Crítica: Uncharted – Fora do Mapa quebra a maldição das adaptações de jogos com uma aventura com a essência certa
Crítica: Uncharted – Fora do Mapa quebra a maldição das adaptações de jogos com uma aventura com a essência certa
Filme usa elementos tirados diretamente dos jogos para construir sua narrativa de forma original
Uncharted: Fora do Mapa é o primeiro filme da PlayStation Productions, a nova divisão da Sony Pictures especializada em supervisionar as adaptações de seus próprios games em filmes e séries. O projeto conta com Tom Holland no papel do lendário malandro Nathan Drake, o que dividiu a opinião do público.
Devido ao tremendo sucesso de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, ainda recente na mente do público, o filme precisou encarar o desafio de desassociar o ator do herói da Marvel. Isso além de superar o fantasma das péssimas adaptações de jogos pairando na reputação da obra. Mas no fim, tudo foi superado: o cuidado do estúdio em entender o material de origem deu frutos e resultou em um dos melhores longas de jogos da história.
Ficha Técnica
Título: Uncharted – Fora do Mapa (Uncharted)
Direção: Ruben Fleischer
Roteiro: Rafe Judkins, Matthew Hollaway e Arthur Marcum
Data de lançamento: 17 de fevereiro de 2022 (Brasil)
Duração: 1h 56min
Sinopse: Na busca por seu irmão, Nathan Drake precisa desvendar os mistérios de um tesouro perdido, mas acaba atraindo a ira de um ricaço poderoso.
Diversão entre ladrões
O filme funciona como a história de origem de Nathan Drake, mostrando como o jovem saiu da sua vida de barman para se tornar um grande caçador de recompensas. Em sua jornada, ele acaba formando uma parceria com Victor Sullivan e Chloe Frazer, mas entre ladrões tão experientes, é difícil saber em quem confiar.
Analisando o enredo como um todo, ele não se encaixa em nenhum jogo específico do personagem, o que é um grande mérito. Ao invés de tentar adaptar fielmente os clássicos de PlayStation, o roteiro usa elementos dos games como blocos para construir uma narrativa original, mais adequada para a linguagem de cinema.
Além da afinidade natural da franquia Uncharted para a linguagem cinematográfica, este é o grande diferencial, que explica porque este filme conseguiu ter sucesso onde várias outras adaptações falharam. Fora do Mapa entende profundamente a essência da franquia e mira em entregar as mesmas sensações dos jogos da sua própria maneira.
O suspense que surge da dinâmica entre Nathan e seus possíveis aliados parece uma suave dança de confiança, em que a qualquer momento a música pode mudar bruscamente de tom. Mesmo sendo vendido como uma grande aventura, este é na verdade um filme de ladrões e seu ritmo tem todo um gingado especial por causa disso.
Quem acompanhou os jogos pode acabar sentindo que, em espírito, Fora do Mapa se comporta como o melhor título da franquia, Uncharted 2: Among Thieves. E o diretor conseguiu captar perfeitamente esta dinâmica gostosa de ladrões experientes passando a perna um no outro, enquanto o novato inocente aprende como navegar nessas relações voláteis.
A chave para que tudo funcionasse bem está no carisma de seus personagens, sejam eles heróis ou vilões (e tudo que existe neste meio). Chloe Frazer, mesmo que mais doce que nos jogos, tem a mesma sagacidade no filme, conquistando automaticamente a simpatia do público. Sully demora mais a engatar, por sua personalidade distante, mas sua relação com Nathan acaba florescendo com o tempo.
E claro, o mais importante, esta versão do Nate funciona. Tom Holland é Nathan Drake! Pode incomodar inicialmente que o visual do ator não convence em nada com o que Drake se propõe a representar. Afinal, nem o excelente trabalho da equipe de figurino em replicar as roupas dos games consegue disfarçar que não estamos falando de um reflexo da masculinidade latina (coisa que ele não é). Mas Holland entrega todos os trejeitos que formam Nate.
Pequenos detalhes no jeito de reagir a outros personagens, na forma de entregar certas falas e no molejo malandrão e sedutor que Holland incorpora muito bem convencem rapidamente que este é Nathan Drake. Antes da cena do bar terminar, uma das primeiras do longa, eu estava convencido.
