Crítica: Spencer transforma a mente da Princesa Diana em uma casa mal-assombrada
Crítica: Spencer transforma a mente da Princesa Diana em uma casa mal-assombrada
Kristen Stewart entrega a melhor atuação da carreira em filme sobre um final de semana infernal na vida de Lady Di!
Estrelado por Kristen Stewart no papel da Princesa Diana, Spencer acaba de chegar aos cinemas brasileiros, trazendo uma visão assombrosa a respeito de um final de semana infernal na vida da mulher, conforme ela confronta as hostilidades da Família Real Britânica e lida com seus próprios demônios e fantasmas internos. Com direção de Pablo Larraín, trata-se de uma das obras mais “quentes” da temporada de premiações de 2021.
Unindo ficção à realidade, o filme se propõe a absorver a “imagem pública” de Lady Di e transpor isso em uma personagem, sem os maneirismos típicos das dezenas de cinebiografias que chegam aos cinemas todos os anos, ao mesmo tempo em que dá a Stewart um dos papéis mais marcantes de sua carreira, com uma sensibilidade ímpar e uma abordagem mais próxima do horror que do drama. Nós já conferimos o filme e aqui você pode ler a nossa crítica de Spencer!
Ficha Técnica
Título: Spencer
Direção: Pablo Larraín
Roteiro: Steven Knight
Data de lançamento: 27 de janeiro de 2021 (Brasil)
País de origem: Estados Unidos e Reino Unido
Duração: 1h 57min
Sinopse: Durante as férias de Natal com a Família Real no palácio de Sandringham em Norfolk, na Inglaterra, Diana decide deixar seu casamento com o Príncipe Charles para trás.
Baseado em Fatos Surreais
Todos os anos, somos saudados com incontáveis cinebiografias dirigidas por cineastas de grande porte, todas esperando arrancar nem que seja o mínimo de atenção na corrida pelo Oscar – mesmo que dependam exclusivamente de atuações caricatas que se restringem a ser meras imitações das pessoas cujas vidas estão sendo retratadas (ou do departamento de maquiagem que torna isso possível). Para a nossa felicidade – e alívio -, Spencer é muito mais que isso. Na verdade, o filme nunca se deixa ser apenas mais uma cinebiografia genérica.
Comandada pelo chileno Pablo Larraín, que no passado trouxe obras como Ema e Jackie, o filme opta por uma abordagem diferente: em vez de seguir o beabá da vida de Diana Spencer, passando por sua infância, adolescência e todo o drama com a Família Real Britânica até sua morte – algo que já não é mais necessário em tempos de The Crown -, o filme se propõe a desconstruir toda a imagem pública da Princesa de Gales, revelando as rachaduras em sua postura perfeita ao longo de um único final de semana, onde ela é testada até seus limites.
Muito disso vem do roteiro de Steven Knight, o criador de Peaky Blinders, que aqui não tenta se ater a registros reais. Em vez disso, ele parece basear a sua protagonista em tabloides e fofocas da época, ao mesmo tempo em que constitui uma frágil personagem envolta em uma série de doenças mentais e paranoias, que só pioram devido ao desprezo e hostilidade vindas não só de seu marido, mas também de toda família dele. A essa altura do campeonato, você já deve saber de todos os rumores e boatos que circulam a vida de Lady Di, e o filme tenta fornecer um “capítulo extra” nessa narrativa sórdida.
E por mais que o roteiro seja a base mais sólida para essa construção, não há como negar que essa premissa desmoronaria sem Kristen Stewart no papel principal. Livre dos grilhões da Saga Crepúsculo há quase uma década, a atriz continua sendo menosprezada por muitos – e aqui, prova como é uma exímia intérprete, ao explorar um lado igualmente vulnerável e assombrado de Lady Di. É um trabalho grandioso, pois consegue externar em ações e palavras até os pensamentos dessa figura, desmistificando-a ao mesmo tempo em que não a faz perder a aura de enigma.
