Crítica – Thor: Amor e Trovão se lambuza sem medo na presepada da fórmula Marvel
Crítica – Thor: Amor e Trovão se lambuza sem medo na presepada da fórmula Marvel
Acertando no tempo das piadas, filme consegue um equilíbrio perfeito entre heroísmo, comédia e romance
Thor: Amor e Trovão é o próximo filme do Universo Cinematográfico da Marvel, mas em nada se parece com seus companheiros da Fase 4. O retorno de Chris Hemsworth ao filho de Odin é sincero — não é uma desculpa para introduzir novos personagens ou participações especiais vazias. Taika Waititi tem uma boa história para contar e faz isso sem deixar de lado a identidade leve, fanfarrona da fórmula Marvel que foi aperfeiçoada em suas mãos.
Ficha técnica
Título: Thor: Amor e Trovão (Thor: Love & Thunder)
Direção: Taika Waititi
Roteiro: Taika Waititi e Jennifer Kaytin Robinson
Data de lançamento: 7 de julho de 2022 (Brasil)
Duração: 1 h 59 min
Sinopse: Thor sai em uma jornada por paz interior, mas é interrompido por um assassino galáctico conhecido como Gorr, o Carniceiro dos Deuses, que procura a extinção dos deuses. Para combater a ameaça, ele pede a ajuda da Rei Valkiria, de Korg e da ex-namorada Jane Foster, que empunha inexplicavelmente o seu martelo mágico, Mjolnir, e se intitula a Poderosa Thor. Juntos, eles precisam descobrir o mistério da vingança do Carniceiro dos Deuses e detê-lo antes que seja tarde demais.
Intenso como o amor e barulhento como o trovão
Assim como em Thor: Ragnarok, o grande acerto de Amor e Trovão é ter a confiança de que uma história não precisa se levar muito a sério para ser boa, poderosa ou até complexa. O novo filme do herói é de um humor bobo, cafona e inocente que não dá trégua. Mas debaixo da fachada malandra, existe uma delicada jornada de cura de personagens em profundo sofrimento.
A trama começa acelerada, com uma missão dos Guardiões da Galáxia, em que Thor esbarra no rastro de morte de um vilão determinado a pôr um fim a todos os deuses. E para impedi-lo, ele precisa da ajuda de Korg, a Rei Valquíria e Jane Foster, que também enfrenta uma terrível batalha pessoal.
Nessas batalhas pessoais, presentes em quase todos os personagens, que o roteiro prospera. Assim como antecessor, Amor e Trovão é mais um longa que tenta entender a verdadeira essência do herói. Entre uma rápida sucessão de piadas, dos mais variados tipos, existe uma delicada história sobre um homem procurando sentido na vida.
E essa busca é o fio condutor que conecta todas as subtramas em algo único — Jane Foster (Natalie Portman) quanto o vilão Gorr (Christian Bale) também estão procurando um propósito depois de chegarem ao fundo do poço. Mas enquanto o Carniceiro dos Deuses enfrenta suas emoções espalhando escuridão pelo universo, os Deuses do Trovão procuram ter uma atitude mais positiva, cheia de cor.
O modo como a Poderosa Thor funciona como o perfeito oposto de Gorr só mostra como Waititi entendeu bem a essência dos quadrinhos. O filme usa como base duas histórias geniais de Jason Aaron — Carniceiro dos Deuses (2012) e A Poderosa Thor (2014). Infelizmente, elas acabam competindo por atenção o tempo todo, deixando um sentimento de incompletude. Não há uma história completa do Gorr e nem da Poderosa Thor, são como metades. Mas são metades que se complementam, através das atuações incríveis de Bale e Portman.
Christian Bale, como sempre, não decepciona. Ele tem uma presença de outro planeta, falando e se movimentando como uma serenidade perturbadora. Uma criatura das sombras, Gorr lembra um bicho papão, que esgueira em todos os cantos, esperando o menor deslize para atacar suas vítimas.
Seus monólogos são intimidadores de verdade, como deveriam ser. Lembra a presença de Hela, que não precisava se exaltar para ser temida. Mas enquanto suas palavras parecem entrar rasgando, ele não se mostra tão afiado em combate. Faltou alguma cena brutal, como o genocídio de Hela em Ragnarok. Mesmo intimidando, faltou algum momento grandioso que justificasse seu título de Carniceiro dos Deuses.
A Poderosa Thor, por outro lado, faz jus ao seu nome. Empunhando o Mjolnir, Natalie Portman está radiante, brilhando em batalhas de modo bastante singelo e se mostrando muito à vontade em meio a verdadeiras divindades. Ela convence muito rapidamente ser digna de estar entre Deuses, com um carisma incontestável. E quando ela volta a ser apenas Jane Foster, a diferença é gritante.
