Crítica: O Beco do Pesadelo amplia ambições de Guillermo del Toro, mesmo com trama previsível
Crítica: O Beco do Pesadelo amplia ambições de Guillermo del Toro, mesmo com trama previsível
Novo filme de Guillermo del Toro adapta obra de William Gresham com segurança e visuais estrondosos!
Um dos cineastas mais brilhantes de nossa geração, Guillermo del Toro está de volta aos cinemas com seu mais novo projeto ambicioso, O Beco do Pesadelo – adaptação do livro homônimo de William Lindsay Gresham, e que conta a história da vida de Stan Carlisle, um homem que se junta a uma trupe itinerante e passa a fazer alguns espetáculos envolvendo golpes “místicos”. Sem saber, isso o coloca em uma jornada de completa destruição moral e física, enquanto adentra os corredores mais escuros de sua própria mente ardilosa.
Estrelado por um grande elenco – Bradley Cooper, Rooney Mara, Cate Blanchett, Toni Collette, Richard Jenkins, Ron Perlman e Willem Dafoe, apenas para citar alguns -, o filme é um misto do que há de melhor e de pior na filmografia de seu diretor, e até lembra alguns dos ousados projetos que ele já comandou no passado, como o divisivo A Colina Escarlate. Nós já pudemos conferir o filme, que estreou nesta quinta-feira (27) no Brasil, e aqui você pode ler a nossa crítica!
Ficha Técnica
Título: O Beco do Pesadelo (Nightmare Alley)
Direção: Guillermo del Toro
Roteiro: Guillermo del Toro e Kim Morgan
Data de lançamento: 27 de janeiro de 2021 (Brasil)
País de origem: Estados Unidos
Duração: 2h 30min
Sinopse: Um jovem ambicioso com talento para manipular pessoas com palavras bem escolhidas junta-se a uma psiquiatra que é ainda mais perigosa do que ele.
O Beco do Pesadelo oferece ótimos visuais e uma suja história de degradação moral
Quem conhece de perto a vida e a carreira de Guillermo del Toro pode chamar seus filmes de muitas coisas, mas certamente um adjetivo que calha bem na maioria das vezes é “ambicioso“. O diretor mexicano sempre conseguiu encontrar o ponto de equilíbrio certo em suas obras – seus filmes mais mainstream são carregados de uma energia autoral única que está cada vez mais escassa em Hollywood, enquanto seus projetos autorais são tão empolgantes quanto qualquer blockbuster parido pelos grandes estúdios.
E sua versatilidade certamente impressiona: de filmes de vampiros da Marvel, passando por contos de fadas cheios de perversidade até lutas inacreditáveis entre robôs e monstros gigantes, Del Toro sempre entregou joias lapidadas e únicas, fruto de uma mente cheia de ideias originais, mesmo quando está lidando com propriedades intelectuais de terceiros. E com O Beco do Pesadelo, não é diferente – ainda mais levando em conta que o filme adapta o livro de William Lindsay Gresham, publicado originalmente em 1946.
Essa não é a primeira adaptação da obra de Gresham, já que o material fonte serviu de base para O Beco das Almas Perdidas, de 1947. E por mais que faça referências e dê piscadelas ao filme original, Del Toro volta seus olhos para o alicerce da história e decide contá-la de uma forma que seja mais “sua cara” o possível. O resultado é um épico que, apesar de ter custado “apenas” US$ 60 milhões, parece ter sido feito com um orçamento exorbitante – a começar pela folha salarial do elenco, recheado de astros e estrelas gigantescos como Bradley Cooper.
E a história é surpreendentemente simples: Cooper interpreta Stan Carlisle, um homem que se junta a um circo itinerante e descobre o dom do trambique. Ele passa a aplicar golpes por onde anda, auxiliado pelos conhecimentos que obteve das pessoas que o acolheram. Em pouco tempo, conquista a fama e o reconhecimento tão almejados, mas sua ambição é tão megalomaníaca que ele não sabe a hora de parar – e isso o conduz por uma espiral de degradação, sujeira e a mais profunda podridão humana, tanto física quanto moral.
