Crítica: Tick, Tick… BOOM! – Uma corrida contra o tempo e a história de Jonathan Larson andaram de mãos dadas
Crítica: Tick, Tick… BOOM! – Uma corrida contra o tempo e a história de Jonathan Larson andaram de mãos dadas
Tick, Tick…BOOM! A urgência de um dos maiores gênios da Broadway resultou em uma das apostas mais recentes da Netflix
Atenção: Alerta de Spoilers!
Tick, Tick… BOOM! foi uma grande aposta da Netflix que deu muito certo, abocanhando o prêmio no Globo de Ouro de 2022 na categoria de Melhor Ator em Comédia ou Musical (com a atuação de Andrew Garfield); estando presente na lista do Prêmio AFI (O Instituto Americano de Filme) na categoria de Melhor Filme do Ano; e uma indicação ao Oscar 2022 na categoria de Melhor Ator, também pela performance de Andrew Garfield no papel de Jonathan Larson, um gênio dos musicais e autor de uma das maiores obras da Broadway.
O filme usa da metalinguagem em diversos momentos para abordar a trajetória de Larson enquanto um artista que tenta a sorte na carreira de autor de musicais em Nova York. Tick, Tick… BOOM! é uma biografia de um homem que estava próximo dos 30 anos e atrás de seu grande sonho, se perguntando se valeria a pena ou não. Em uma corrida contra seu próprio tempo, vemos Jonathan escrever seu primeiro musical chamado Superbia, enquanto a trama vai nos apresentando a construção de seu segundo musical (que leva o mesmo nome deste filme) e, como consequência, o surgimento do grande sucesso da vida de Jonathan Larson: o musical Rent.
Título: Tick, Tick… BOOM!
Direção: Lin-Manuel Miranda
Roteiro: Steven Levenson
Data de lançamento: 11 de Novembro de 2021
País de origem: Estados Unidos da América
Duração: 115min
Sinopse: Durante os anos 90, um aspirante a compositor (Andrew Garfield) trabalha como garçom enquanto escreve o que espera ser o maior musical americano que lhe revelará. Se aproximando de seu aniversário de 30 anos, ele começa a se questionar se perseguir o sonho impossível vale a pena ou não.
Sobre o que é Tick, Tick… BOOM!
Lin-Manuel Miranda, o criador do musical de sucesso chamado Hamilton, fez sua estreia como diretor ao adaptar uma das obras de Jonathan Larson: seu segundo musical, chamado Tick, Tick… BOOM! O filme foi feito diretamente para o catálogo da Netflix, sendo uma aposta do streaming e conta mais sobre a vida de Larson em meados dos anos 90, quando o artista desejava se tornar um grande autor de musicais antes dos 30 anos de idade.
Cada vez mais próximo dos 30, ele enfrenta uma crise existencial enquanto tenta dar vida ao seu primeiro musical no qual acredita que será o próximo grande sucesso da Broadway e o revelará para o mundo. Porém, Superbia acaba nunca saindo do papel, mas é durante sua corrida contra o tempo para escrever a última música a tempo de sua primeira apresentação que acompanhamos de perto todo o dilema de um artista em uma atuação carismática de Andrew Garfield.
Ao mesmo tempo em que tenta viver seu sonho, duas pessoas próximas a ele estão passando por processos de mudança: Susan (Alexandra Shipp) e Michael (Robin de Jesús). Susan é sua namorada, uma bailarina profissional que está voltando de uma recuperação de lesão e recebe uma proposta de emprego em afastada da área central onde eles vivem. Michael é seu melhor amigo desde a infância, que sonhava em ser ator, mas conseguiu um emprego e estabilidade financeira dos sonhos após entrar em uma empresa corporativa.
Jonathan é um artista genial, é nítido como compor músicas é um processo natural para ele (que consegue escrever e cantar sobre qualquer coisa, até mesmo sobre açúcar). Mas sua vida pessoal envolvendo as pessoas que ama e sua cobrança de fazer sucesso antes dos 30 faz com que ele tenha um bloqueio criativo que lhe impede de concluir Superbia, que já estava sendo escrito há 8 anos.
O roteiro usa de diversos artifícios para que possamos compreender (ou ao menos tentar) a complexidade do artista que Jonathan foi, utilizando muito da metalinguagem para abordar o trabalho do autor em diversas formas, a partir de uma obra que soa como uma biografia de mãos dadas com a ficção. Ao longo do filme acompanhamos os dilemas do artista enquanto trabalha em seu primeiro musical, ao mesmo tempo que estamos assistindo ao musical Tick, Tick… BOOM! e entendendo o processo de criação do artista genial que escreveu Rent, uma das maiores obras primas dos musicais da Broadway.
