Crítica: Em tempos de pandemia, Drive My Car se torna uma conversa sobre luto e aceitação
Crítica: Em tempos de pandemia, Drive My Car se torna uma conversa sobre luto e aceitação
Novo filme de Ryosuke Hamaguchi é um dos destaques das premiações
Podendo ser visto como a “cota amarela” do Oscar do ano, os japoneses decidiram apostar suas fichas em uma adaptação de um conto de Haruki Murakami. Enquanto Em Chamas, de Lee Chang-dong, foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2019, Drive My Car, de Ryosuke Hamaguchi acumulou quatro indicações, incluindo Melhor Filme, Direção, Roteiro Adaptado e Filme Internacional.
Dividido em duas épocas, assim como outro trabalho de Ryosuke, Asako I & II, Drive My Car segue Kufuku e sua tentativa de seguir em frente após a morte de sua esposa. Convidado para dirigir a peça Tio Vânia, de Tchekhov, Kufuku passa a conviver com o antigo amante de sua mulher. Com um roteiro denso e quase três horas de filme, o protagonista passa a enfrentar seu medo do abandono enquanto conversa sobre aceitar o passado e seguir a estrada que o levará para o futuro.
Título: Drive My Car (Doraibu mai kā)
Direção: Ryusuke Hamaguchi
Roteiro: Ryusuke Hamaguchi e Takamasa Oe
Data de lançamento: 17 de março de 2022 (Brasil)
País de origem: Japão
Duração: 2h 57min
Sinopse: Adaptado do conto de Haruki Murakami, o filme segue duas pessoas solitárias que encontram coragem para enfrentar o seu passado.
Entre distanciamentos sociais e aproximações românticas
“Se você quer olhar dentro do coração de alguém, então sua única opção é olhar profundamente para dentro de si”, diz Takatsuki para Kufuku. Em uma época de distanciamento social e perda, é difícil falar sobre Drive My Car. Não pelo conteúdo pesado de seus diálogos ou por ser mais uma adaptação de uma obra de Haruki Murakami, mas por ser sincero.
Em três anos de pandemia, perdemos muito. Entes queridos, oportunidades, tempo. Contando os minutos, horas e dias, fomos nos alongando em um constante luto. E ele parece interminável. Sem conclusão, ficamos aqui, flutuando no tempo e espaço, esperando um encerramento de ciclo. Mas como encerrar essas sensações? Como deixar os relacionamentos para trás? Os falecimentos? As mudanças? Ou melhor, o que permaneceu igual e estagnado?
Pelo olhar de Ryusuke Hamaguchi somos puxados por tantas questões e nenhuma resposta. Kufuku, que viveu na sombra de casos extraconjugais mantidos por sua esposa Oto, termina sua jornada sem conseguir responder qualquer uma das questões que lhe afligiam. A sua única certeza é que, em algum momento, vai ficar tudo bem. Precisa ficar tudo bem.
Isso porque mesmo cercado de destroços, ainda há a possibilidade de se reerguer e encontrar algum caminho. Diferente do conto de Haruki, que é situado em Tóquio, o longa é ambientado em Hiroshima. Atravessamos, com os personagens, ruas calmas e monumentos de paz, que tentam preservar as memórias assombrosas das bombas atômicas, mas também dar a sensação de encerramento. De que, de alguma forma, ficou tudo bem.
Mas, mais difícil do que se livrar dos escombros, é lidar com a culpa do sobrevivente. Com uma narrativa bem similar a de Acima das Nuvens, filme protagonizado por Juliette Binoche e Kristen Stewart, o espectador cai na mente dos personagens através de conversas densas. A partir disso, tentamos compreender o que move e machuca essas pessoas tão singulares, suas perdas e como lidam, ou não, com elas.
É angustiante como nada parece acontecer na tela, mas é uma jornada necessária para compreender o que não é dito. Curiosamente, às vezes, é repetitivo. Ao separar o filme em trabalho teatral e realidade, muitas questões permanecem de forma insistente na tela. Mas há um cuidado para que não aconteça das quase três horas de filme se tornarem cansativas.
Pelo contrário, esperamos por respostas tanto quanto o protagonista. Tentamos encontrar alguma coisa que nos acalenta, que nos ajude a superar também. Também estamos de luto. Também estamos perseverando. Assim como o Tio Vânia da peça, estamos sofrendo, tentando sair desse poço sem fundo que se tornou a pandemia. Mesmo com seu final otimista, é curioso pensar que não há receita de bolo.
Não há um jeito certo para seguir em frente. Leva tempo. Como as viagens de carro e as fitas com os ensaios de Kafuku. Elas levam tempo para serem feitas, mas também para serem memorizadas. Nada é de uma hora para outra. Nada é instantâneo. Muito menos Drive My Car. Um filme que consegue dizer muito mais do que já diz.
Drive My Car está disponível nos cinemas e chega ao Mubi no dia primeiro de abril.
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