tio com impulsos furtivos e um motorista silencioso. A obra de Charles Addams atravessou décadas e Wandinha, nova série da Netflix, é a prova de como essa família se manteve atemporal.

Ficha Técnica

Título: Wandinha (Wednesday)

 

Criação e roteiro: Alfred Gough e Miles Millar

 

Direção: Tim Burton, Gandja Monteiro e James Marshall

 

Ano: 2022 (Netflix)

 

Número de episódios: 8 (1ª Temporada)

 

Sinopse: Inteligente, sarcástica e apática, Wandinha Addams pode estar meio morta por dentro, mas na Escola Nunca Mais ela vai fazer amigos, inimigos e investigar assassinatos.

Cheia de desgosto

Pôster oficial de Wandinha

E, atemporalidade é algo que rege Wandinha até os ossos. Assim como o corvo de Edgar Allan Poe que grita incansavelmente “Nunca mais!”, a produção carrega em cada momento um lembrete dos dois icônicos filmes dos anos 90. Encontrar o penteado icônico da garota, suas vestes antiquadas e olhar mórbido é um retorno a algo que parece nunca ter ido embora.

Mas antes de adentrar a nostalgia, Tim Burton e desgostos de Wandinha, é importante situar a série nessa linha temporal deliciosamente assustadora dos Addams. Depois de cinco anos e oito escolas, Wandinha causa o seu maior massacre: um ataque a um grupo de garotos que assediaram seu irmão, o Feioso

Sem demonstrar remorso algum sobre o ocorrido, a garota é enviada até a escola Nunca Mais, um lugar para “desajustados”. Lá, além de videntes, vampiros, lobisomens, sereias e górgonas, a garota encontra assassinatos, sociedades secretas e tramas mirabolantes que prometem surpreender.

Wandinha se destaca na construção de seu universo

Entre tantas características peculiares, Wandinha se destaca na construção de seu universo. Se nos filmes de Barry Sonnenfeld nos deparamos apenas com personalidades excêntricas, aqui, Tim Burton se dá liberdade para fazer o seu melhor: imaginar. Tomando Mary Shelley, Edgar Allan Poe, Shakespeare e outros autores como referência, o diretor cativa ao reunir modernidade e uma estética vitoriana.

Mas, tudo isso já foi visto anteriormente no streamingDe certa forma, a nova produção da Netflix lança uma questão que pode deixar diversos espectadores nostálgicos: “E se a segunda temporada de O Mundo Sombrio de Sabrina fosse uma narrativa escolar sobre criaturas desajustadas e carismáticas?” Enquanto a predecessora espiritual de Wandinha falhou em mostrar a excentricidade de um mundo de bruxas, aqui, temos uma escola a lá Hogwarts, mas regida por uma mulher com planos bem menos escusos do que os de Dumbledore.

Mesmo com tantas referências em seu colo, Wandinha não se perde na sua identidade. Pelo contrário, roteiro e elenco conseguem construir algo que é tanto relacionável com outras produções, quanto original. Pelo menos quando tratamos dos primeiros seis episódios.

Wandinha está naquela idade em que só pensa numa coisa

Jenna Ortega nasceu para o papel de Wandinha Addams

Esse DNA tão único fica claro na segunda metade de seu primeiro episódio. Em uma cena contemplativa, Wandinha toca Paint It Black dos The Rolling Stones em seu violoncelo. Em poucos minutos, temos uma mistura de cores, interpretações e vontades sendo expostas como tinta preta jogada em uma tela em branco.

A cereja do bolo é Jenna Ortega. Similar, mas completamente diferente da sua antecessora no papel, Christina Ricci, a atriz consegue trazer novidade para a personagem. A princípio, toda a caracterização e trejeitos mais parecem uma fantasia exagerada do que um mergulho na mente de Wandinha.

Porém, aos poucos, percebemos que Jenna nasceu para o papel. Seus comentários ácidos sobre a crueldade dos peregrinos com povos colonizados traz um divertimento agridoce. Cada fala sua é como um discurso que debocha sobre os valores sociais humanos. Se torna impossível desviar os olhos de Jenna, uma vez que ela é o centro e carisma de toda a história.

Joy Sunday é a Bianca Barclay, a garota popular da Nunca Mais

Em outras produções, isso pode ser um problema. Quando se depende demais do talento de um integrante do elenco, os demais somem na trama e se tornam dispensáveis. Indo contra as expectativas, Jenna é tanto um papel em branco quanto um poço de referências. Mesmo as escalações mais fracas, como a de Percy Hynes White como Xavier Thorpe, conseguem brilhar ao lado de Ortega, uma vez que ela é tanto foco  quanto palco para dar atenção aos demais.

Com apenas oito episódios, o maior problema que  Wandinha deixa  para trás é o gosto de “quero mais”. Mesmo que brilhem ao lado de Jenna, Christina Ricci foi escalada para um papel pouco explorado, assim como seria ótimo ver mais de Luiz Guzmán e Catherine Zeta-Jones como Gomez e Mortícia.

Joy Sunday, a Bianca Barclay, é o tipo de patricinha que merecia mais tempo de tela, tanto pela sua beleza quanto pelo talento. E o mesmo se repete para a jovem Emma Myers, que interpreta Enid Sinclair e Gwendoline Christie, que consegue tanto elevar quanto intimidar com seu talento e altura.

Dos males, o pior

Wandinha acende uma fagulha para o futuro da família Addams

Mas, nem tudo são flores. Ou, no caso de Wandinha, nem toda tortura é bem feita. Os dois últimos episódios da série desandam em seu ritmo e perdem um pouco do frescor do início. O que eram mistérios óbvios se tornam uma pilha de reviravoltas, transformando descobertas em momentos monótonos que não parecem se encaixar com Wandinha.

Seguindo os passos de jovens detetives do cinema e televisão, aos poucos, a garota parece deixar para trás sua personalidade trambiqueira e astuta para se tornar mais uma protagonista comum de uma história infanto juvenil.

O que Jenna Ortega e Wandinha ainda têm para compartilhar com seu público?

Algo que já era esperado, mas que ainda assim chega a ser frustrante se deparar com essa realidade. Felizmente, a pitada de deboche, horror e criatividade do início da primeira temporada retorna nos seus momentos finais. Wandinha consegue fechar o seu primeiro ano no internato Nunca Mais e o penúltimo mês de 2022 da Netflix com promessas de se tornar algo tão grande quanto as demais produções do universo Addams.

Calando os receosos com o que Wandinha poderia trazer e alimentando os saudosistas da Família Addams, a nova série é uma divertida e sombria aventura por lugares inexplorados. A grande pergunta agora é o que Jenna Ortega e Wandinha ainda têm para compartilhar com seu público.

Nota: 4/5

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