Crítica: Morte Morte Morte é um delicioso festival de gaslight, cancelamentos e gatilhos

Capa da Publicação

Crítica: Morte Morte Morte é um delicioso festival de gaslight, cancelamentos e gatilhos

Por Gus Fiaux

Outubro chegou e está entre nós um dos slashers mais aguardados do ano, o divertido Morte Morte Morte. Aqui, a diretora Halina Reijn brinca com os estereótipos e tropos da Geração Z enquanto é apoiada por um elenco muito expressivo, com nomes como Rachel SennottMaria BakalovaAmandla Stenberg, Pete DavidsonLee Pace.

Com uma pegada enérgica e um roteiro simples, mas eficaz, o novo terror da A24 escancara os mares do privilégio ao seguir um grupo de amigos que, ao serem confrontados por um evento traumático, revelam suas faces mais obscuras – e tudo isso com uma roupagem contemporânea que vai te fazer se sentir no Twitter. E aqui, você pode conferir a nossa crítica de Morte Morte Morte.

Ficha técnica

Título: Morte Morte Morte (Bodies Bodies Bodies)

 

Direção: Halina Reijn

 

Roteiro: Sarah DeLappe

 

Data de lançamento: 06 de outubro de 2022 (Brasil)

 

País de origem: Estados Unidos

 

Duração: 1h 34min

 

Sinopse: Quando um grupo de amigos ricos planeja uma festa durante a passagem de um furacão numa remota mansão, um jogo divertido se torna mortal neste filme sobre traições, amigos falsos e uma festa muito, muito fora de controle.

Morte Morte Morte está em cartaz nos cinemas.

Morte Morte Morte é o Pânico da era TikTok

Quatro amigos se reúnem para uma confraternização e, no meio da noite, as coisas ficam surrealmente violentas, até que temos um festival de morte e assassinatos. Essa parece ser a premissa de qualquer slasher, mas Morte Morte Morte, o novo filme da A24 (trazido ao Brasil pela Sony) consegue encontrar força o bastante para ter uma voz bem única em um subgênero que já foi tão explorado.

O filme de Halina Reijn, que chegou com um atraso significativo nas salas de cinema brasileiras, segue a Geração Z em sua essência – pessoas socialmente conscientes, mas que não entendem seus privilégios e discutem o tempo todo como se estivessem montando uma thread no Twitter, com direito a trocas de acusações infundadas e muitos termos que já foram esvaziados pelo uso excessivo e fora de contexto, como “gaslight” e “gatilho”.

E é até surpreendente como o filme poderia cair na armadilha de “ser uma história sobre a nova geração, feita por pessoas que não entendem da nova geração”, algo que já vimos acontecer aos montes nos últimos anos, seja no terror (quem lembra de O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface?) ou em outros gêneros. Felizmente, isso nunca acontece aqui.

O roteiro de Sarah DeLappe é ágil e nunca deixa a peteca cair na hora de retratar esses personagens e seus dilemas superficiais. Mais do que isso, ela entende a compulsão da geração Z em um mundo movido a smartphones, filtros do Instagram e os discursos prontos que substituem ação necessária. E nesse sentido, ele também exige do público uma parcela de comprometimento com aquele contexto, com as vivências daquelas pessoas.

Por isso, se você for uma pessoa muito por fora de redes sociais (especialmente o Twitter e o TikTok) e toda a esfera de discussões que circula por lá, é até compreensível que certos pontos não “cliquem” direito. No fim, Morte Morte Morte não só satiriza essa geração e os vínculos digitais que a envolve, mas também é um filme feito especialmente para essa audiência.

E é claro que essa ideia, como um todo, não se sustentaria se o elenco não fosse capaz de fazer jus ao texto, mas isso é o exato oposto do que acontece aqui. Amandla Stenberg vira quase uma força da natureza, combinando traumas mais “superficiais” com dilemas pessoais pesados, como o vício em drogas. Além disso, sua personagem, a Sophie, caminha numa ambiguidade moral que é deliciosa de se assistir.

