Crítica: O Homem do Norte é uma ficção histórica com requintes de mitologia nórdica

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Crítica: O Homem do Norte é uma ficção histórica com requintes de mitologia nórdica

Por Gus Fiaux

Recém-lançado nos cinemas, O Homem do Norte é o mais novo filme de Robert Eggers, diretor de filmes como A Bruxa O Farol. Cheio de ação, o longa conta a história de vingança do Príncipe Amleth, uma das histórias que serviu de base para Hamlet de William Shakespeare.

Misturando ficção histórica, pitadas de horror e muita mitologia nórdica, o longa conta com um elenco recheado de nomes famosos, como Alexander SkarsgårdNicole KidmanAnya Taylor-Joy, Ethan HawkeClaes BangWillem Dafoe, além de uma participação mais que especial de Björk. Nós já conferimos o filme e aqui você pode conferir a nossa crítica!

Ficha técnica

Título: O Homem do Norte (The Northman)

 

Direção: Robert Eggers

 

Roteiro: Robert Eggers e Sjón

 

Data de lançamento: 12 de maio (Brasil)

 

País de origem: Estados Unidos

 

Duração: 2h 17m

 

Sinopse: Depois de testemunhar o assassinato de seu pai pelas mãos de seu tio Fjölnir, o jovem príncipe Amleth foge para retornar anos depois, já adulto, determinado a conseguir sua vingança.

O Homem do Norte está em cartaz nos cinemas.

O Homem do Norte e o cinema histórico de Robert Eggers

Desde que conquistou seu espaço nos cinemas com A Bruxa, terror de 2015 muito premiado mundo afora, Robert Eggers foi declarado como um dos maiores nomes do horror contemporâneo, ficando lado a lado com cineastas tais quais Ari Aster (Hereditário), Jordan Peele (Corra!) e Jennifer Kent (O Babadook).

Porém, algo sempre soou “diferente” nas produções de Eggers – isso porque, mais do que o horror em si, o que mais chama atenção nas obras do diretor é a profunda pesquisa histórica feita para transportar o público para um passado distante e longínquo, conforme a tensão e o medo escalonam em períodos bem documentados na história humana.

Em seu mais novo filme, O Homem do Norte, o diretor não apenas deseja evocar esse sentimento histórico que já é bem conhecido em suas obras, mas fazer disso uma nova abordagem, onde o horror é deixado de lado em prol de uma trama de vingança clássica, adaptando um mito igualmente clássico.

Alexander Skarsgård, apesar de silêncio, está muito expressivo no papel do Príncipe Amleth.

A trama segue a vida do Príncipe Amleth, um herdeiro escandinavo que testemunha o frio assassinato de seu pai pelas mãos do tio Fjölnir. Ele foge ainda criança para salvar sua própria vida, mas promete retornar ao lar para que possa – nessa ordem – vingar seu pai, salvar sua mãe e matar o tio traidor.

E a partir disso, temos uma narrativa não muito diversa de obras como Hamlet O Rei Leão – até porque o conto de Amleth inspirou William Shakespeare para escrever uma de suas tragédias mais famosas, que por sua vez deu origem ao clássico animado da Disney.

Aqui, podemos ver claramente a assinatura de Eggers e seus trejeitos mais singulares: o uso de luz natural para compor ambientes que estão sempre fracamente iluminados, a trilha sonora minimalista que ajuda a criar uma tensão perene, e a frieza emocional que acompanha personagens estoicos em uma narrativa densa.

Ainda que seja apenas um interesse amoroso, Anya Taylor-Joy tem material o suficiente para construir uma personagem com camadas.

Claro que, dessa vez, há um outro fator: Enquanto em seus trabalhos anteriores, A Bruxa O Farol, Eggers trabalha com recursos limitados sob o guarda-chuva da A24, em O Homem do Norte, ele conta com um robusto orçamento de US$ 90 milhões (estimados), o que o dá liberdade para surtar além do que é costumeiro.

Isso se reflete, sobretudo, nos cenários. Se seus filmes anteriores eram muito contidos em locações específicas, sem grandes mudanças de ares, O Homem do Norte se beneficia de uma sincera viagem pela Europa dominada pelos vikings, começando na Dinamarca e indo até a Islândia, seja nos terrenos mais frios ou mais solares do continente.

