Crítica – Glass Onion: Um Mistério Knives Out é o filme definitivo de 2022

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Crítica – Glass Onion: Um Mistério Knives Out é o filme definitivo de 2022

Por Gus Fiaux

Dando continuidade à sua obra-prima de 2019, Rian Johnson agora está de volta para nos apresentar o mais novo caso de Benoit Blanc em Glass Onion: Um Mistério Knives Out. Dessa vez, o famoso detetive precisa viajar até uma ilha na Grécia, onde se depara com uma festa estranha com gente esquisita sediada por um bilionário muito excêntrico – e como já era de se esperar, as coisas logo evoluem para o assassinato.

Com um elenco brilhante, encabeçado pelos nomes de Daniel CraigJanelle MonaéKathryn HahnEdward NortonKate Hudson e Dave Bautista (fora várias participações especiais inacreditáveis), o filme já desponta como um dos melhores de 2022, fechando o ano com chave de ouro. Aqui, você pode ler a nossa crítica!

Ficha técnica

Título: Glass Onion: Um Mistério Knives Out (Glass Onion: A Knives Out Mystery)

 

Direção e roteiro: Rian Johnson

 

Data de lançamento: 23 de dezembro de 2022

 

País de origem: Estados Unidos da América

 

Duração: 2h 20min

 

Sinopse: O famoso detetive sulista Benoit Blanc viaja até a Grécia a convite de um bilionário, para resolver seu mais novo caso.

Glass Onion: Um Mistério Knives Out está disponível na Netflix.

Glass Onion dá continuidade à franquia que precisávamos, mas não sabíamos!

Nunca deixa de me surpreender como Entre Facas e Segredos, de 2019, se tornou um sucesso tão grande. Claro, existem vários motivos para isso, seja o elenco composto por grandes astros, o mistério divertido e muito instigante, a escrita afiadíssima de Rian Johnson, que se encaixa perfeitamente com sua direção meticulosa. Mais chocante é imaginar que isso abriu as portas para uma franquia e agora estamos vendo os frutos com Glass Onion.

O segundo longa – que recebeu o tenebroso subtítulo “Um Mistério Knives Out“, já que pelo visto localização não é mais uma prioridade dos grandes estúdios e distribuidoras – traz de volta Benoit Blanc, o renomado detetive que está sempre com visuais impecáveis interpretado por Daniel Craig, para resolver um novo caso, depois que recebe um convite para viajar até uma ilha na Grécia, a pedido de Miles Bron (Edward Norton), um bilionário excêntrico.

Ao chegar lá, ele se vê em meio a uma turma caótica: Claire Debella (Kathryn Hahn), uma política disputando um cargo no senado; Birdie Jay (Kate Hudson), uma influencer bem irresponsável; Lionel Toussaint (Leslie Odom Jr.), o cientista central de uma grande corporação; Duke Cody (Dave Bautista), um streamer famoso e, é claro, a misteriosa Andi Brand (Janelle Monaé). Todos eles diretamente conectados a Miles, de um jeito ou de outro.

E inicialmente, a proposta do bilionário é simples. Ele convidou todos os seus amigos para resolver um assassinato – o seu próprio. Mas claro que tudo não passa de uma brincadeira, é apenas uma forma de passar um fim de semana entre amigos… porém, as relações entre pessoas tão voláteis (e ricas) acabam escalando de forma perigosa, até que um crime de verdade acontece. E aí, Benoit precisa agir.

Em uma era onde blockbusters parecem cada vez mais confundir grandiosidade com megalomania, é um verdadeiro milagre que uma franquia como essa exista e seja tão bem-sucedida. Passamos anos nos desumanizando em frente às telas de cinema, sempre ávidos por histórias de seres superpoderosos, deuses e criaturas fantásticas, onde não há um espaço sequer para personagens que sejam simplesmente “humanos”.

Por isso, chega a ser um alerta para o público a cena em que Benoit fala: “Eu não sou o Batman, posso achar a verdade, conseguir evidências, apresentar para a polícia e para a corte. Mas é onde minha jurisdição termina”. Isso já nos dá exatamente o que esperar: nada de superpoderes, de lutas heroicas ou de raios azuis sendo disparados para o céu. Mas não é porque não há nada disso que Glass Onion deixa de ser menos espetacular.

Aliás, isso faz de Benoit Blanc uma figura ainda mais interessante aqui que em Entre Facas e SegredosEle não está se deparando com um caso envolvendo a alta aristocracia, dinheiro que corre nas veias de uma família há anos. Ele está tendo que lidar com novos ricos, pessoas que escalaram a pirâmide social a partir de privilégios e conexões, e que se acham superiores ao resto do mundo por serem “transgressivas”.

Não só isso, mas há uma dinâmica muito interessante na forma como Glass Onion subverte e atualiza os clássicos tropos das narrativas de detetive. Temos aqui arquétipos consagrados: o burguês endinheirado, o homem da ciência, a celebridade, o brutamontes… todos repaginados para refletir tempos atuais e de uma forma crítica. Até quando há a inserção de uma femme fatale, isso é colocado para ser desconstruído logo em seguida.

E em meio a isso, também há a dicotomia entre os avanços científicos e tecnológicos em contraste com o “velho”. Em muitos momentos, Benoit representa um mundo arcaico, de dedução e observação partindo de uma perspectiva que é puramente humana, e isso o faz ficar perdido em meio à grandiosidade do mundo de Miles Bron. Porém, o que parece ser uma desvantagem logo se torna o pedestal de onde ele pode observar tudo e todos.

