Crítica: Morbius é tão medíocre quanto parece
Crítica: Morbius é tão medíocre quanto parece
Nem mais e nem menos: novo filme da Marvel na Sony mira no mediano com orgulho
Como será que a Terra lidará com a destruição causada por Thanos após Vingadores: Ultimato? E quais as repercussões da crise no Multiverso de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa? Todas essas grandes questões esquentam a cabeça de nerds mundo afora, com intensas especulações e teorias, e moldam tudo virá no cinema e na televisão. É até bonito pensar que, em um canto isolado, a Sony Pictures segue fazendo filmes da Marvel sem sequer se preocupar com nada disso.
Até agora, as únicas investidas do estúdio haviam sido dois longas do Venom, que conquistaram o público com obras que parecem saídas diretamente da primeira década dos anos 2000, quando adaptações de HQs eram contidas, sombrias, bobas de um jeito não tão irônico, e feitas sem muito apego ao material-base. Agora, Morbius – outro vilão do Homem-Aranha que ganha filme-solo sem o envolvimento do herói – chega para firmar o DNA desse universo: filmes com gostinho datado e meio duvidosos, uma experiência simultaneamente medíocre e confortável.
Ficha técnica
Título: Morbius
Direção: Daniel Espinosa
Roteiro: Matt Sazama e Burk Sharpless
Data de lançamento: 31 de março (Brasil)
País de origem: Estados Unidos
Duração: 1h 44m
Sinopse: O bioquímico Michael Morbius tenta curar-se de uma doença rara no sangue, mas sem perceber, ele fica infectado com uma forma de vampirismo.
O Médico e o Vampiro
A trama segue Michael Morbius (Jared Leto), um dos mais brilhantes cientistas dos Estados Unidos, famoso por ter criado uma versão artificial de sangue responsável por salvar milhões de vidas. A grande ironia é que ele próprio sofre de uma doença sanguínea desde criança, que lhe força a fazer três transfusões diárias, sem falta, além de manter todo seu corpo em estado precário.
Assim, ele dedica sua vida em busca de uma cura, com o apoio de seu amigo Milo (Matt Smith), afetado pela mesma condição que o doutor. Morbius têm sucesso ao cruzar o DNA humano com o de morcegos-vampiros. A euforia inicial de ver seu corpo regenerado logo se torna um pesadelo quando ele passa a desenvolver sede por sangue. O doutor descobre ter se tornado um vampiro com instintos animalescos, e precisa lutar para controlar seu lado monstruoso.
O longa não é só uma típica história de origem, daquelas que já não são mais feitas no cinema de heróis moderno – Morbius é literalmente igual ao primeiro Venom, de 2018. Há a exata mesma progressão do protagonista ser infectado por algo grotesco, que lhe dá vontades anormais, e que o força a aprender a domesticar sua própria voracidade. No caminho, surge um antagonista com as exatas habilidades que o personagem principal, mas que as enxerga mais como evolução ao invés de uma maldição. O protagonista então se vê na posição de herói relutante, tendo que combater o vilão para impedir o caos.
Se o primeiro Venom não funcionou para você, ou se você espera os deliciosos absurdos e o humor de Venom 2: Tempo de Carnificina (2021), é melhor passar longe desse filme. A fórmula é repetida sem medo, só que de forma ainda mais sóbria, sem espaço para piadinhas. De certa forma, é uma obra muito mais consistente, empenhada em criar um conto sombrio a lá O Médico e o Monstro com um gostinho de Marvel. É um longa marcado por obviedades e clichês, mas que são entregues de forma tão honesta que dificilmente ofenderão alguém. Não espere um lixo intragável, está longe disso, mas é melhor não esperar nenhuma obra-prima do cinema também.
Donos da Noite
Morbius é um filme agressivamente mediano, que segue o molde à risca. Jared Leto é quem faz o longa funcionar. Apesar de sua imagem midiática altamente irritante pelas suas várias histórias de bastidores, é preciso reconhecer seu enorme talento.
Não é nenhuma performance digna de Oscar, mas Leto se compromete com o papel, e entrega uma fisicalidade surpreendente para Michael Morbius, seja nos momentos em que seu corpo se revolta contra ele, na seu semblante fantasmagórico, ou na dor internalizada de uma mente brilhante que não sabe como resolver o próprio problema. Em alguns momentos, se você observar bem, o ator quase faz o melodrama barato do roteiro soar mais profundo do que é.
