Crítica: Não se preocupe, querida reforça que, como ator, Harry Styles é um ótimo cantor
Crítica: Não se preocupe, querida reforça que, como ator, Harry Styles é um ótimo cantor
Cheio de boas ideias, longa não chega a lugar nenhum por pura teimosia
Mesmo antes de estrear, Não se preocupe, querida já deu muito o que falar. Seja por fofocas nos bastidores envolvendo Olivia Wilde e Florence Pugh ou pelo comportamento errático de Harry Styles na divulgação, o novo longa da Warner Bros. Discovery tem muitas histórias divertidas para contar fora das telas. Pena que dentro, não passa de uma premissa interessante com uma execução medíocre.
Ficha técnica
Título: Não se preocupe, querida (Don’t worry, darling)
Direção: Olivia Wilde
Roteiro: Katie Silberman, Carey Van Dyke e Shane Van Dyke
Data de lançamento: 22 de setembro de 2022 (Brasil)
País de origem: Estados Unidos
Duração: 2h 02min
Sinopse: Uma dona de casa dos anos 1950 que mora com o marido em uma comunidade experimental utópica começa a se preocupar com a possibilidade de sua empresa glamorosa estar escondendo segredos perturbadores.
Uma fantasia bem mal (dis)simulada
Tudo começa com a perfeita dona de casa Alice (Pugh), vivendo um casamento dos sonhos com Jack (Styles). O casal vive em uma microssociedade perfeita, isolada do resto do mundo, e não leva muito tempo para ficar bem óbvio que há alguma coisa bem estranha acontecendo.
Desde o início, o roteiro grita que, apesar das aparências, este é um lugar hostil. E esse sentimento é apenas intensificado pela perfeita atuação de Chris Pine. Mesmo com pouco tempo de tela, seu personagem estabelece rapidamente o tom de ameaça que permeia toda a trama e é carregado com esplendor por Florence Pugh.
Pugh é um vendaval em cena e carrega facilmente o filme nas costas. Não importa se o roteiro está convincente ou não, a atriz entrega cada fala com uma certeza inabalável que vende a narrativa apesar de suas falhas. Até mesmo quando Harry Styles, que faz seu par romântico, não entrega nenhum carisma em suas cenas, Pugh está sempre no seu auge.
Styles, inclusive, é um ponto fora da curva no elenco. Em um grupo de nomes tão talentosos que inclui Gemma Chan, a própria Olivia Wilde e Asif Ali, de WandaVision, Harry Styles tem o alcance emocional de uma porta. Se bobear, Plank, a tábua de Du, Dudu e Edu, conseguiria ter mais emoção que o cantor em cena. A única coisa que justifica sua escolha pela diretora é uma amarração bem forte.
Sua sorte é que mesmo quando ele entrega o mínimo, Pugh e os demais veteranos conseguem extrair o máximo do momento e não deixam a peteca cair. A Yelena Belova do MCU hipnotiza o público, determinando com maestria a reação emocional que quer extrair em cada instante. Seu desespero e perturbação em cena são palpáveis. É contagiante. Pena que a direção não consiga sustentar o momento de uma atuação tão sólida e acabe dissipando parte do suspense em sua teimosia.
E existe uma consciência que o roteiro sozinho não consegue carregar o suspense prometido. Nessas horas o filme lança mão de uma forma bem exagerada de uma trilha sonora típica do gênero, com uma repetição insistente de um padrão musical pensado para intrigar. Sempre que o visual da cena não consegue retratar por si só a agonia necessária, vem uma deixa sonora para te informar o que você deveria sentir. É quase uma confissão de mediocridade na criação do suspense.
Quando funciona, a trama traz um gostoso suspense que te deixa na ponta da poltrona esperando pelo próximo passo de Alice. Mas quando as coisas caem na monotonia, essa sensação de urgência, de perigo, vai se esvaindo aos poucos. A história é um bom suspense do cotidiano, mas se perde ao se esforçar demais em tentar estabelecer coisas que o público já entendeu.
Talvez o maior motivo para a trama nunca atingir o seu potencial seja a insistência em subestimar o seu público. Mesmo antes de qualquer confirmação, é palpável que nada daquilo é real. Ainda assim, há uma série de sequências estabelecendo a falsa normalidade daquela comunidade. O que seria razoável por si só, mas pelo excesso, acaba atrapalhando o ritmo do filme, perdendo impulso para o clímax. Por vezes, as cenas triviais roubam espaço dos verdadeiros questionamentos da trama.
Existem pontos muito interessantes que o roteiro se propõe a explorar, só não consegue entregar qualquer profundidade além do superficial. Quase como se houvesse alguma resistência em ser profundo com medo de perder o público. Mas nesse receio bobo, acaba desarmando boa parte do potencial catártico da história.
A crítica à idolatria do patriarcado cinquentista pelos homens medíocres dos tempos modernos, por exemplo, repete sempre o mesmo argumento. Esses homens que se agarram ao conservadorismo sonham com o retorno de uma sociedade machista que garanta que até os caras mais patéticos consigam relativo sucesso. Essa premissa básica é apenas repetida, sem nenhum desenvolvimento maior.
Os temas feministas também são muito pertinentes, só acabam se limitando a uma ótica branca e rica que sequer cogita refletir sobre a dor de outras mulheres. A trama mostra os bastidores do gaslighting, manterrupting, diversos silenciamentos e manipulações que homens usam para diminuir e controlar as mulheres de forma covarde. E até como outras mulheres, por seus motivos próprios, podem ser coniventes com essas agressões.
Este até é um dos pontos em que o roteiro consegue extrair o máximo da atuação de Florence Pugh. E trabalhando em sincronia conseguem criar momentos em que o público consiga realmente sentir como é desesperador estar nesse lugar. Quase como Jordan Peele trabalha a empatia com as vítimas de racismo em suas obras, só sem o mesmo refinamento. Wilde não consegue elaborar formas de combater esses comportamentos e apenas cria uma vitrine que expõe como são dolorosos.
O auge dessa subtrama é o aguardado conflito direto entre os personagens de Florence Pugh e Chris Pine, que consegue ser uma das melhores cenas do longa. E ao mesmo tempo, simboliza bem esse sentimento de marasmo que a narrativa traz. O confronto dura poucos minutos com a promessa de que haverá um novo embate que nunca acontece.
Bebendo de fontes poderosas, como The Twilight Zone, WandaVision e Mulheres Perfeitas, Não se preocupe, querida falha em criar o mesmo encanto que suas grandiosas referências. Por jogar de forma tão segura, o longa não floresce uma identidade própria ou uma mensagem completa. Acaba sendo uma experiência vazia, mediana. Funciona bem como um suspense para passar o tempo e nada além.
Leia também: