Crítica: Halloween Ends fecha o ciclo da franquia com final ousado
Crítica: Halloween Ends fecha o ciclo da franquia com final ousado
Em sua trilogia, David Gordon Green andou no limiar da nostalgia e da iconoclastia!
Dentre todas as franquias de horror que retornaram para novos capítulos nos últimos anos, a saga frenética estrelada por Michael Myers e Laurie Strode é a primeira a chegar ao fim, graças ao lançamento de Halloween Ends. O filme dá continuidade aos eventos estabelecidos no Halloween de 2018 e sua, sequência, Halloween Kills, e faz questão de dar o encerramento que os fãs tanto esperavam ver.
Trazendo Jamie Lee Curtis uma última vez de volta ao papel de Laurie para enfrentar definitivamente o seu bicho-papão, o filme acaba surpreendendo pela ousadia e pela forma como destroça seu principal ícone, apenas para criar algo novo por cima – embora isso possa polarizar os fãs e trazer diversas reclamações. Você pode conferir a seguir a nossa crítica de Halloween Ends!
Ficha técnica
Título: Halloween Ends
Direção: David Gordon Green
Roteiro: Paul Brad Logan, Chris Bernier, Danny McBride e David Gordon Green
Data de lançamento: 13 de outubro (Brasil)
País de origem: Estados Unidos
Duração: 1 hora e 51 minutos
Sinopse: A saga de Michael Myers e Laurie Strode chega a um arrepiante final.
O fim de Halloween…?
O horror tem passado por uma fase bem interessante nos últimos anos, com o florescimento de obras independentes com histórias originais muito aclamadas pela crítica, assim como os retornos de franquias clássicas que não davam sinal há muitos anos – e isso tem trazido uma grande quantidade de vilões icônicos de volta, para que possam não só fazer o maior número de vítimas o possível, mas também conquistar as telas de cinema e o streaming.
Só esse ano, tivemos a visita de um novo Ghostface, o Chucky voltou a dominar a TV pelo segundo ano seguido, uma nova Pinhead traz as promessas de dor e prazer e até o Leatherface tirou sua motosserra da gaveta. Porém, ninguém tem despertado mais atenção que Michael Myers, que finalmente aceitou que seus anos de matança estão quase no fim e anunciou sua aposentadoria em Halloween Ends.
Claro que essa não é a trama do filme – embora daria um bom estudo de personagem. Ainda assim, David Gordon Green assume novamente as rédeas no capítulo final de sua trilogia, dessa vez para encerrar a história iniciada em 1978 e “retomada” em 2018, porém, assim como seu antecessor, Halloween Kills, a conclusão da saga não agradará todos os fãs – e isso é algo muito, muito bom.
Dentro do cinema slasher, há uma série de tropos e arquétipos que formam a nossa visão sobre uma história com um assassino impiedoso e suas vítimas inocentes. Ao longo dos anos, esses arquétipos foram sendo reduzidos ao nível mais básico, de modo que grandes franquias começaram a fazer o clássico “mais do mesmo“. Você duvida? Tente diferenciar os filmes de Sexta-Feira 13 ou até mesmo os de Halloween, mas sem errar!
E quando o Bicho-Papão de Haddonfield voltou aos cinemas em 2018, todos gostaram da abordagem por ser muito próxima ao original – tão próxima que ignorava todas as continuações e reboots anteriores, fazendo ligação direta com o clássico de John Carpenter. Porém, por um ponto de vista, era apenas mais do mesmo. Um filme muito bom, com certeza, mas mais do mesmo.
Halloween Kills veio para mostrar que David Gordon Green e seu time de roteiristas não iriam ceder à nostalgia para sempre. Eles obviamente pegaram os personagens de Carpenter e deram a eles um novo sentido, uma nova razão de ser, em um filme que é muito mais sincero como estudo do trauma coletivo de uma cidade inteira que um horror slasher à moda antiga.
Com Ends, no entanto, as coisas se tornam menores novamente. Não vemos Haddonfield formando uma milícia novamente para lutar com Michael, mas sim uma história focada em Laurie Strode, que dessa vez, parece ter feito o máximo para seguir em frente, ainda que desconfie de qualquer sombra ao seu redor. Ela tem tentado viver feliz ao lado de sua neta, Allyson. Juntas, avó e neta expressam um luto contínuo por Karen Strode, filha e mãe.
Michael, no entanto, sobreviveu e agora “vive” no sistema de esgotos da cidade – e note as aspas, já que o assassino é uma mera sombra em relação ao perigo que representava no passado. Eventualmente, ele consegue se recompor e vai em busca de suas vítimas, mas sua aparição no filme é relativamente pequena, e tudo faz parte de um plano maior e mais subversivo.
Plano esse realizado com a ajuda de Corey Cunningham, uma das novas adições da franquia. Há alguns anos, ele foi acusado de assassinar uma criança e, por mais que não tenha sido culpado, foi marcado pela cidade como o novo psicopata local, tudo no período que se passou entre Kills e Ends. Agora, ele tenta recriar sua vida e se provar uma boa pessoa, e isso o coloca diretamente no caminho de Laurie e Allyson… mas também de Michael.