Um estudo sobre 2022?

Nenhuma obra é “à frente de seu tempo“, como muitos críticos gostam de apontar. Seja filme, série, música, jogo eletrônico, bonequinho de crochê ou o que for, toda arte é produzida dentro de um contexto e dialoga diretamente com essa temporalidade, independente da reação à ela em seu lançamento ou vinte anos depois. Ainda assim, Glass Onion é de deixar qualquer um boquiaberto.

Gravado entre junho e setembro do ano passado, o novo mistério de Benoit Blanc finalmente saiu em 2022, primeiro em alguns cinemas selecionados e, agora, na Netflix. E é curioso como Rian Johnson nos fornece um estudo perfeito sobre esse ano caótico, devastador, maluco e incoerente. Claro, há resquícios de críticas sobre o último triênio, mas há muita coisa que nos faz imaginar que o diretor é, na verdade, um clarividente.

Obras de arte destruídas como protesto, celebridades canceladas por falarem qualquer besteira que vêm à cabeça sem nunca pensar, interesses corporativos entrando em choque com a ética científica e até mesmo uma figura que nitidamente é inspirada em Elon Musk – algo que torna tudo ainda mais engraçado, sobretudo após os surtos e chiliques do bilionário em 2022. Tudo corrobora para criar uma obra de ficção que diz muito a respeito da realidade.

Ademais, são justamente os personagens que tornam as críticas e a narrativa tão interconectadas. Nomes como Kate HudsonKathryn Hahn Dave Bautista elevam ao máximo o nível de exagero, mas estamos acostumados a ver tanta coisa pior só de abrir o Twitter, que toda essa maluquice já nos parece natural. Edward Norton que o diga, já que seu papel no filme é quase biográfico.

No entanto, se há alguém que merece aplausos é Janelle Monáe. A cantora, compositora e atriz entrega uma figura tão energética e cheia de nuance que sua presença atrai qualquer olhar. Há uma cena em especial, na qual seu rosto é sobreposto com um quadro muito famoso, enquanto um diálogo borra as linhas da compreensão, de modo que não sabemos se o que está sendo falado diz respeito à obra de arte ou à personagem dela. E Monáe entrega tudo de si ali.

Diga-se de passagem, Entre Facas e Segredos já tinha sido muito elogiado por conta de seu elenco – com razão. Porém, Glass Onion consegue dar um passo adiante, já que todos os personagens possuem dinâmicas beligerantes e cada um tem seu espaço de brilhar. Talvez, o único que não tenha muita presença seja Leslie Odom Jr., mas isso até se encaixa com a proposta do personagem, que em tese é a pessoa mais “sóbria” em um covil de loucos.

Como se adaptar ao algoritmo sem perder a essência?

Desde que foi anunciado que Entre Facas e Segredos teria sequências lançadas direto pela Netflix, um medo bem profundo dos fãs do primeiro filme era a possibilidade da franquia descambar para um terreno robotizado, sem vida e movido a algoritmo, perdendo a essência autoral que Rian Johnson empregou tão bem no filme de 2019. Feliz ou infelizmente, existe um pouco disso aqui – mas não do jeito que você pensa.

Claro, o final grandioso demais e a necessidade de um segundo ato montado inteiramente em cima de exposição é a prova de que existe sim uma “adaptação” para que a franquia soe mais palatável na plataforma de streaming – e é aí que o longa perde um pouco da excelência, ainda que nunca derrape para um território “mediano”. Porém, na maior parte do tempo, Johnson consegue usar essas limitações a seu favor.

As várias cameos e participações especiais, além de serem divertidas, desarmam o público para o núcleo do mistério. Um “easter-egg” camuflado (tatuagens, por exemplo) diz muito a respeito sobre a personalidade de um personagem, e até a necessidade de inserir flashbacks para explicar tudo ao público que pode ter ficado no celular enquanto via o filme acaba sendo subvertida para pregar peças e alterar percepções.

Assim, dezembro nos presenteia com dois grandes blockbusters que fogem de tudo aquilo que vimos à exaustão ao longo do ano. Se Avatar: O Caminho da Água está sendo um estouro nos cinemas, com seus visuais impecáveis e bem renderizados (diferente de muito filme por aí), Glass Onion fornece um espetáculo opulento, mas em escala mais palpável. É divertido, deslumbrante, subversivo e ácido, além de entregar um mistério deliciosamente sagaz.

Um terceiro filme já está a caminho, e que Rian Johnson consiga fazer dele um capítulo ainda mais gracioso e mais alucinado. Com Benoit Blanc, temos a chance de ter uma franquia que, mesmo servindo ao algoritmo da Netflix, traz uma autoralidade que mal se vê nos blockbusters contemporâneos, não apenas de seu diretor/roteirista, como também do elenco, que entrega algumas das performances mais cativantes do ano.

Por essas e outras, o serviço de streaming mostra que deixou o melhor para o final. Glass Onion: Um Mistério Knives Out não é só uma continuação maravilhosa para Entre Facas e Segredos. É também um atestado do poder criativo de Rian Johnson e a prova de que ainda há espaço para originalidade em Hollywood. Sem sombra de dúvidas, um dos maiores, mais ambiciosos e divertidos filmes do ano!

Nota: 4,5 de 5.

Glass Onion: Um Mistério Knives Out está disponível na Netflix.

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