Crítica: Foo Fighters toca o Terror no Estúdio 666 com comédia de horror boba, descompromissada e muito sangrenta
Crítica: Foo Fighters toca o Terror no Estúdio 666 com comédia de horror boba, descompromissada e muito sangrenta
Pensado e estrelado pela banda, filme é uma mistura de Tenacious D com Evil Dead cheio de escatologia e piadas internas para os fãs
O rock tem um enorme casamento com o ocultismo, e também um romance paralelo com o cinema de horror. Da mesma forma que lendas urbanas sobre álbuns malditos e pactos com o demônio são comuns entre os astros, há uma infinidade de artistas e vertentes inspiradas por clássicos da desgraceira.
O Foo Fighters pode não transmitir isso em sua sonoridade, mas é certo que são grandes fãs de horror. Para unir a música, o carisma da banda, e o amor pelo macabro, Dave Grohl e seus amigos decidiram reunir tudo em filme. Terror no Estúdio 666 é parte piada com os próprios músicos, parte carta de amor ao gênero de horror que poderia muito bem ser só uma trasheira medíocre, mas que acaba conquistando pela despretensão.
Ficha técnica
Título: Terror no Estúdio 666 (Studio 666)
Direção: BJ McDonnell
Roteiro: Dave Grohl, Jeff Buhler e Rebecca Hughes
Data de lançamento: 19 de março de 2022 (Brasil)
País de origem: Estados Unidos
Duração: 1h 48min
Sinopse: A lendária banda de rock Foo Fighters se muda para uma mansão do Encino mergulhada na terrível história do rock and roll para gravar seu tão aguardado décimo álbum.
Um álbum matador
Pense numa premissa de horror de cabana no mato a lá Evil Dead. Um grupo de amigos se isola em um lugar remoto, e lá descobrem segredos obscuros do violento passado do local. Antes que possam fugir, eles são brutalmente atacados por demônios/maníacos/criaturas, fazendo vítima por vítima de jeitos cada vez mais brutais. Terror no Estúdio 666 segue essa base, só que completamente imerso no mundo do Foo Fighters.
Aqui, a banda – que interpreta a si própria – se vê em uma crise criativa, sofrendo pela pressão da gravadora para produzir e lançar seu décimo álbum de estúdio. Por indicação do manager, eles então visitam uma casa abandonada em Encino, na Califórnia, e lá se apaixonam pela acústica do local, que dá vibrações macabras perfeitas para uma sonoridade mais pesada.
Acontece que, na década de 1970, o lugar foi palco para um massacre quando uma outra banda que usava a casa de estúdio acabou vítima de um de seus próprios integrantes, que se envolveu com ocultismo. Logo a história passa a se repetir, e o Foo Fighters vê a gravação tomando rumos cada vez mais perversos.
O elemento musical pode parecer uma escolha meramente estética, mas é isso que dá a personalidade de Terror no Estúdio 666. O filme pode até puxar muito do cinema de terror (mais sobre isso já já), mas é inteiramente moldado pelas peculiaridades da indústria da música.
Estúdios macabros e inusitados, por exemplo, já foram usados por bandas como Nine Inch Nails, que gravou o excelente álbum The Downward Spiral (1994) na mansão californiana em que Sharon Tate foi brutalmente assassinada pelos seguidores de Charles Manson em 1969. Quando o longa coloca os músicos para tocar em um lugar que já foi banhado em sangue, há um pouco de verdade, uma cutucada sutil nas excentricidades do rock.
Esse tom, de celebrar a música e rir de seus aspectos mais estranhos, marca toda a obra. É legal ver participações especiais como Kerry King, guitarrista do Slayer, interpretando um roadie de saco cheio, ou então Lionel Richie invadindo um sonho de Dave Grohl aos berros e xingamentos.
Há tiradinhas ácidas com a personalidade egocêntrica dos músicos, com o tratamento das groupies, e com os músicos aspirantes que tentam a todo custo emplacar suas bandas de garagem. O espectador também é bombardeado com muitas piadas internas sobre a relação dos membros da banda.
É um pouco cansativo, sim, mas só reforça como ninguém ali está realmente tentando criar uma obra de arte grandiosa. O filme transmite que foi feito por um grupo de amigos se divertindo, e as interações entre eles só dão um grau de naturalidade à isso, ainda que a falta de timing cômico dos músicos crie alguns momentos de silêncio desconfortável e vergonha alheia.
Descompromisso não é desculpa para fazer algo preguiçoso, e é aqui que Terror no Estúdio 666 surpreende. É preciso tirar isso do caminho: não é um bom filme de terror. Não há um pingo de tensão ou antecipação, e a equipe tenta corrigir isso com jumpscares barulhentos e sem vida. Mas ainda assim o longa acerta em cheio quando se trata de criar visuais macabros.
Em uma cena, Dave Grohl se vê atacado por espíritos de fumaça preta e olhos vermelhos durante seu sonhos, que rasgam seu corpo e arrancam suas tripas. Outra cena traz o cantor sendo possuído ao encontrar uma fita maldita de uma música inacabada, repleto de luzes banhadas a sangue que dão uma aura de inferninho de neon vermelho ao porão.
Com certeza ninguém vai se assustar, mas várias decisões estéticas agradam ao fã de terror. Algo que com certeza foi decisão da banda foi compensar a falta de tensão na escatologia, que vai desde inúmeras piadas com merda até várias cenas de vômito e sanguinolência. As mortes também são bastante absurdas e gráficas – o que é o suficiente para muitos entusiastas de slashers por aí.
Ajuda que a direção é de autoria de BJ McDonell, cineasta por trás de Terror no Pântano 3 (2013) e de vários clipes do Slayer. Ou seja, o diretor é a escolha perfeita para transitar entre a música e a desgraça. O filme é infestado de referências à clássicos que definitivamente são os favoritos da banda: Evil Dead, O Iluminado (1980), O Exorcista (1973), Halloween (1979), entre muitos outros. No caso de Halloween, a homenagem vai além da estética e conta ainda com uma participação do diretor John Carpenter, que atua como técnico de som da banda, além de ter feito a música-tema.
O longa brilha mesmo quando encarado como uma comédia escrachada, de humor sombrio e gratuito. Além da metalinguagem, o roteiro oscila entre besteirol e humor de tio do pavê, com piadas bobas e fáceis contadas com tamanha honestidade que é impossível não soltar uma risadinha. É visível que, fora os filmes de terror, a maior influência de Dave Grohl é Tenacious D: Uma Dupla Infernal (2005). Não só o frontman atua com os mesmos maneirismos físicos e vocais Jack Black, como também chega até a recitar falas do filme. Ele com certeza as conhece de cabeça, afinal foi Grohl que interpretou o demônio gigante e tarado que JB e KG enfrentam em uma batalha de rock na conclusão.
Terror no Estúdio 666 pode não ser um bom filme de terror pela definição convencional, mas definitivamente é uma experiência muito divertida. Há sanguinolência exagerada, atuações ruins dos membros da banda, um ritmo levemente arrastado, todo tipo de piada boba, musicais genuinamente boas, e uma estética com charme de filme B oitentista.
É claramente uma viagem que surgiu da mente de Dave Grohl, feita para agradar seus amigos no set e em sessões particulares. Essa abordagem é uma faca de dois gumes. Por um lado, frequentemente dá a sensação de estar por fora de uma piada interna. Do outro, traz um nível de proximidade que não é comum de ver em astros do rock. É uma produção feita por amigos despretensiosos com um gosto por sangue, comédia pastelão e nojeira – e nisso o longa é certeiro em incorporar o espírito de muitos dos clássicos de terror que homenageia.
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