Crítica: Ms. Marvel, Temporada 1
Crítica: Ms. Marvel, Temporada 1
Em seus seis episódios, Ms. Marvel prova que não precisa ser adulta para ser madura!
Nas últimas seis semanas, acompanhamos a jornada de Kamala Khan, a mais nova heroína do grandioso Universo Cinematográfico da Marvel. E contrariando todas as expectativas, sua série solo veio para mudar todas as estruturas da franquia e apresentar conceitos que serão bem importantes no futuro – mas mais do que isso, é uma série por si só e não um grande trailer do que ainda está por vir.
Ms. Marvel trouxe uma revolução, assim como nas HQs, mostrando que dramas adolescentes ainda assim podem e devem tratar de temas maduros, ao mesmo tempo em que não perde o brilho nos olhos para contar uma história de origem para a super-heroína mais jovem da franquia. Aqui, você pode conferir a nossa crítica da mais nova produção da Marvel Studios no Disney+.
Ficha Técnica:
Título: Ms. Marvel
Criação e roteiro: Bisha K. Ali
Direção: Adil El Arbi, Bilall Fallah, Meera Menon, Sharmeen Obaid-Chinoy
Ano: 2022 (Disney+)
Número de episódios: 6 (1ª Temporada)
Sinopse: A jovem Kamala Khan descobre que possui poderes formidáveis. Porém, antes de se tornar uma super-heroína como os que ela idolatra, ela precisa encontrar seu lugar no mundo e aceitar suas origens.
Uma luz para guiar uma fase sem rumo
Não é novidade para ninguém, mas a Fase 4 do Universo Cinematográfico da Marvel está trazendo uma verdadeira crise de identidade para a franquia. Entre obras como Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, Eternos, Viúva Negra e até o recente Thor: Amor e Trovão, os fãs estão ficando cada vez mais confusos com os rumos e direções que o grande império midiático da Casa das Ideias está tomando nos últimos anos.
Acontece que, se com os filmes ainda há uma fagulha de ousadia e novidade – mesmo em obras controversas -, há um núcleo que já começou demonstrando sinais de cansaço e redundância desde o começo: as séries do Disney+. Até o presente momento (julho de 2022), já tivemos seis produções live-action que prometem se ligar aos filmes – e pode até ser surpresa para alguns, mas Ms. Marvel é a que melhor consegue honrar o material original e criar uma alma própria.
Desde que foi anunciada, a série recebeu uma enxurrada de comentários negativos e críticas de fãs que acham que as produções de super-heróis precisam “validar” sua própria maturidade. Mesmo em um gênero que foi, desde o início, criado para entreter jovens e adolescentes, vemos uma certa recusa do público atual a qualquer coisa que seja taxada como “infantil”, “juvenil” ou “adolescente”. Felizmente, Ms. Marvel prova que não precisa ser sombria, violenta ou até mesmo realista para ser madura.
Ao longo dos seis episódios da primeira temporada, somos atirados no mundo particular de Kamala Khan. Nascida e criada em Nova Jersey, ela é fã de super-heróis, é amada por sua família e mantém seus amigos bem próximos. Ela é uma menina de origem paquistanesa, muçulmana e – além de tudo isso – ainda é uma estudante do Ensino Médio, que vive diariamente todos os dramas e surtos no período mais assustador da vida humana: a puberdade.
Acontece que, já no primeiro capítulo, Kamala descobre que possui superpoderes ao colocar um bracelete, um objeto que pertencia aos seus antepassados. E esqueça os dons “bizarros” dos quadrinhos, como a capacidade de se esticar e mudar de forma: aqui, ela usa seus dons para disparar construtos brilhantes por todos os lados, uma mudança que se tornou um foco de controvérsias entre os fãs, mas que tem seu valor (falarei disso depois).
