Crítica – Licorice Pizza: Ou a agridoce jornada em direção ao amadurecimento

Crítica – Licorice Pizza: Ou a agridoce jornada em direção ao amadurecimento

Ambientado na década de 1970, filme de Paul Thomas Anderson é uma grande viagem pela juventude e a euforia de encontros inesperados

Com um título um tanto quanto peculiar, Licorice Pizza finalmente chegou em território nacional, um pouco mais de um mês após sua estreia na gringa. Mas a espera valeu a pena: o novo filme de Paul Thomas Anderson, um dos cineastas mais conceituados da contemporaneidade, entrega uma história repleta de nuances ao narrar uma nostálgica aventura pelas estradas da juventude.

Indicado às categorias de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Original no Oscar 2022, o longa traz a estreia de Alana Haim e Cooper Hoffman, o filho do inesquecível Philip Seymour Hoffman, nas telonas, em uma trama que percorre cada beco de uma Los Angeles da década de 1970, onde dois jovens tentam encontrar seus lugares no mundo.

Ficha técnica

Título: Licorice Pizza

Direção: Paul Thomas Anderson

Roteiro: Paul Thomas Anderson

Data de lançamento: 17 de fevereiro de 2022

País de origem: Estados Unidos e Canadá

Duração: 2h 13min

Sinopse: Licorice Pizza é a história de Alana Kane e Gary Valentine crescendo e se apaixonando no Vale de San Fernando, em 1973. Escrito e dirigido por Paul Thomas Anderson, o filme acompanha a complexidade traiçoeira do primeiro amor.

 

A inesquecível euforia da juventude

Embarcar nas histórias de Paul Thomas Anderson é quase como entrar em um universo à parte. Com obras consagradas ao longo de sua carreira, o cineasta não precisa mais provar para ninguém que é um mestre naquilo que faz. E em Licorice Pizza não é diferente: a condução da narrativa, também assinada por ele, invade as telas de um jeito intoxicante, onde cada canto da cidade pode te proporcionar uma surpresa ou até mesmo mudar a sua vida para sempre.

O ano é 1973, e o Vale de San Fernando, em Los Angeles, Califórnia (EUA) é um lugar vibrante, cheio de novas oportunidades e pessoas diferentes que você adoraria conhecer. É neste pequeno universo que Alana Kane (Alana Haim), uma jovem de 25 anos, esbarra com Gary Valentine (Cooper Hoffman), um garoto de 15 anos que ganha a vida sendo um ator. 

O encontro inusitado acontece de um jeito divertido: durante o da foto anual na escola, Alana está trabalhando como assistente do fotógrafo e acaba conhecendo Gary quando ele pede para usar o espelho que ela leva nas mãos. Imediatamente, o garoto projeta na jovem aquele ideal da “mulher mais velha inalcançável”, e ambos iniciam uma amizade que, por mais disfuncional que possa parecer, ainda torna-se crível neste ambiente criado por Anderson. 

Desde o início, Gary não esconde que está apaixonado por Alana, mas a jovem faz de tudo para deixar claro que não está interessada nele, ressaltando a diferença de idade entre os dois. Enquanto Valentine vê a situação como uma grande aventura digna de qualquer primeiro amor, Kane só quer descobrir qual o seu propósito no mundo. Entretanto, a peculiaridade da relação não atrapalha a conexão da dupla, e as interpretações sinceras de Alana Haim e Cooper Hoffman são o ponto alto desta dinâmica inusitada.

A condução de Paul Thomas Anderson foi essencial para que os atores iniciantes entregassem performances consistentes. Sendo assim, você até pode conhecer Alana Haim por causa da banda Haim, formada por ela e suas irmãs (que também estão no filme, marcando mais uma parceria com o cineasta), mas Licorice Pizza mostra uma faceta da cantora até então desconhecida. É quase como se a personagem fosse a alma do filme: um espírito livre e contagiante, que caiu como uma luva no colo da caçula das Haim. 

