Crítica: Paper Girls, Temporada 1
Crítica: Paper Girls, Temporada 1
Quando a ficção sobrepõe o existencialismo
Com o fim próximo de Stranger Things, todos os streamings têm se visto na desconfortável posição de criar a sua própria ficção científica de visual ousado. Enquanto a HBO Max se debruça em His Dark Material e a Apple TV+ atinge um objetivo diferente com Ruptura, a Prime Video se colocou no desafio de dar carne e osso a um quadrinho intenso, divertido e complicado. Também conhecido como Paper Girls.
Baseada no quadrinho de mesmo nome escrito por Brian K. Vaughan e ilustrador por Cliff Chiang, Paper Girls é uma daquelas histórias que esconde conversas difíceis sobre amadurecimento por trás de apetrechos tecnológicos. E, ironicamente, essa característica é o que dá força para sua adaptação, mas também é o maior problema ao redor da mesma.
Ficha técnica
Título: Paper Girls
Criação: Stephany Folsom
Ano: 2022 (Amazon Prime Video)
Número de episódios: 8 (1ª temporada)
Sinopse: Erin, Mac, Tifanny e KJ, que trabalham entregando jornal pela vizinhança, acabam vivendo um fenômeno estranho. Após luzes de origem desconhecida brilharem no céu, as quatro garotas se vêem caindo no meio de uma guerra que transcende tempo e espaço.
O horror do amadurecimento
Diferente de Stranger Things, que ganhou forma através de outras obras, isto é, se apropriando de referências e se transformando em uma imensa colcha de retalhos; Paper Girls possui um frescor que o beneficia desde o início.
Formado pelos espaços em branco de outras obras, o espectador vai se deparar com diversos aspectos batidos da cultura pop — entregadores de jornal, estética dos anos 90, crianças perdidas em uma ficção científica futurista —, porém sob um olhar diferente. Diria, até mesmo, através do olhar de uma mulher sobre o horror que é crescer.
Longe de mim tentar entender a complexidade que é ser mulher e crescer em uma sociedade machista, mas, deve ser tão assustador quanto encontrar uma máquina desconhecida emitindo uma luz rosada.
Que é o ponto de partida para essa aventura. Horas após a noite de Halloween, quatro garotas se encontram em uma caçada atrás de duas figuras misteriosas. O que pareciam ser apenas dois valentões da escola são, na verdade, dois viajantes do tempo pertencentes a uma guerra que transcende tempo e espaço.
A força de Paper Girls está em como situações medíocres, como entregar um jornal, se tornam extraordinárias, como conhecer o seu “eu” de vinte anos no futuro. E, o que nos impulsiona a entrarmos de cabeça nessa história é perceber que enfrentar anomalias temporais, para essas garotas, é tão intenso e assustador quanto experienciar a primeira menstruação.
Um olhar feminino sobre uma história escrita por um homem
Essas peculiaridades, em alguns momentos, tornam o trabalho de Stephany Folsom, criadora da série, ainda mais profundo do que o quadrinho de Brian. Pois, diferente do autor — que precisou lidar com o fato de estar trabalhando em uma produção “independente” e ter que “correr com as coisas” para fazer Paper Girls ser interessante —, Stephany tem tempo para tornar suas personagens mais do que rostos desenhados em páginas de quadrinhos.
Através de diálogos rápidos e situações embaraçosas que podem ser resumidas como “as dores do crescimento”, enredos que pareciam escondidos ganham maior espaço. Desde questões raciais até sexualidade e o medo do futuro dão o contexto necessário para gostarmos de cada uma das garotas.
E a atuação de Camryn Jones, Riley Lai Nelet, Sofia Rosinsky e Fina Strazza não deixam a desejar em momento algum. O difícil fica para sentir a união das quatro personagens. Porém, a sensação de todas estarem gritando e nenhuma das quatro ouvir o que as outras dizem condiz com como uma criança de 12 anos interage com o mundo.
Paper Girls merecia mais (dinheiro)
O elenco adulto não fica para trás. Com tantos talentos como Adina Porter, de True Blood, encarnando outro papel que pode ir de 8 a 80, Ali Wong, Sekai Abenì e participações especiais como a de Jason Mantzoukas, de The Good Place e Brooklyn Nine-Nine; é estranho perceber que faltou “capricho” na execução da série.
Como dito anteriormente, Paper Girls é o tipo de narrativa impressionista e sem sentido que esconde uma trama sobre amadurecimento. Por isso, o roteiro da adaptação consegue aprofundar deslizes que Brian comete nos quadrinhos, mas a produção falha em tentar reproduzir a imaginação que torna Paper Girls tão rica.
A nova empreitada da Prime Video se vira com o pouco que tem, mas ainda deixa a desejar. Mesmo ignorando alguns monstros dos quadrinhos, certas soluções criativas transparecem a falta de orçamento.
Mas isso não é um demérito para Paper Girls. Para os familiarizados com Doctor Who, a série consegue balancear a profundidade da era do Capaldi com efeitos especiais da era Tennant. Já para os não familiarizados com a série britânica, Paper Girls consegue brincar com o tom divertido de De Volta para o Futuro, debates existenciais de Interestelar e, em alguns momentos, os efeitos de um filme dos Pequenos Espiões.
Com mais altos do que baixos, Paper Girls surpreende por não se resumir a uma história de garotas “badass”, mas uma em que vemos a transformação dessas garotas. E, surpreendentemente, cada descoberta é tão fascinante quanto qualquer máquina do tempo.
A primeira temporada de Paper Girls está disponível no catálogo do Amazon Prime Video. Ainda não há previsão de estreia para uma segunda temporada.
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