Porém, como dito, Kamala não está sozinha em sua jornada. É aí que entram os pais da garota, Muneeba e Yusuf, bem como seu irmão mais velho, Aamir. Ela também possui amigos muito dedicados, como o apaixonante Bruno Carrelli e a obstinada Nakia – e todos eles acabam descobrindo, cedo ou tarde, sobre as aventuras e desventuras da garota. É assim que Ms. Marvel já nos apresenta algumas de suas maiores forças: o elenco e seus personagens.
Já estamos no décimo quarto ano do Universo Cinematográfico da Marvel. Centenas de heróis foram apresentados, milhares de coadjuvantes. Não é fácil se destacar em meio a um mar tão grande de propriedades intelectuais. Ainda assim, Ms. Marvel consegue cravar sua própria voz na franquia – e grande parte disso se deve a um time excelente de atores, mesmo os mais jovens.
Iman Vellani não é apenas boa – ela cintila no papel de Kamala. Em uma das atuações mais sutis que já vimos em todo esse universo midiático da Marvel, ela consegue expor a felicidade de uma menina que descobre seus poderes, os anseios por conta de seu corpo “fora do padrão”, a doçura das relações familiares e amizades e, acima de tudo, é uma heroína jovem que consegue cravar seu lugar no mundo sem depender de um Vingador na cola o tempo todo (alô Homem-Aranha!).
Ela, é claro, se beneficia muito das interações com astros mais experientes. Zenobia Shroff (Muneeba), Mohan Kapur (Yusuf), Saagar Shaikh (Aamir) constroem uma base sólida para a personagem, ao mesmo tempo em que demonstram seus próprios universos particulares a partir de pequenas linhas de diálogo, ações e interações. Isso até vale também para os mais jovens, como Matt Lintz e Yasmeen Fletcher (Bruno e Nakia, respectivamente).
“Filme de seis horas”? Aqui não!
Ainda assim, há um mérito em Ms. Marvel que não pode ser deixado de lado: essa talvez seja a primeira série entre todas as produzidas pela Marvel Studios para o Disney+ que se comporta como uma série e tem orgulho disso. Nada de “uau, tomem aqui um filme de seis horas“, como já ouvimos diversas vezes ao longo dos dois últimos anos. Nada disso: a nova produção sabe honrar sua linguagem como nenhuma obra do MCU conseguiu até agora.
Muito disso está no texto-base de Bisha K. Ali e seu time de roteiristas, que não têm problema algum de traçar um modelo episódico, onde cada capítulo tem um significado especial. No primeiro, Kamala descobre seus poderes. No segundo, ela passa a testá-los. No terceiro, ela descobre mais sobre suas origens. O quarto e o quinto são dedicados a explorar o legado cultural da heroína, e o sexto de fato é uma season finale feita do jeito certo.
Infelizmente, o que temos visto com muita força em obras como WandaVision, Falcão e o Soldado Invernal e até mesmo Cavaleiro da Lua é uma sucessão de fórmulas atiradas sem muita elaboração. No fim, nada tem o peso de uma história completa, e essas séries – ainda que tenham muitos méritos – acabam parecendo apenas um trailer para projetos futuros, que foi esticado ao máximo e picotado em seis ou mais capítulos. Ms. Marvel bate o pé firme no chão e, apesar de deixar ganchos gigantescos para o futuro, consegue encerrar sua trama de modo satisfatório.
Aliás, os aplausos também devem ir para o time de diretores por trás dos capítulos. Sharmeen Obaid-Chinoy é a responsável pelo quarto e quinto episódio, e dá para notar claramente como a linguagem de sua direção é diferente de Meera Menon, que comanda os dois anteriores. As duas trazem elementos que dialogam com todo o universo estabelecido nesse “mundo de heróis”, ainda que estejam bem interessadas em escavar as raízes de Kamala e operar no apelo que a personagem tem com o público mais jovem.