E ela não é a única, já que todos conseguem manter o nível. Maria Bakalova traz um lado mais sensível e retraído para sua Bee, contrariando quem esperava vê-la sempre em um tom surtado após sua estreia sensacional em Fita de Cinema Seguinte de Borat. Ela, ao lado de Chase Sui Wonders, a Emma, são peças cruciais da trama que podem até não chamar tanta atenção quanto suas colegas estridentes, mas que fornecem uma âncora mais humanizada na trama.

Lee Pace faz Greg, o namorado de uma das amigas, e embora tenha pouco com o que trabalhar, é um personagem bem curioso, por representar o choque geracional entre os nascidos pós-anos 2000 e os que vieram antes. Já Pete Davidson está excelente no papel de David, que é um completo babaca. Davidson entrega cada fala com malícia o bastante para que seu personagem seja igualmente charmoso e canalha, sempre com um tom de deboche.

Porém, dois grandes destaques que devem ser citados são Myha’la Herrold Rachel Sennott, que protagonizam algumas das melhores cenas do filme. Enquanto a Jordan de Herrold é uma personagem mais séria e que traz uma dinâmica interessante para o relacionamento de Bee e Sophie, a Alice de Sennott é a fonte do surto, com piadas que funcionam justamente pelo timing cômico da atriz. Tive que me segurar muito para não gritar no cinema quando há uma discussão sobre veteranos veterinários.

Uma crítica mordaz em um slasher comportado

Se há uma crítica a ser tecida sobre Morte Morte Morte, sem dúvida diz respeito ao elemento slasher do enredo. Em vez do festival de sangue que esperávamos, o filme é até comportado demais na hora de lidar com a morte e com o suspense – até porque muita coisa acontece fora da câmera, e só podemos ver os corpos ensanguentados quando já estão frios.

O motivo disso está, é claro, na grande reviravolta do filme – que é muito boa, diga-se de passagem, e traz uma das melhores críticas sobre o uso de redes sociais nos últimos anos. Mas ainda assim, o filme chega na beirada e não tenta ir muito além disso, o que pode deixar quem esperava por um slasher tradicional um pouco decepcionado.

Felizmente, isso é compensado pela brutalidade das mortes em cena. Seria fácil partir para sequências malucas e surtadas, com sangue jorrando e tudo sendo motivo de piada, mas o filme sabe se arriscar o bastante para revirar o estômago em algumas cenas. Há um momento lá pela metade onde uma morte é provocada por uma arma de fogo, e toda a sequência que leva a isso vai do riso nervoso à completa crise de ansiedade.

É dessa forma que Morte Morte Morte sabe brincar com os arquétipos do gênero e subverter tropos do slasher. Em dados momentos, ele até parece que vai descambar para algo parecido com Slumber Party Massacre ou até o clássico Assassinatos na Fraternidade Secreta. Porém, Halina Reijn não perde tempo em mostrar que esse é o filme dela e que vai seguir as regras dela.

A diretora recheia a produção com uma estética bem atual, mesmo que a trama fique bem restrita aos cômodos de uma mansão. Ela consegue expressar essa identidade contemporânea não só nos figurinos, mas também na trilha sonora e até mesmo na edição, ágil a ponto de emular os cortes secos do TikTok e do YouTube.

Morte Morte Morte é uma verdadeira surpresa, um dos filmes mais divertidos do ano – mas sem nunca deixar de lado uma crítica voraz ao “mundinho” da Geração Z. Surpreendentemente, ele tem seu lado conciliatório, que não só julga esses personagens como também demonstra um pouco de simpatia e piedade por eles. Mas em um ano com X: A Marca da Morte, Pânico Halloween Ends, é seguro dizer que o slasher está em boas mãos – mesmo quando não é tão corajoso em seus momentos mais grotescos.

Nota: 4/5

Morte Morte Morte está em cartaz nos cinemas.

Abaixo, confira também: