Crítica: Andor, Temporada 1
Crítica: Andor, Temporada 1
Com maturidade e desapego ao passado, série do Disney+ prova que ainda existem ótimas histórias no universo de Star Wars
Quem diria que, em uma galáxia tão distante, Cassian Andor se tornaria o protagonista da produção mais interessante do universo de Star Wars dos últimos anos. Já não é de hoje que a franquia iniciada por George Lucas, lá em 1977, sofre com o excesso de nostalgia e um apego desgastante ao passado. A era Disney da Lucasfilm parecia, dessa maneira, perdida em si mesma.
Eis que, entre uma trilogia sequel divisiva e derivados esquecíveis, a primeira temporada da série Andor desembarca no Disney+. Uma ideia que, à primeira vista, parecia demasiadamente arriscada, mas que se provou o oposto. Criada por Tony Gilroy, o spin-off de Rogue One: Uma História Star Wars (2016) conseguiu mostrar que ainda existem algumas pérolas escondidas na franquia, que entrega seu produto mais maduro e ousado até o momento.
Ficha técnica
Título: Andor
Criação: Tony Gilroy
Roteiro: Tony Gilroy, Dan Gilroy, Beau Willimon e Stephen Schiff
Direção: Toby Haynes, Benjamin Caron e Susanna White
Ano: 2022
Emissora/Streaming: Disney+
Número de episódios: 12 (1ª temporada)
Sinopse: A série Andor explora uma nova perspectiva da galáxia de Star Wars, focando na jornada de Cassian Andor para descobrir a diferença que ele pode fazer. A série traz a história da crescente rebelião contra o Império e como pessoas e planetas se envolveram. É uma era cheia de perigos, enganos e intrigas onde Cassian embarca no caminho que está destinado a transformá-lo em um herói rebelde.
Rebeldes do mundo, uni-vos
Para Cassian Andor (Diego Luna), liberdade era poder passar despercebido pelas correntes sufocantes do Império. Acordar, ganhar o pão de cada dia e dormir. Repetir isso mais uma vez no próximo amanhecer, e mais uma vez no outro.
Em contrapartida, um governo totalitarista seguia aumentando seu domínio na galáxia, esmagando ideias divergentes na base do medo. O lado sombrio crescia de maneira amedrontadora e parecia cada vez mais imbatível, inquebrável e impiedoso.
Como vencer, então, um regime autoritário e excludente se você é apenas mais um no meio da multidão? Bom, Cassian Andor não está muito preocupado com isso a princípio. Mas, se você prestar muita atenção, vai perceber que há um espírito rebelde ali, apenas esperando que um empurrãozinho o liberte.
Este é, em partes, o cerne da premissa de Andor: acompanhar um personagem não tão carismático assim durante a Era do Império, enquanto a Aliança Rebelde dá seus primeiros suspiros de vida. Um período nebuloso e sombrio da galáxia, que já foi apresentado diversas vezes ao longo da franquia, mas não da forma como a série do Disney+ faz.
Isso porque o que vemos em Andor é uma história contada de baixo para cima, ou seja, a partir de um ponto de vista do comum, do corriqueiro, daqueles que sentem na pele diariamente o que é viver sob um sistema totalitário. Esqueça seres dotados de poderes místicos, ou o embate entre Jedi e Sith. O que interessa aqui é o cidadão comum, o trabalhador, o excluído, o invisível. Todas as pessoas que precisam continuar vivendo, apesar de (insira aqui todas as atrocidades do governo imperial). E é esse “apesar de” que contém as nuances e simbologias políticas que Star Wars sempre teve, mas de um jeito diferente.
Desde os primeiros segundos, o telespectador sente que está diante de algo único na franquia. Com a ajuda de uma fotografia “apática”, o tom da série assume um caráter um tanto quanto esquisito e desconfortável, como se aquilo não fosse o Star Wars que estamos acostumados a ver. Mas isso não é ruim, muito pelo contrário: ainda é Star Wars, mas de um jeito mais maduro, mais político, mais pessimista e mais pé no chão.
Ao deixarmos de lado os poderes da Força, é possível perceber que a luta contra o Império foi impulsionada por pessoas comuns, como você ou eu. Foram aqueles indivíduos que construíram uma rebelião, ou melhor, uma revolução contra poderes totalitaristas.
São pessoas como Cassian Andor que, mesmo resistentes em um primeiro momento, sabem que uma revolução não se cria sozinha, muito menos eclode da noite para o dia. É preciso planejamento, investimentos, consciência de classe. É preciso resgatar dentro de si uma força para lutar e lembrar de que, como dizia um poema de Emily Dickinson, mesmo em tempos turbulentos, não estamos sozinhos. Afinal, a esperança está sempre ali nos dando encorajamento e forças para continuar.
Andor é o exemplo vivo disso, embora seja um personagem difícil. Não é fácil gostar de Cassian. Mesmo com alguns flashbacks desconexos sobre sua infância no início da temporada (que não acrescentaram muita coisa na narrativa, diga-se de passagem), o rebelde parece não se esforçar para conquistar a nossa atenção e acaba ficando em segundo plano diante de outras figuras mais carismáticas como Maarva (Fiona Shaw), Bix (Adria Arjona) e Luthen (Stellan Skarsgård).
Contudo, a performance de Diego Luna é consistente ao mostrar exatamente isto: o conflito entre querer se afastar daquela guerra o mais rápido possível, mas ao mesmo tempo não conseguir deixar de lado o ódio por todas as injustiças provocadas pelo Império. Aqui, é a injustiça contra seu povo e contra ele mesmo que o radicaliza, que o torna rebelde. Luna consegue mostrar isso mesmo de maneira contida (algo que o próprio personagem pede) através dos gestos, das ações e até mesmo de olhares.
Mas, como dito, uma rebelião não se cria sozinha. Tendo como ponto de partida a visão de mundo de Andor, acompanhamos os primórdios da Aliança Rebelde, que se beneficiou em grande parte da coragem de pessoas comuns, mas que também precisou da ajuda daqueles que estavam dentro do sistema, como a senadora Mon Mothma (Genevieve O’Reilly).
O núcleo que nos apresenta aos embates políticos do Senado é um dos mais interessantes de Andor. A série consegue captar a essência da questão, indo ainda mais além das representações que vemos na trilogia prequel, mesmo que cada uma aconteça em diferentes períodos temporais. É como se aquilo que é dito nas entrelinhas, em filmes como A Ameaça Fantasma, fosse escancarado na série, mostrando como as falcatruas, a sujeira e a briga entre egos dentro de um sistema político corrupto e ditatorial silenciaram (e torturaram) vozes dissonantes na galáxia.
Tente outra vez
Sendo uma história essencialmente política (como sempre foi desde o primeiro filme da franquia), Andor não poderia ignorar essa realidade. É dessa forma que Tony Gilroy, o criador da série, prova que entendeu as simbologias de Star Wars e soube como usá-las de um jeito inovador, desta vez olhando para o povo que foi afetado pelo governo imperial e como eles se organizaram para enfrentar o sistema.
Sistema este que está repleto de intrigas, segundas intenções e disputas por poder. Dedra Meero (Denise Gough) e Syril Karn (Kyle Soller), por exemplo, são os dois exemplos mais notáveis do núcleo que apresenta as movimentações internas do Império. Enquanto uma tenta usar sua inteligência para superar seus colegas de trabalho, o outro é tão obcecado pela ordem que não consegue mais enxergar pelo canto do olho. Ambos são coniventes a um governo opressivo e que sustenta a tirania, quase como se encontrassem conforto naquilo que eles acreditam ser o “progresso”.
Porém, por mais que aparente ser um sistema inquebrável, destruir o Império não é uma tarefa impossível. Difícil, com certeza, mas não impossível. É claro que, muitas vezes, lutar contra um sistema tirânico pode parecer uma tarefa inútil. E Andor consegue explorar muito bem essa atmosfera pessimista, indo contra a maré de otimismo que encontramos em muitas obras de Star Wars. Ainda assim, a série deixa claro que são as tentativas e a esperança de construir um mundo melhor que impulsionam uma rebelião.
É por essas e outras que a série do Disney+ é tão competente naquilo que se propõe a fazer, mesmo deslizando em algumas escolhas desconexas (olá, flashbacks do passado de Cassian). Além disso, Andor também consegue manter o equilíbrio entre os momentos de calmaria e aqueles que exigem uma movimentação mais acelerada, fazendo isso com uma identidade própria e se desapegando do passado para construir um universo só seu.
Talvez seja essa linha fora da curva o que mais encanta em Andor. Afinal, dizer que Star Wars sofre com o excesso de nostalgia é constatar o óbvio. Claro que a culpa não é inteiramente da franquia, afinal o próprio sistema no qual ela se insere também abraça o mesmo mal hoje em dia.
Todavia, a era Disney parecia sufocada pelo próprio legado da saga galáctica, quase como se tivesse medo de ousar. Foram poucas as vezes em que o estúdio tentou superar essa questão, como no excelente Os Últimos Jedi, o filme de Rian Johnson que dividiu os fãs da saga em 2017, e o arriscado Rogue One: Uma História Star Wars. Por outro lado, produções como The Mandalorian e Obi-Wan Kenobi enfrentam à sua maneira seus próprios monstros, muitos deles apoiados no carisma de personagens queridos e, claro, no apego ao que ficou para trás.
Em vista disso, a primeira temporada de Andor abre espaço para uma nova visão do universo de Star Wars, que conta com uma dinâmica mais madura e que te faz repensar o próprio legado da saga. Entre tentativas e erros – assim como a luta de Cassian Andor e a trajetória da Aliança Rebelde – a franquia ainda tem muita história boa para contar. Mesmo que se perca em alguns momentos, ela pode ser encontrada se houver alguém disposto a trazer um novo olhar (como Tony Gilroy fez com Andor), sem se apoiar no conforto da nostalgia. Afinal, como Raul Seixas cantou um dia, se é de batalhas que se vive a vida, você só precisa tentar outra vez. A reflexão serve tanto para a narrativa da série do Disney+, como para Star Wars. É no tentar que se acerta. E, se você errar, pode tentar de novo. Não há nada de errado nisso, pois coisas incríveis podem surgir ali.
A primeira temporada de Andor está disponível no Disney+.
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