Ainda assim, o maior destaque de fato vai para a dupla Adil El Arbi e Bilall Fallah, que comandam o primeiro e o último capítulo da série. Os dois (que vão retornar em breve em outra produção de super-heróis, Batgirl) provam a existência de um certo “controle criativo” dos diretores na Marvel, ao rechear o mundo de Kamala de luzes, cores e sons tão distoantes do MCU que às vezes, parece que estamos vendo outra coisa.
Eles não só entregam um visual bonito – destaque para as mensagens de texto trocadas pelos personagens, dançando na tela através de elementos muito lúdicos – como também ditam o tom da série na montagem certeira, na estética juvenil, até mesmo no amor que Kamala sente por super-heróis e é refletido o tempo inteiro em pichações de parede, pôsteres no quarto da heroína ou na estonteante convenção dos Vingadores.
Nem tudo é perfeito – e nem tudo precisa ser
Claro que Ms. Marvel está longe de ser uma obra impecável. Alguns problemas se destacam mais que outros, como toda a trama dos Clandestinos, que parece apenas uma escalada para que Kamran (vivido por Rish Shah, que mais parece entediado no papel) se torne a “grande ameaça” do último capítulo. Ainda assim, são problemas que não só podem passar batido, como também adicionam camadas à mitologia da heroína.
Os capítulos 4 e 5, ainda que tenham sido majoritariamente criticados pelos fãs, oferecem à heroína algo que poucos heróis do MCU podem fazer: a oportunidade de olhar para o próprio passado em busca de respostas, enquanto tenta provar ao mundo seu valor. E não, não é só porque a série é “importante” ao tratar de um tema denso como a história do Paquistão e a Partição da Índia. Há algo mais ali: a chance de Kamala entender que sempre esteve destinada a se tornar uma super-heroína.
Aliás, fazendo um pequeno parêntese, é interessante como a série consegue explorar bem seus cenários como parte da jornada dos personagens. Nova Jersey de fato parece uma cidade plural, real e cheia de maravilhas e problemas, como toda cidade grande. Ainda assim, ela é diferente de Karachi, que conta com uma estética bem diferente. É algo de dar inveja a Jon Watts e a Nova York feia, digitalizada e sem propósito nos filmes do Homem-Aranha.
Por fim, a série até se sai bem na forma como opera suas escolhas estéticas e artísticas. Os poderes da heroína, por exemplo, causaram um maremoto de reclamações – e eu me conto entre os que se incomodaram com essa alteração. No entanto, é interessante como a série “se justifica” por conta do CGI. Todos estão vendo claramente a aberração que é a versão digital de Tatiana Maslany em Mulher-Hulk: Defensora de Heróis. Tenho pesadelos só de imaginar o quão trágico seria ver uma Kamala se esticando inteira através de computação gráfica.
No fundo, Ms. Marvel entrega exatamente aquilo que prometeu: é uma jornada de crescimento, uma história de origem para uma heroína que ainda está tentando encontrar seu lugar no mundo. Ela não se torna uma Vingadora da noite pro dia, ela não possui uma fortuna milionária e nem contatos que podem “facilitar” sua transição para a vida dos combatentes mascarados. Ela é só uma garota normal, fã de super-heróis, que se torna uma heroína própria não por receber dons poderosos, mas porque ela quer ser uma heroína e ajudar as pessoas.
Muitos podem ficar de birra, reclamando sobre o quanto a série é “desnecessária” para o Universo Cinematográfico da Marvel, como é “infantil demais”. Sobre como The Boys, Pacificador, Cavaleiro da Lua ou qualquer outra série que não tenha nada a ver com Ms. Marvel é “melhor que ela”. Ainda assim, depois de tantos “filmes de seis horas”, Ms. Marvel conquista seu lugar de direito na franquia, não como um trailer para os próximos lançamentos, mas sim como uma aventura divertida, familiar, tocante e infanto-juvenil – e sem vergonha nenhuma disso, aliás.
Ms. Marvel está disponível no Disney+. A heroína retornará em As Marvels, que estreia no ano que vem.
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