Mas para que isso aconteça, ele precisa encontrar uma série de aliados e inimigos no caminho, como Molly (Rooney Mara), uma amante fiel; Zeena (Toni Collette), uma cartomante que, ao lado do marido Peter (David Strathairn), ensina Stan na arte da trapaça; os artistas circenses Clem (Willem Dafoe), Bruno (Ron Perlman) e Major (Mark Povinelli), que o intimidam e o abraçam na mesma medida; e a terapeuta Lilith Ritter (Cate Blanchett), a clássica femme fatale que esconde segredos e mistérios por trás de uma aparência mortalmente sedutora.
E já de início, adianto que o filme pode parecer bem desconjuntado para muitos. Quando analisado como conjunto, O Beco do Pesadelo mais parece uma série de esquetes soltas que se comunicam apenas pela narrativa da vida de Stan. Porém, dentro de um olhar mais íntimo, cada cena está ali para evidenciar a jornada desse personagem, sua ascensão como herói e sua queda como vigarista, tudo banhado em uma aura noir que casa muito bem com a labuta estética de Guillermo del Toro.
O diretor não poupa quando o assunto é criar cenários deslumbrantes, ao mesmo tempo em que insiste em figurinos bem demarcados e objetos cênicos sob medida para recriar o auge dos anos 40, enquanto a ameaça da 2ª Guerra Mundial fica relegada aos noticiários nas rádios, que tocam ao fundo de várias cenas. Nesse sentido, o filme trata de ser hipnotizante e imersivo na medida certa, quase como uma homenagem à era de ouro do cinema noir. Porém, a história carece de aparas significativas, e o roteiro peca até no desenvolvimento de seu protagonista.
Mesmo com duas horas e meia de duração, o filme parece deixar de fora muita coisa que seria importante para entender melhor as motivações e viradas dramáticas de Stan. E quando o assunto são os personagens secundários, é quase impossível ter acesso a isso – a maior prova está na Dra. Lilith Ritter, que possui um papel bem significativo mas que não possui um arco bem definido, de modo que suas reviravoltas soam artificiais e mal construídas. O pior é que isso acaba desperdiçando ótimos talentos, como Toni Collette e Willem Dafoe, que aparecem pouco e possuem uma abordagem quase unidimensional.
Não me leve a mal, o filme até tenta extrapolar isso ao seguir uma rota inconstante e pedregosa. Nunca sabemos o que vai acontecer a seguir, e Stan precisa enfrentar dilemas capciosos nesse caminho. Isso até lembra um pouco o filme O Diabo de Cada Dia, da Netflix, que também opta por seguir um rumo narrativo imprevisível e tortuoso, mas há duas diferenças centrais aqui: Em O Diabo de Cada Dia, percebemos o impacto das ações de determinados personagens na vida de outros, algo que mal acontece aqui. E além disso, O Beco do Pesadelo pode até ter um rumo surpreendente, mas o destino final se mostra previsível desde a meia-hora inicial.
Isso não é necessariamente ruim – na verdade, até instiga o público a saber como chegaremos do ponto A ao ponto B. Mas o final é bem menos satisfatório e catártico do que promete, encerrando essa viagem insana com um suspiro fraco e quase sem vida. Se você espera grandes plot twists e revoluções quiméricas a cada virada de ação, vai perder um bom tempo percebendo que esse não é o foco – e o final carece de algo que possa passar essa sensação climática. Ao menos, o visual compensa.
De muitas formas, lembra até outro trabalho controverso do diretor: A Colina Escarlate, filme de 2015 estrelado por Tom Hiddleston e Mia Wasikowska, que também parte do mesmo princípio (um visual fascinante aliado de uma trama bem “qualquer coisa”). A diferença é que O Beco do Pesadelo, como obra, parece muito mais polido e bem pensado, apesar dos ocasionais tropeços que dá em cima de sua própria ambição. E diferente do filme gótico sobre uma mansão mal-assombrada, o novo longa de Del Toro ao menos faz com que seu elenco tenha uma química real.
Ao final, não é um dos trabalhos mais brilhantes da carreira do diretor mexicano – mas tampouco é um dos piores. Para quem gosta de noir, de personagens moralmente ambíguos, de atmosferas densas e de visuais estonteantes, o filme certamente será um colírio para os olhos. Porém, para quem espera a mesma grandiosidade do artista que já produziu obras como O Labirinto do Fauno, A Espinha do Diabo e até mesmo o premiado A Forma da Água, já fica o aviso de que esse beco talvez seja sem saída.
O Beco do Pesadelo está em cartaz nos cinemas.
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