Outra forma que o roteiro encontrou de transformar esta encarnação do personagem em algo mais profundo e relacionável — isto é, mais alinhado com a linguagem do cinema — foi incorporar fragmentos da trama de Uncharted 4: A Thief’s End, o jogo mais recente da franquia.
Pode parecer estranho usar o jogo mais avançado na cronologia como norte para contar a origem do personagem nos cinemas, mas apostar na conexão do herói com seu irmão traz uma motivação mais pessoal ao personagem que ajuda a justificar todas as suas atitudes ao longo da trama de modo mais plausível, algo que não pode ser dito de outros personagens.
A dupla de vilões é completamente original e encaixa perfeitamente no universo Uncharted — Santiago Moncada, encarnado por Antonio Banderas (Pequenos Espiões), e Jo Braddock, vivida por Tati Gabrielle (Sabrina). Moncada é a caricatura do privilégio europeu, um burguês mimado que se acha dono do mundo, mas que consegue assustar na medida certa. Braddock, que também tem seu lado imponente, parece meio incompleta, exatamente por uma falta clara de motivação.
Todos os personagens da trama são movidos pelo dinheiro, claro. Afinal, é uma história sobre ladrões gananciosos. Mas cada um tem um porquê muito pessoal que explica sua inclinação para esta caçada mortal. Todos, menos Braddock. E quando o filme decide dar uma certa importância para esta vilã, fazendo com que tome medidas extremas para conseguir o que quer, esta falta de motivação fique mais evidente, destacando a personagem como vazia.
Este tropeço não anula a impressionante atuação de Gabrielle, que consegue acompanhar a atmosfera intimidadora construída por Bandera sem nenhum problema. A atriz brilha, em especial, durante as cenas de ação: cheias de piruetas e coreografias complexas, sem deixar o público confuso neste espetáculo visual.
Neste aspecto, o filme sabiamente pegou umas dicas com o terceiro game da franquia, Uncharted 3: Drake’s Fortune, entregando sequências espalhafatosas de ação, como a batalha em um avião com a carga em queda.
Mas mesmo as cenas originais, neste quesito, conseguem acompanhar o tom deixado pelo jogo, surpreendendo mais ainda por sua criatividade. A sequência final de ação é simplesmente sublime, maior do que qualquer coisa que os jogos tenham feito.
E no meio disso tudo, os produtores ainda encontraram tempo para incorporar os engenhosos quebra-cabeças de uma maneira que prende o público em uma divertida caça ao tesouro. A cada nova pista encontrada que o grupo precisa decifrar, parece que o público é convidado a ajudar, trazendo uma sensação bem próxima da imersão de um game.
O único problema com este segmento é que, por estar basicamente restrito a uma locação do filme, acabou tomando muito tempo da história de uma só vez. Distribuir os quebra-cabeças de forma mais homogênea teria resultado em um ritmo ainda mais fluido, além de ser uma ótima oportunidade para apresentar mais cenários exóticos, algo que os jogos fazem muito bem.
Um pequeno tempero que ficou faltando dos jogos é o toque sobrenatural que costuma surgir no fim dos jogos. Monstros e situações inexplicáveis sempre acabam aparecendo no final da narrativa para lembrar que essas caçadas lendárias que Nathan vive são apenas isso: lendas. Neste primeiro filme, os produtores decidiram não arriscar adicionando este elemento mais fantástico, o que poderia ter tornado a experiência ainda mais interessante.
O humor do filme é outro ponto que os roteiristas erraram a mão. As cenas conseguem ser leves, confesso, mas dificilmente alcançam o nível de humor que você encontra em seus principais competidores, os filmes da Marvel. As piadas mais sem graça, como o truque do isqueiro, acabam se repetindo por todo o longa, perdendo a pouca força a cada nova aparição. É um humor que não conquista de verdade, mas não chega a atrapalhar o andamento do filme.
Uncharted: Fora do Mapa é o filme certo para quem quer uma diversão descompromissada: apenas se divertir com boas cenas de ação e um elenco cativante. Não há um drama muito profundo, assim como nos jogos que deram origem a este longa, mas também nunca foi a pretensão do projeto. O roteiro é uma carta de amor aos fãs do filme, brilhantemente executado para dar início a uma poderosa franquia cinematográfica. Mesmo que o humor falhe em engatar e algumas faltas do roteiro incomodem, é uma experiência incrível no geral.
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