Em alguns momentos é até difícil compreender se as músicas apresentadas são referentes ao Superbia ou ao filme e a vida pessoal de Jonathan, o que soa como um desafio para que o público se mantenha atento durante todo o filme para compreender a totalidade da obra. Pode parecer confuso, mas Miranda consegue conduzir muito bem o projeto, fazendo com que essa metalinguagem seja uma alegoria gostosa de acompanhar e isso, em conjunto com o carisma e atuação de Andrew (fora que o ator realmente soltou a voz no longa, aquele era realmente Andrew cantando!), casou tão bem que a indicação ao Oscar 2022 veio com tudo.
A corrida contra o tempo de Jonathan Larson
De uma forma assustadora, Jonathan sempre olhava para o relógio como se soubesse que sua vida acabaria cedo. Mais do que uma “crise de meia-idade” aos 30 anos, o contexto da época fazia com que Larson convivesse com a frustração de não se igualar ao seu ídolo, Stephen Sondheim (Bradley Whitford), ao mesmo tempo em que estava vendo seus amigos falecerem de uma doença sem cura, o HIV.
Larson tinha pressa para ficar conhecido e mostrar sua arte ao mundo, tinha pressa para terminar seu primeiro musical, tinha pressa para que seu primeiro musical fosse um sucesso… Sua corrida contra o tempo foi embalada pelo “tick tack” do relógio que frequentemente encarava. Mas ironicamente, Jonathan faleceu antes mesmo de ver sua obra prima ser apresentada como sempre sonhou.
Ao mesmo tempo, vemos através das jornadas individuais de Susan e Michael, duas das pessoas mais próximas a Jonathan, que eles também tem a sua urgência em suas próprias vidas pessoais (seja em uma nova oportunidade de trabalho em outra cidade ou devido a uma grave doença que não tem cura). O tempo, a passagem do tempo e como ele é finito sempre fica pontuado de forma sutil pelo enredo, como se, no fim das contas, ele fosse o verdadeiro vilão…
A formação de Larson como um autor de sucesso se deu através da negação de seu primeiro musical, onde ele recebeu um conselho que mudou sua percepção sobre seu sonho: quando terminar de escrever um musical, comece outro… E outro… E outro… E nunca pare de escrever. Superbia nunca saiu de sua primeira apresentação para poucas pessoas, mas foi o primeiro passo para que Jonathan se tornasse conhecido e os críticos aguardassem suas próximas obras.
Rent – que veio logo após a história que vemos em Tick, Tick… BOOM! – mudou para sempre os musicais desde sua estreia, está em cartaz há anos na Broadway e é uma inspiração para os demais autores que vieram depois dele, como o próprio Miranda que dirigiu o filme. Mas o tempo é ingrato e Jonathan falece sem ver sua obra prima revolucionando os musicais.
A jornada de cada um
Se tratar de uma biografia pode soar como monopolizar a história apenas em uma pessoa, mas isso é tudo que Tick, Tick… BOOM! não faz. Mesmo que em primeiro plano Andrew Garfield nos apresente muito bem o Jonathan como um personagem sonhador e a peça central do roteiro, Robin de Jesús e Alexandra Shipp transitam com autonomia pela trama, sem ter uma dependência direta com o protagonista.
Michael, interpretado por Jesús , é um grande amigo que apesar de seus problemas pessoais super pesados, não abandona Johnathan, que passa por um momento de insegurança. Ele não é um “amigo” de Jonathan apenas para ser seu braço direito e muleta de roteiro, mas sim para assumir genuinamente o papel de um verdadeiro amigo! A forma como Jesús encarna o personagem faz com que sua dinâmica com Andrew funcione muito bem, vendendo a ideia de que realmente se conhecem desde sempre.
Susan, por sua vez, é a namorada de Jonathan e tem uma linha diferente. Alexandra dá vida a uma mulher forte através de Susan e, apesar de tomar decisões a favor de si mesma ao perceber que Jonathan estava perdido demais para lhe acompanhar, o roteiro não fez com que ela parecesse uma vilã. Esse é um ponto muito positivo! Susan também tem pressa para viver a sua vida e ao ver que seu namorado não estava “na mesma página”, decide encerrar a relação, mesmo que fique nítido que ainda há amor de um para com o outro.
Miranda conseguiu passar exatamente a ideia da obra original de Larson nos teatros musicais: contar a história das pessoas ao seu redor enquanto problemas cotidianos as atravessam, as afastam e as reaproximam. Cada um no seu tempo, mas em relações genuínas e muito bem abordadas por cada ator.
Tendo todos esses pontos em vista, Tick, Tick… BOOM! ocupa um lugar além de “apenas um musical” e passa a ser uma grande homenagem de um fã que soube abordar de forma inteligente a obra de alguém que genuinamente admira, conseguindo retratar em forma de arte sua trajetória de vida. Mesmo que o público dos musicais seja bem distinto, essa é uma obra que agradou tanto que foi indicado a alguns prêmios e, entre eles, ao Oscar de 2022.
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