Salvo pela Martine Bancroft de Adria Arjona, que fica próxima de Leto em comprometimento com o tom do filme, o resto do elenco não se segura tão bem. Mesmo se você não ler as declarações do ator, é visível que Matt Smith está completamente perdido no filme, sem saber fazer uma transição natural entre o preocupado amigo de infância para o vilão que prega a supremacia vampiresca. Ainda assim, ele é um dos destaques por simplesmente largar mão de qualquer nuance e se tornar um vampiro canastrão, mas é difícil não notar a confusão em seu rosto. O mesmo vale para Jared Harris, médico que serve como uma figura paterna para Michael e Milo, mas que raramente parece sair do piloto automático.
Tanto Smith quanto Harris são ótimos atores, e o problema não está em seu talento, comprovado em obras como The Crown e Chernobyl, respectivamente. A parte mais sofrida de Morbius é a direção precária de Daniel Espinosa, cuja falta de habilidade se manifesta tanto na direção de atores quanto na estética medíocre do filme. Fica claro que Espinosa está se divertindo, com acenos para A Hora do Pesadelo, Os Suspeitos e Nosferatu, mas raramente ele ousa no visual, ou sequer entrega algo minimamente compreensível para grande parte do filme.
A montagem também não faz nenhum favor. A sequência inicial, pensada para mostrar o início da amizade entre Michael e Milo no orfanato, é desconjuntada ao ponto de anular qualquer tipo de emoção que pudesse sair dali. Isso se mantém até o final do filme, com diversos momentos que poderiam utilizar um pouco de respiro para estabelecer drama, tensão ou valorizar as acrobacias das batalhas.
As cenas de luta em especial são verdadeiramente terríveis. A ação é corrida e confusa, infestada de efeitos em computação gráfica de baixíssima fidelidade. Para tentar contornar a falta de coerência espacial para a porradaria, há uma série de momentos em câmera lenta, que são pouco impactantes mas que inadvertidamente ajudam a dar um charme brega para o longa. Pelas várias cenas de briga, era de se esperar que pelo menos alguma funcionasse, portanto é um pouco surpreendente ver que os melhores momentos de um filme de vampiro acontecem quando o protagonista é humano.
O meio termo entre fã ou hater
No fim das contas, Morbius é exatamente tudo que sempre pareceu ser. É um filme medíocre, com trama rasa e pouco apego à técnica cinematográfica, que surge apenas do esforço da Sony Pictures criar um universo rentável sem ter que dividir os lucros com a Marvel Studios. Mas é justamente esse desapego em criar algo grandioso que torna essa investida toda tão atraente de um jeito duvidoso, quase como um acidente terrível que prende o seu olhar.
A Sony Pictures está lentamente movendo suas peças. Produções como Madame Teia, estrelada por Dakota Johnson (Suspiria, 50 Tons de Cinza), e Kraven, o Caçador, com Aaron Taylor- Johnson (Kick-ass, Vingadores: A Era de Ultron). Além disso, é visível a intenção de reunir o Sexteto Sinistro nas telas, e talvez até lançar sua própria versão do Homem-Aranha, paralela ao de Tom Holland.
Alguma dessas obras vai prestar? Provavelmente não muito, não dá para saber, mas a graça é justamente imaginar que será mais do mesmo, com vilões diferentes se encaixando na mesma estética dark e melodramática de adaptação de HQ dos anos 2000. Se isso é um problema, aí vai de cada espectador – mas os números dizem que não, não é necessariamente um problema.
O fato de que ambos os filmes de Venom foram sucesso de bilheteria dá a entender que o jeito que opera o Universo Cinematográfico da Marvel, com sua obsessão por conexões e fidelização em sequências e séries de TV, não é só o que o público quer ver. E também há algo a ser dito sobre como o cinema atualmente só é percebido em extremos, com obras que apenas são julgadas entre a excelência e o lixo absoluto.
Às vezes, a mente pede por tramas contidas e por uma experiência casual com o cinema. Nesses casos, não há nada mais honesto do que um filme orgulhosamente mediano, que começa e acaba sem cobrar grandes expectativas, e sem deixar grandes promessas.
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