Crítica – Mulher-Hulk: Defensora de Heróis, Temporada 1
Crítica – Mulher-Hulk: Defensora de Heróis, Temporada 1
Jennifer Walters chegou para quebrar as paredes do MCU!
Mulher-Hulk: Defensora de Heróis estreou no Disney+ em meados de agosto, trazendo a amada heroína das HQs para o Universo Cinematográfico da Marvel em uma série de 9 episódios de meia-hora cada – cheia de humor, diversão e muita sensualidade, a série traz Jennifer Walters com uma de suas habilidades mais icônicas dos quadrinhos: o poder de quebrar a quarta parede e conversar com o leitor, sendo uma das poucas personagens da Marvel que vive em uma HQ.
Mas será que a série da heroína é tudo aquilo que promete ser? Bastante divisiva, a trama focada em Jennifer Walters teve altos e baixos em uma história bastante autoconsciente, mas de uma forma que nunca ofende a Marvel Studios ou instiga o espectador, mesmo sendo bastante corajosa ao trabalhar temas que ainda parecem ser tabu dentro do MCU (olhe só, heróis fazem sexo!), no maior tempo Mulher-Hulk é uma série segura, que possui bons momentos, boas atuações e uma boa direção – mas que o roteiro simplório, a falta de consultores legais e o fato de ainda ser uma série com todas as aparentes restrições impostas pelo MCU, impedem de se tornar uma série verdadeiramente boa para além da Marvel Studios.
Dentro das produções da Marvel Studios para o Disney+, Mulher-Hulk é certamente uma das melhores, ela está bastante acima de séries terríveis como Cavaleiro da Lua e What If…?, mas também não chega perto do carisma trazido por Ms. Marvel e nem da excelente jornada desenvolvida em Wandavision. Ainda assim, mesmo estando no “meio”, Mulher-Hulk não é uma série mediana, na maior parte do tempo ela é uma série muito boa, porém é inegável como a cada episódio você consegue olhar para trás e ver todos os momentos perdidos em que a série poderia ter sido verdadeiramente ótima.
Em 2009, Robert e Michelle King apresentaram ao mundo The Good Wife: uma série sobre uma mulher que, após o marido ser denunciado por vários crimes de corrupção, precisa voltar a trabalhar como advogada em seus 40 anos após décadas longe da profissão. Mas por que eu estou falando sobre The Good Wife em uma crítica de Mulher-Hulk?
Ambas as séries dividem alguns temas em comum bem interessantes: sexo e sensualidade, sexismo no local de trabalho, episódios procedurais com casos diferentes e engraçados, momentos mais tensos, grupos de ódio na internet, política e ambas trazem uma protagonista que precisa enfrentar o ódio, medo, deboche e se provar em cada parte de sua vida; todas essas pequenas similaridades encontradas em uma série de advogados com protagonistas femininas.
The Good Wife era exibida pela CBS, conhecida por séries como FBI, NCIS, Criminal Minds e The Big Bang Theory – e mesmo com todas as restrições de orçamento, tendo que fazer temporadas com mais de 20 episódios que iam sendo alterados de acordo com reações do público, pedidos de executivos e até mesmo as duas maiores estrelas da série brigando nos bastidores, a série nunca decaiu de qualidade.
O pior, é ainda mais assustador pensar que estamos em 2022 e uma série de um dos canais abertos mais conservadores dos EUA exibida entre 2009 e 2016 consegue ser mais inovadora, bem roteirizada e até mesmo mais engraçada que uma série de comédia da Mulher-Hulk feita em 2022.
Mas comparações com The Good Wife – ou qualquer outra série de advogados com protagonistas femininas das últimas duas décadas – à parte, o maior problema de Mulher-Hulk é que a série parece chegar já datada em um momento em que o MCU está começando a experimentar com coisas que não são novidades já tem mais de 10 anos.
Claro, para o público americano geral, ver uma heroína como a Mulher-Hulk tendo sexo com dois homens diferentes em uma única temporada pode parecer surpreendente e diferente para o padrão Universo Cinematográfico da Marvel, porém parece apenas o estúdio dando um tapa nas próprias costas e dizendo: “Olhe só, como somos feministas” enquanto usa uma camiseta dizendo “Seu corpo, suas regras” – ao mesmo tempo em que seus grandes empresários continuam doando para políticas de restrição ao direito de escolha.
Então sim, eu verdadeiramente tentei gostar de Mulher-Hulk: Defensora de Heróis; Jennifer Walters é uma das minhas heroínas favoritas da Marvel e sempre gostei de suas histórias loucas, engraçadas e completamente surtadas. Mas já nos primeiros episódios fica claro que, por mais louca, engraçada e doida que os escritores e produtores querem que a série seja, ela não pode ser isso totalmente: ela deve ser apenas o tanto que é aceito por uma audiência teste, até o ponto de não incomodar ninguém – exceto um ou outro incel que vai ficar irritado somente por uma Mulher-Hulk existir.
Outra comparação, essa bastante utilizada pela criadora e roteirista Jessica Gao ao divulgar a série, é com Fleabag. Assim como o Deadpool e outros personagens da Marvel, a Mulher-Hulk pode quebrar a quarta parede e conversar com o leitor. Enquanto em seus quadrinhos (principalmente os clássicos de John Byrne) isso é feito de uma forma excelente, na qual você realmente entende o que ela está passando e sente como se Jennifer estivesse conversando com um grupo de amigos, a série utiliza esse recurso apenas para explicar o que já está acontecendo em tela.