Jane está passando por um momento muito difícil na trama, um drama bem humano, e Natalie consegue capturar essa humanidade em cada sutileza. Mesmo quando não está enfrentando monstros, ela nunca para de lutar. O inimigo só é outro, sempre presente no trabalho incrível da equipe de maquiagem.
Se com o martelo ela reluz, longe dele, ela definha. Mesmo que a atriz não tenha tido cenas o suficiente como Jane Foster para transmitir o peso da situação, Natalie se agarrou em cada oportunidade que teve para contar essa história com toda delicadeza que ela exige.
Talvez este seja o maior problema do filme: a pressa. A aventura para impedir os planos cataclísmicos do vilão leva Thor e sua trupe para diferentes cantos do universo, sempre em um ritmo bastante acelerado. Parece que o roteiro está sempre lutando para não deixar a peteca cair. E apesar da correria funcionar bem para o lado cômico, acaba diminuindo o impacto das cenas mais dramáticas e até das batalhas.
Em alguns momentos, o roteiro consegue se safar com algumas soluções criativas. A narração do Korg ao longo do filme, por exemplo, conseguiu resumir pontos importantes puramente expositivos de forma divertida sem impactar a duração do filme. Já o término de Thor e Jane foi resolvido em uma montagem ridiculamente boa, usando todos os estereótipos e clichês de comédia romântica.
O problema é quando as soluções não são tão graciosas assim. O início é o que mais sofre: econômico ao extremo, como em Ragnarok. A introdução de Gorr e a transformação de Jane em Poderosa Thor duram poucos minutos, quase como se fossem apenas uma distração para o evento principal. Waititi sabe o que as pessoas realmente querem ver e se precipita em pular para o espetáculo principal. E com isso, acaba sacrificando o impacto do desfecho, que poderia ser mais convincente.
Por incrível que pareça, este é um dos poucos filmes da Marvel Studios que se beneficiaria de uma duração maior para desenvolver alguns pontos com mais calma. O roteiro quer dizer muita coisa e por isso não encontra muito tempo para respirar. E mesmo nessa briga contra o relógio, Waititi consegue guiar o espectador em uma jornada fantástica, completamente sentimental.
Amor e Trovão não tem pretensão nenhuma de revolucionar o universo cósmico da Marvel. Waititi deixa essa tarefa para James Gunn, em Guardiões da Galáxia. O diretor está mais que satisfeito em navegar essas correntezas espaciais da forma mais divertida possível, aproveitando cada minuto da viagem, assim como seus piratas de Our Flag Means Death.
Mesmo sendo um filme de altíssimo orçamento, é visível o cuidado e o carinho com que Waititi trata o projeto, quase como um filho. Está presente na dinâmica adorável entre Valquíria e Korg, nas cenas exageradas das cabras e especialmente na sequência inteiramente em preto e branco.
Quando o diretor drena completamente as cores, que tanto marcam os filmes da Marvel, é como se o ar fosse drenado junto de nossos pulmões. É uma sequência absurdamente fora do normal, em que Christian Bale, Natalie Portman, Tessa Thompson e Chris Hemsworth estão entregando tudo de si. Tanta coisa em jogo que é difícil não se arrepiar. Ali fica claro que Waititi é um dos poucos diretores que entendeu a alma da fórmula Marvel e consegue usá-la a seu favor.
Se a maior crítica ao filme é que eu gostaria de ter visto ainda mais, é sinal que alguma coisa deu muito certo. Cada segundo de Thor: Amor e Trovão exala uma alegria tão pura, tão genuína que é difícil não se contagiar. É um filme que tenta envolver todo mundo em sua jornada — de adultos a crianças, dos mais nerds aos mais casuais — todos são convidados a esquecer um pouco as picuinhas do multiverso e apenas curtir uma gostosa jornada, repleta de momentos tristes e felizes.
Drama e comédia não precisam ser dois extremos do gênero de super-heróis. A fórmula Marvel não precisa ser demonizada, mas sim compreendida pelos diretores. Usar piada como um freio em uma cena dramática é quase um desrespeito. É não confiar no público, é esvaziar o filme de qualquer significado.
Thor: Amor e Trovão tem a maturidade de entender o humor como uma ferramenta para enfrentar a dor. Não tenta anular o sofrimento, mas encarar de uma forma menos dolorosa. A bobagem aqui é usada para incentivar coragem, talvez por isso converse tão bem com as cenas de ação. Este é um longa que vem para lembrar que dá para ser leve mesmo nos momentos difíceis, que vale muito mais ser intenso como amor e barulhento como trovão.
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