Crítica: Heartstopper, Temporada 1
Crítica: Heartstopper, Temporada 1
Metade comédia romântica, metade drama de amadurecimento, nova série da Netflix veio para fazer todo mundo se apaixonar!
Na semana passada (22), a Netflix lançou toda a primeira temporada de Heartstopper, sua mais nova produção original. Baseada nos quadrinhos de Alice Oseman, a obra segue dois adolescentes, Charlie Spring e Nick Nelson, e mostra a delicada aproximação dos dois durante o Ensino Médio, enquanto precisam lidar com o bullying, com os julgamentos alheios e com a descoberta e o amadurecimento de suas próprias sexualidades.
Singela e honesta, a nova série tem tudo para agradar os fãs da boa e velha comédia romântica, mas também ousa ao se aprofundar mais no coming of age – tudo isso embalado por uma trilha sonora estupenda e um elenco investido e comprometido com a narrativa. Aqui, você pode conferir a nossa crítica de Heartstopper, da Netflix!
Ficha Técnica
Título: Heartstopper
Criação: Alice Oseman
Direção: Euros Lyn
Ano: 2022 (Netflix)
Número de episódios: 8 (1ª Temporada)
Sinopse: Os adolescentes Charlie e Nick descobrem que sua amizade improvável pode ser algo mais, enquanto exploram a escola e o amor juvenil.
O desabrochar da adolescência
Há algo muito sutil na forma como Heartstopper conduz sua narrativa, algo que não víamos há tempos em séries e filmes de comédia romântica: a forma como o amor adolescente, aqueles primeiros sentimentos caóticos e insanos se manifestam através de gestos simples. Sem grandes provas de amor, os detalhes é que são importantes.
Por isso, é até um pouco reconfortante pensar que um “eu te amo” ainda não foi utilizado – não porque Nick Nelson e Charlie Spring não se amam, pelo contrário. Esse afeto já é evidente desde a primeira troca de olhares, um ritual mágico que evolui das “borboletas no estômago” até a fricção dos dedos gerando fagulhas elétricas quando as mãos se encontram.
Contudo, essa não é uma típica história de amor. “Típica” aqui pode ser substituído pelas histórias heteronormativas com as quais crescemos, onde os gêneros pregam papéis muito bem definidos e estruturados, muito mais do que um verdadeiro sentimento crepitando entre os personagens. Se há um homem e uma mulher, eles devem se apaixonar.
A série criada por Alice Oseman – e baseada na série de webcomics da mesma – já deixa esses arquétipos no chão em seus primeiros episódios. Charlie é o clássico desajustado do ensino médio. Ele é nerd, anda com os esquisitões, gosta de músicas que nem sempre tocam na rádio. E ainda por cima, é gay.
Claro que ele iria se apaixonar por Nick Nelson, o jogador de rúgbi bonitão e gentil, que por trás da postura popular, guarda uma faceta sensível e introvertida, que ainda está se descobrindo no mundo. Mas será que é isso mesmo? Ou será que, em meio a todo o caos da puberdade, o casal não é fruto das circunstâncias certas no momento certo?
É até delicado pensar em como o afeto entre os dois meninos é retratado imageticamente na tela, como folhas caindo de uma árvore e dançando ao léu pela tela, sem destino e sem propósito. Muito mais do que borboletas estomacais, é esse flair visual que indica o que exatamente é esse romance: leve, solto e capaz de levá-los a direções muito inesperadas. Como a adolescência, só que com um toque dos contos de fadas.
Surtos & Dramas
E claro que, para isso funcionar, não basta que o foco seja apenas neles. Por mais que sejam os protagonistas, tanto Nick quanto Charlie possuem vidas particulares, universos próprios e coadjuvantes que se esbarram no microcosmo do ensino médio. Porém, em momento algum a série faz questão de tratar esse “universo a parte” com desdém.
É aí que entra a turma de Charlie. Tao Xu (William Gao), Elle Argent (Yasmin Finney) e até o fofíssimo Isaac Henderson (Tobie Donovan) estão ali para provar que Charlie conseguiu encontrar, mesmo com tantos problemas e medos, uma família para chamar de sua, que vai além dos laços de sangue.
É a relação entre esse grupo que dá forma à personalidade de Charlie, que mostra como ele, mesmo antes de ter um namorado, não está tão sozinho no mundo. E é justamente quando ele tenta deixá-los de lado para focar apenas em Nick que sua vida toma rumos mais desconfortáveis.
Nick, por outro lado, sofre com a rejeição de seus colegas. A princípio, ele tenta esconder sua sexualidade e o tudo o que sente por Charlie, mas percebe que isso não é o bastante para afastar abutres da dor, como Harry Greene (Cormac Hyde-Corrin) e Ben Hope (Sebastian Croft).
Isso não quer dizer que ele não tenha seus aliados. Alguns dos momentos mais tocantes da temporada – sobretudo um que acontece no último episódio – envolvem conversas do garoto com sua mãe, interpretada pela magnífica Olivia Colman em uma participação contida, mas extremamente bem-vinda.
E não fica só nisso, já que a série ainda consegue ditar o tom através dos contrastes e da forma como Nick e Charlie são muito diferentes, não apenas em personalidade e nos mundos opostos em que vivem, mas também pela forma como reagem ao que está ao redor. Porém, eles se “completam”, como nos clichês românticos que já estamos bem acostumados a ver.
Paixões passageiras e amores perenes
Heartstopper pode até parecer só mais uma série adolescente a princípio. Ela não difere muito de produções como Eu Nunca ou até mesmo Com Amor, Victor, quando analisamos a primeira vista. Mas há algo a mais aqui – a forma como ela se dispõe a entrar em assuntos sérios, ainda que de forma leve.
Elle é uma adolescente trans, que ao fazer sua transição, teve que deixar o colégio exclusivo de meninos para passar para um colégio exclusivo de garotas. Isso é incorporado na trama de forma muito presente, e há discussões a todo tempo sobre esse componente, mas tudo é feito de uma forma que não soa demasiadamente didática. Pelo contrário, é um fato dado e que alguns talvez tenham que quebrar a cabeça para entender.
O mesmo vale, por exemplo, para o relacionamento que Ben e Charlie nutrem no começo da temporada. Mesmo usando personagens juvenis, a série consegue tratar com seriedade de temas como relacionamento abusivo, gaslight e manipulação, sem que tudo isso caia num lugar-comum e pareça uma thread feita no Twitter.
Por último, mas não menos importante, há de se falar de Joe Locke e Kit Connor, que dão vida a Charlie e Nick da forma mais natural possível, é quase como se eles tivessem nascido para interpretar esses papéis. Joe consegue ser autêntico, expressivo e até um pouco arrogante quando precisa, e seu Charlie tem camadas que vão além do “mocinho bobinho apaixonado pelo bonitão”.
E falando no bonitão em questão, Kit Connor é um achado. É um ator que merece mais projetos em sua carreira, pelo tanto de emoção e sentimento que consegue empregar em cada cena, em cada diálogo, em cada momento de silêncio. Seu Nick não só justifica o afeto de Charlie, como também compõe um personagem em processo de autodescoberta que muito lembra como o coming of age é um “gênero” que abraça principalmente os desajustados.
Com oito episódios, Heartstopper veio e cumpriu sua promessa: parou o coração de todo mundo. É um romance doce e agradável, é um drama tempestuoso e caótico, é uma história adolescente que se permite ser boba, mas não esconde seus momentos de pura sinceridade. Um verdadeiro primor – e que venha logo uma segunda temporada!
Heartstopper está disponível na Netflix.
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