Isso é intensificado graças às escolhas de direção de Larraín. O cineasta opta por fazer não só um drama apoteótico cheio de gritos e momentos de choro. Na verdade, ele toma a contramão disso e parte para uma narrativa com um pé bem firme no horror, cuja superfície só é arranhada com a trilha sonora de Jonny Greenwood, repleta de violinos e acordes graves, afogada pelo caos do insólito. Isto, é claro, vai aumentando gradativamente com a contagem dos minutos, aprofundando o público em uma atmosfera tensa.
E quando se fala nas comparações com histórias de casas mal-assombradas, isso vai além do subtexto. Na realidade, o filme de fato se aprofunda nisso ao estabelecer comparações entre Diana Spencer e Ana Bolena. Em alguns momentos, até mesmo o “fantasma” de Ana Bolena pode ser visto – e nunca fica nítido se é apenas uma alucinação de Diana ou um eco passado refletido no presente, o que abre margem para um arcabouço simbólico que fica mais complexo a cada vez que essa analogia é traçada.
Mas o arcabouço rapidamente se transforma em um calabouço graças à genial fotografia de Claire Mathon, também conhecida por seu trabalho no francês Retrato de uma Jovem em Chamas. Aqui, ela consegue explorar o contraste das cenas mais intimistas entre Diana e seus filhos, William e Harry, ou até nas sequências onde a Princesa fica isolada no aconchego e privacidade de seu próprio quarto. Essas cenas ressaltam a grandeza e o esplendor de Diana, mas isso logo se transforma em pequenez quando ela é forçada a vagar pelos vários corredores da mansão de Sandringham.
Essa estratégia faz com que o filme esteja muito mais próximo de O Iluminado ou até mesmo de Casamento Sangrento do que qualquer outro filme sobre a Família Real, que reforça a grandiosidade dos palácios reais com um toque de ostentação. Em Spencer, a ostentação é símbolo de uma pobreza de espírito, de um apego ao dinheiro e ao material, que corrompe a bondade dos laços familiares em prol de uma apatia coletiva, uma felicidade construída apenas para as câmeras e para os flashes dos paparazzi.
E embora se renda a algumas especulações escandalosas (como um possível romance sáfico, representado aqui por Maggie, interpretada pela sempre excelente Sally Hawkins), o filme trata de mostrar o lado mais humano de Diana clamando por uma salvação, por algo que possa salvá-la das garras da Realeza e possa devolvê-la a vida “normal” que teve antes de abandonar tudo para se juntar a esse circo. É bonito e é igualmente trágico, tanto que a cena final – que mostra Diana se livrando de um peso ao mesmo tempo em que tem momentos de felicidade ao lado dos filhos – soa muito mais agridoce do que era de se esperar.
E para manter toda essa estrutura íntegra e fora do perigo de colapso, era mais do que necessário um diretor capaz de manipular o público a favor de uma protagonista imperfeita – o que, convenhamos, não é muito difícil se tratando da Princesa Diana. Mas ainda assim, ele passa bem todo o senso de loucura, de histeria e de paranoia que se passa na cabeça de Di, ao mesmo tempo em que aposta em uma semi-emancipação da mulher. Não é à toa que o filme se chama Spencer, carregando o sobrenome de solteira de Diana.
Belissimamente atuado e dirigido, o mais novo filme de Larraín prova que o diretor é capaz de coisas brilhantes, só por desafiar o costumeiro mercado de biopics Hollywoodianas que seguem a mesma fórmula batida ano após ano. Aqui, ele encontra o equilíbrio entre o respeito à memória de Diana e a total subversão do que se espera de uma história dessa figura, entregando um filme de horror que não se limita às entrelinhas.
Com a temporada de premiações chegando, Spencer parece estar caindo no ostracismo, enquanto competidores muito menos interessantes – como King Richard: Criando Campeãs e Apresentando os Ricardos – despontam com surpreendente destaque. E mesmo que Kristen Stewart não seja indicada ao Oscar, ela já se provou mais uma vez como uma atriz extremamente ágil e versátil, que conseguiu fornecer o retrato mais esquisito, introspectivo e até bizarro de Diana Spencer nos últimos anos. E nós amamos ver cada segundo disso, seja na mansão mal-assombrada da Família Real ou no fantasma cruel de um casamento fadado ao fracasso desde o início.
Spencer está em cartaz nos cinemas.
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