Tudo isso parece ser coisa demais – e eu confesso, é mesmo. O roteiro às vezes tropeça na tentativa de dar destaque para todos os jogadores em cena, tanto que Laurie e o próprio Michael somem em uma porção significativa do segundo ato, enquanto o foco de conflito é o romance de Allyson e Corey. Porém, tudo isso dá um gostinho a mais no filme, que se sustenta sem necessitar o tempo inteiro da validação dos personagens clássicos.
É nesse sentido que David Gordon Green parece compreender o que tem em mãos: uma franquia que passou anos juntando poeira, mas que precisava ser revitalizada de alguma forma. E seria fácil demais apenas refazer o original de Carpenter a cada filme, sem se importar com as escalas ou as consequências, mas não é bem isso que o diretor opta por fazer: cada continuação em sua trilogia se aprofunda no trauma desses personagens.
Em Halloween de 2018, Laurie é a paranoica que precisa convencer os outros de que algo está errado. Em Kills, não só ela como sua família e a cidade de Haddonfield sucumbem a esse pandemônio, e em Ends, esse trauma coletivo já passou do ponto de controle – na verdade, ele é o responsável por criar figuras tão doentias e degeneradas quanto o próprio Michael. Essencialmente, uma fagulha de pânico se alastra e se torna um incêndio inapagável.
Ainda que as escolhas narrativas possam soar estranhas, há algo de muito interessante aqui. Levando em conta toda a construção dessa história, que vai até o filme de 78, temos um crescendo de paranoias e histeria, quase como se cada pequena ação desencadeasse uma muito maior. E é até curioso que um filme com tanta dor geracional consiga fazer tudo isso se valendo de uma escala relativamente menor e mais focada.
As veias de Haddonfield estão sangrando…
Em seus melhores momentos, Halloween Ends promete gore e violência de primeira, e entrega tudo isso com um sorriso no rosto. A sequência de abertura é brutal, um dos momentos mais chocantes e desconcertantes em um filme de horror lançado em 2022. E embora a primeira metade do filme desacelere o ritmo para reintroduzir os seus personagens, o sangue volta a jorrar com força.
Aqui, usando efeitos práticos de primeira, David Gordon Green consegue arrancar as mortes mais violentas de toda a sua trilogia. Há uma sequência onde um radialista é espancado até a morte e podemos ver seu rosto completamente distorcido pelo impacto das pancadas. Em outra, uma personagem tem seu rosto explodido, e tudo é mostrado em sua glória mais grotesca, justamente para mostrar todos os efeitos que Michael causou em vidas alheias.
Não só isso, mas David Gordon Green se mostra um hábil diretor de ação aqui, sobretudo no terceiro ato quando finalmente há o embate final entre Laurie e Michael. Enquanto a maior parte do filme se guia por uma contemplação quase silenciosa, seus trinta minutos finais são gravados quase como se o longa fosse um novo capítulo da saga de Jason Bourne.
Cada soco deixa marcas, tanto nas vítimas quanto no público. O trabalho sonoro, nesse sentido, é grandioso até nos mínimos detalhes, extraindo tensão nos momentos certos. E para quem é fã de jumpscares, há uma dose um tanto quanto considerável aqui, muito mais do que seus dois predecessores, porém nunca tanto ao ponto de ser um festival barato de sustos.
É desse jeito que Michael e Laurie se despedem uma última vez – o que venhamos e convenhamos, não é garantia de nada, já que esses dois já se despediram muitas “últimas vezes” anteriormente. Porém, há algo de diferente agora, algo que nos faz lembrar como essa franquia começou e todos os percalços pelos quais passou até aqui. Mesmo que não se goste, há de se admirar o trabalho de David Gordon Green.
Com três filmes completamente diferentes, o diretor conseguiu fugir da sensação de “mais do mesmo”. Não é mais uma história sobre o assassino mascarado que invade Haddonfield na noite de Halloween e acaba fazendo dezenas de vítimas em seu caminho. Também é sobre isso, mas é sobre algo mais. É sobre como nós podemos criar os nossos próprios monstros quando nos tornamos paralisados pelo terror e pela morte alheia.
E Halloween Ends fecha muito bem esse ciclo, de uma forma quase iconoclasta. Não é que Laurie e Michael não sejam importantes, pelo contrário. Mas eles são apenas a fagulha inicial desse incêndio que já se espalhou. Eles são a origem de tudo isso, e para que tudo acabe, precisa haver um vitorioso definitivo.
Com toques de romance, horror e muito sangue, Ends finaliza a saga mais uma vez e ressignifica tudo o sabemos da franquia Halloween. Talvez, a saga possa continuar em um formato antológico (sendo fã de Noite das Bruxas, esse inclusive seria meu maior sonho). Talvez, ela possa ser reiniciada de novo quando alguém decidir que quer continuar a história a partir de “filme X”. Mas por enquanto, o Bicho-Papão descansa. E sua despedida foi sensacional.
Halloween Ends está em cartaz nos cinemas.
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