Porém, não é apenas nos cenários que isso se reflete. A composição visual e a direção de arte de Eggers nunca estiveram tão ricas, desde as simples vestimentas usadas por Amleth depois que se torna o Urso-Lobo, uma força de destruição da natureza, até o complexo design usado no traje da vidente vivida por Björk.

Nicole Kidman é a grande estrela do filme, com um papel misterioso e cheio de segundas intenções.

Vingança à moda antiga

Claro que, para tudo isso funcionar em meio à estética frígida de Eggers, um elenco de peso seria necessário. E aqui, o ganho orçamentário do cineasta se prova mais uma vez eficaz, com Alexander Skarsgård dando vida a Amleth. Embora tenha sido acusado durante anos de ser “mau ator”, o astro sueco aqui desmonta todas as críticas, criando uma composição silenciosa, mas muito expressiva para seu personagem.

Skarsgård faz bom proveito do roteiro escrito por Eggers ao lado de Sjón, uma vez que muito do personagem está construído não nos diálogos, mas justamente em seus silêncios e momentos de contemplação. A partir disso, o ator tem liberdade para criar uma fúria que é igualmente silenciosa e ensurdecedora.

Mas ele também é rodeado por nomes de peso: Anya Taylor-Joy faz o papel de seu interesse amoroso, que apesar de amá-lo, possui uma agenda própria no conflito; Ethan Hawke aparece pouco como o pai de Amleth, mas vende um personagem estoico e assombrado por incontáveis fantasmas. Willem Dafoe e Björk hipnotizam a audiência com um charme místico, muito bem traduzido pela filmagem etérea de Eggers.

Um dos grandes méritos do alto orçamento de O Homem do Norte: Composições visuais e figurinos que enaltecem o drama histórico.

Porém, dois nomes se destacam em meio a tudo isso. Claes Bang consegue criar um Fjölnir que é compreensível e ameaçador na mesma proporção, e foge de uma caricatura a la Scar d’O Rei Leão. Ele traz um peso emocional para seu personagem que vai além da traição por inveja ou por ganância – na verdade, o filme todo nos faz questionar até que ponto o regicida é um traidor desalmado ou a vítima de forças maiores em ação.

Por outro lado, Nicole Kidman é virtuosamente indecifrável no papel de Gudrún, a mãe de Amleth. Desde sua cena inicial, a atriz consegue evocar um tom de mistério quanto às suas verdadeiras intenções, e seu papel só engrandece da metade para o final, onde ela abre espaço para uma performance quase que teatral. Vê-la ao lado de Alexander Skarsgård é algo que apenas adiciona camadas aos dois personagens.

E para coroar a produção, Eggers não deixa de lado os elementos de horror e ainda os dá uma nova cara, banhada por acenos à mitologia nórdica. É até interessante ver como o diretor faz uso de deidades do imaginário viking, como Odin e as Valquírias, uma vez que ele as apresenta como forças amorais que, apesar de estarem envolvidos nos conflitos humanos, são indiferentes a toda a dor e o sofrimento – na verdade, parecem se alimentar disso.

Apesar de suas qualidades, O Homem do Norte carecia de uma edição que equilibrasse mais seu ritmo.

Dessa forma, Robert Eggers entrega mais um sucesso em sua carreira. Talvez, o único problema se faça presente no ritmo do filme, que é inconstante entre momentos de muita lentidão e contemplação e surtos de velocidade e sequências de ação. O começo do terceiro ato, por exemplo, é uma bagunça parada que se beneficiaria de uma passagem mais equilibrada.

Ainda assim, nada consegue tirar os méritos de O Homem do Norte, ainda que seja uma obra um tanto quanto “simples” se levarmos em conta sua narrativa. É uma história de vingança à moda antiga, que usa do imaginário e da cultura viking para contar como rastros de corpos são deixados para trás quando uma fúria cega toma conta de um príncipe injustiçado.

Dessa forma, Eggers sedimenta ainda mais seu alcance no cinema contemporâneo e prova que, em essência, dá para fazer um blockbuster “cabeçudo” que conquista seu público não apenas com ação explosiva e frenética, mas também com um eixo profundamente melancólico, nauseante e reflexivo. E é melhor ainda perceber que, por mais que tenha se aventurado para fora do gênero, o cineasta ainda tem um pé bem firme no horror.

Nota: 4/5

O Homem do Norte está em cartaz nos cinemas.

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