Seja porque eles já imaginam que boa parte do público vai assistir a série em casa com um celular na mão, ou apenas porque estão subestimando o espectador, a impressão que passa no início é que eles não tinham ideia do que fazer com esse recurso narrativo. Nos dois últimos episódios, contudo, temos sim uma melhora no aspecto e quando Jen conversa com o espectador parece uma conversa – não uma explicação óbvia. Sem falar que dois episódios de nove me parece pouco demais.
A principal questão da quebra da quarta-parede de Mulher-Hulk é que ao tentar misturar os quadrinhos da heroína, Fleabag e os filmes de Deadpool, a sala dos roteiristas entrou em um estado gigantesco de confusão e não soube determinar um padrão específico para como o elemento seria utilizado. Enquanto em Deadpool o recurso é utilizado apenas como um alívio cômico, na série de Phoebe Waller-Bridge temos uma linguagem que se aproxima mais das HQs da heroína verde, com Fleabag conversando com o espectador da maneira que ela conversaria como um velho amigo – comentando sobre os eventos, não apenas os recapitulando para quem teve que fazer uma rápida ida ao banheiro.
Ainda assim, Mulher-Hulk: Defensora de Heróis possui um ponto alto excelente e o nome dela é Tatiana Maslany, mesmo com o roteiro fraco em 75% das piadas, a atriz de Orphan Black possui um timing cômico muito bom e consegue entregar com convicção uma Jennifer Walters e uma Mulher-Hulk excelentes ao mesmo tempo. Efeitos visuais à parte – honestamente, não tenho interesse nenhum em entrar nessa discussão – a atriz está sempre dando seu máximo e isso fica nítido, mesmo quando divide a tela com outros grandes nomes.
Ao lado de Charlie Cox nos episódios finais, é fácil imaginar que o carismático ator vai roubar a cena, mas o que temos é um show de química porque Maslany é tão carismática e está tão confortável no papel quanto ele. A presença do Demolidor também foi uma boa surpresa, não dele estar ali, afinal, todos já sabíamos, mas sim como – pelo menos com o personagem – temos um excelente trabalho em incluir ele na trama de forma natural e afável.
Infelizmente o mesmo não pode ser dito do elenco de apoio da série, que mesmo com atores e personagens engraçados e carismáticos, acaba sempre ficando de lado. Nikki (Ginger Gonzaga) e Pug (Josh Segarra) formam uma dupla ótima e possuem uma boa química em tela, mas nenhum dos dois possui agência, existindo apenas por e para a Mulher-Hulk (algo que espero que mude em uma segunda temporada, com os dois ganhando mais tempo de tela).
Outro ponto positivo é que, diferente de algumas outras séries da Marvel no Disney+, Mulher-Hulk: Defensora de Heróis é uma série de verdade – e não um filme de seis horas como ameaçado anteriormente por Kevin Feige e outros produtores quando foi anunciado que a Marvel Studios faria seriados para o serviço de streaming.
Diferente de Loki, Cavaleiro da Lua e até mesmo Wandavision, aqui temos realmente uma produção que é feita para ser exibida e consumida como um seriado clássico, através do formato episódico que traz um caso diferente ao mesmo tempo em que avança a trama da temporada. Mesmo com problemas com o roteiro da série, fico feliz que Gao conseguiu manter sua visão e não teve que escrever um longa metragem de 6 horas que seria picotado para parecer uma série.
No fim, é fácil dizer apenas que “Mulher-Hulk é uma série descompromissada”, ela é divertida, engraçada, faz algumas piadas e é inofensiva. Mas somente porque uma série é descompromissada não quer dizer que ela não possa ser melhor, que ela não possa ousar e que ela tenha que entregar apenas aquilo que o público já espera.
No último episódio, quando Jen conversa com K.E.V.I.N. sobre como quer alterar o seu final ela cita todos os clichês e problemas de outras produções do MCU, o robô concorda e diz que isso “é o que o algorítmo quer”, é o que não vai ofender ninguém e o que vai ser o caminho seguro para encerrar a temporada, com uma grande batalha, cheia de reviravoltas e tudo o que já vimos em outras produções do estúdio.
Mas mesmo após Jennifer mudar tudo isso, o que temo ainda é um final “aprovado por K.E.V.I.N.”, que novamente é mais do mesmo – porém economizando nos efeitos visuais ao evitar uma grande luta. As escolhas feitas não são ruins, definitivamente não é isso o que estou dizendo aqui, mas é inegável que são escolhas fáceis e, acima de tudo, seguras até demais.
Então sim, dentro do MCU, Mulher-Hulk é uma série boa, inovadora e bastante divertida. Mas quando você tira ela desse selo e a enxerga como uma série de super-heróis, uma série de comédia, uma série de advogados – ou tudo isso junto e misturado, tudo o que temos é uma história básica, com roteiros e argumentos que já foram vistos feitos de forma melhor em diversas produções diferentes.
Quem sabe no segundo ano, não é mesmo?
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