No filme, Alana está desesperada para descobrir seu lugar no mundo. Mas como encontrar a si mesma em um período de grandes transformações, onde tudo é passageiro e as relações se tornam cada vez mais superficiais? Depois que ela conhece Gary, tudo muda. E mesmo que Alana se questione sobre a estranheza de sua relação com o adolescente, o que era para ser algo raso (afinal, ela mesma diz que Gary não iria se lembrar dela no futuro), acaba se tornando um ponto de virada especialmente marcante na vida de ambos.

Já Cooper Hoffman conseguiu demonstrar toda a mistura entre insegurança e maturidade do jovem ator Gary Valentine, um adolescente que só quer ser aceito por quem ele é, enquanto o mundo gira ao seu redor sem parar um segundo para respirar. Decidido a conquistar a mulher dos seus sonhos, o garoto desenvolve uma força de vontade que apenas a adolescência é capaz de criar, nem que, para mostrar seu valor, Gary tenha que entrar no mundo dos negócios e ser um vendedor de colchões de água ou máquinas de pinball.

E quem é melhor do que Paul Thomas Anderson para construir personagens tão excêntricos diante da complexidade das relações humanas? Nascido e criado nas ruas da Califórnia, o cineasta conseguiu captar a vivacidade de uma época tão vibrante e transportá-la para as telas, convidando-nos a fazer parte das aventuras de Alana e Gary, que são repletas de convidados ainda mais insanos do que a própria narrativa.

Entre as aparições ilustres, temos toda a família de Alana Haim no filme: suas irmãs Danielle e Este, assim como seus pais, fazem ótimas participações no filme de Anderson, que, diga-se de passagem, é a produção mais engraçada do cineasta até o momento. Para quem tem longas como Sangue Negro e Trama Fantasma no currículo, ver o lado cômico de PTA é o que faz com que Licorice Pizza se destaque pela leveza.

Além da família Haim, Bradley Cooper também deixa sua marca no filme, surpreendentemente entregando uma das sequências mais notáveis da produção. Até mesmo o pai do Leonardo DiCaprio, George DiCaprio, faz uma ponta no longa, assim como Maya Rudolph, atriz, comediante e esposa de Anderson.

Seja com o personagem extravagante de Sean Penn, ou o prefeito esquecido de Benny Safdie, o fato é que Licorice Pizza está repleta de pequenos cameos que apresentam personagens bizarros e situações estapafúrdias. É como se Alana e Gary estivessem numa viagem de carro pela Califórnia e dessem carona para figuras controversas ao longo do caminho.

E uma coisa que não pode faltar em uma boa road trip é a música. A trilha sonora é um ponto fundamental para a construção da atmosfera do filme. Com canções de Paul McCartney, The Doors e David Bowie (a cena onde toca Life on Mars? é uma das mais bonitas do filme) e composições de Jonny Greenwood, a sensação é a de que saímos do século XXI e aterrissamos diretamente nos embalos e transformações culturais dos anos 1970. 

Ao longo do enredo, vamos conhecendo um pouco mais das personalidades dos protagonistas em uma clássica história coming of age. A euforia do primeiro amor, os dilemas da juventude e a difícil jornada em busca do amadurecimento, que parece não chegar nunca, estão todos presentes ali, e o trabalho de PTA foi essencial para formar esse quebra-cabeça tão amedrontador que é o ato de crescer.

Apesar de não ser um filme perfeito e ter uma conclusão um tanto quanto destoante, Licorice Pizza é uma história agridoce que consegue reunir em um pouco mais de duas horas a complexidade de um relacionamento ambíguo, que percorre a linha tênue entre a amizade e o interesse romântico. Porém, mesmo que seja descrito como um “romance”, o filme não está interessado em ser encaixado nesta definição: Alana e Gary são apenas duas pessoas que se encontraram em determinado momento de suas vidas e, a partir de então, criaram uma conexão honesta que os levou a amadurecer. Como diz a personagem Celine, no filme Antes do Amanhecer, “se existe algum tipo de magia neste mundo, ela deve estar na tentativa de se conhecer alguém”. Isso pode resumir muito bem o que é Licorice Pizza e até mesmo a nossa própria missão na Terra.

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