Crítica: A Hora do Desespero usa tiroteios escolares para criar suspense fraco e drama apelativo
Crítica: A Hora do Desespero usa tiroteios escolares para criar suspense fraco e drama apelativo
Naomi Watts e a sensação de “ansiedade digital” são os poucos destaques de uma produção medíocre de pandemia
Recém-lançado nos cinemas brasileiros, A Hora do Desespero quer muito ser um filme relevante. O novo longa de Phillip Noyce (Salt) busca criar um intenso drama a partir de um dos tópicos mais sensíveis dos últimos anos: a infeliz epidemia de tiroteios escolares e massacres nos Estados Unidos.
Na tentativa de apelar ao sentimentalismo, o filme simplifica um dos maiores problemas da cultura armamentista dos EUA de forma grosseira, mas não significa que faz de tudo errado. Na verdade, seus poucos acertos soam quase como acidentes.
Ficha técnica
Título: A Hora do Desespero (The Desperate Hour)
Direção: Phillip Noyce
Roteiro: Chris Sparling
Data de lançamento: 9 de junho de 2022 (Brasil)
País de origem: Estados Unidos
Duração: 1h 24min
Sinopse: Uma mãe corre desesperadamente contra o tempo para salvar seu filho enquanto as autoridades fecham sua pequena cidade.
O longa segue Amy (Naomi Watts), uma mulher que se vê sufocada pelo cotidiano e decide tirar um dia para cuidar da saúde mental, com uma boa corrida pela floresta. O sossego chega ao fim quando descobre que a escola de seu filho se tornou palco de um atentado. Isolada, ela busca uma forma de retornar à cidade para resgatá-lo.
Mesmo que você não saiba das histórias de bastidores, é uma obra que transparece ter sido filmada na pandemia. A decisão de seguir apenas a mãe correndo pela floresta, sem nenhum outro ambiente ou sequer contato humano em carne-e-osso, evidenciam bastante isso, e acabam por tornar o filme impessoal de certa forma. Há um contraste bastante curioso entre o sentimento de empatia que a trama tenta despertar no espectador, e a frieza e solidão com que tudo é rodado.
É bom dizer que se você vai acompanhar uma mulher completamente em choque pela possibilidade de perder o filho por quase 1h30, que seja Naomi Watts. A atriz, conhecida das obras de David Lynch como Cidade dos Sonhos e Twin Peaks: The Return, é o grande motivo pelo qual o filme não é uma porcaria por completo.
Seja na descrença, no surto ou na urgência, é ela quem eleva o precário material que recebeu para trabalhar, e entrega algo que até consegue entreter e segurar o espectador até nos momentos mais excessivamente melodramáticos. Carregar um filme inteiro nas costas não é tarefa fácil, e tirar um mínimo de sensibilidade de algo apelativo é ainda mais complexo.
O sentimentalismo de A Hora do Desespero raramente dá certo, por mais que Naomi Watts tente resgatar o filme. Se colocar na perspectiva de um pai descobrindo que o filho está em sua situação tão extrema por si só é uma premissa forte, mas o longa nunca desenvolve uma relação minimamente humana entre a mãe e o jovem Noah (Colton Gobbo) para que o espectador possa se conectar.
Ao invés disso, o filme apela para tentar despertar qualquer tipo de reação. Em um momento, há a suspeita de que Noah seja o responsável pelo massacre (o que seria uma boa premissa se bem feita, convenhamos) por conta do jovem estar deprimido pela morte do pai e sofrer bullying na escola. Já em outro, ele se torna refém do verdadeiro atirador em uma tentativa de aumentar a urgência da trama.
Quando o longa fica mais autoconsciente do péssimo trabalho que faz ao não dar nada para o público se importar, chega até a mostrar fotos de um suposto Noah criança para tentar arrancar algum pingo de emoção – sem sucesso, claro.
Não há exatamente um problema com a abordagem do filme, visto que explorar o ângulo dos pais das infelizes vítimas deste tipo de tragédia é relevante e pontual. Mas o amadorismo do roteiro e da direção criam uma simplificação perigosa de uma brutalidade que ocorre quase semanalmente nos Estados Unidos.
Em A Hora do Desespero, não há nada sobre o processo de radicalização que leva jovens a cometerem tais atrocidades, e mesmo o massacre em si é altamente reduzido – um ataque que mal deixa vítimas soa insensivelmente esperançoso quando, na vida real, 19 crianças se tornam vítimas em questão de minutos. Já no mundo do filme, tudo se torna um problema que pode ser resolvido com conversa honesta e muita empatia.
A ideia da “resolução através do diálogo” é especialmente decepcionante visto que um dos poucos acertos do filme é justamente transmitir uma sensação de impotência. Como produção no auge da pandemia, tudo foi rodado isolado no meio do mato, portanto a ação acontece à distância. A única forma de contato de Amy com o pesadelo que vive seu filho é a pequena tela de um celular.
Ironicamente, por mais que seja um filme dramático sobre tiroteios em massa, o aspecto mais poderoso da obra é a forma como retrata essa ansiedade digital. Nos anos de isolamento social, a internet se tornou a única forma de se manter em contato com os demais, mas o cotidiano pelo celular pode tanto facilitar quanto torturar.
O longa acerta nessa dualidade, seja quando Amy é incomodada por inúmeras tarefas pendentes durante sua corrida pela floresta, ou então quando é tomada pelo horror da tragédia em vídeos, fotos e depoimentos dos sobreviventes. Essa abordagem dificilmente parece intencional, e também não é nada profunda, mas representa bem como a maioria de nós lida com essas situações de violência extrema que acontecem regularmente: sem poder ajudar em nada, mas incapaz de desviar a sua atenção do ocorrido.
A Hora do Desespero tem intenções nobres, e acredita que uma mensagem de paz e empatia seja o suficiente para distrair de sua execução precária. Infelizmente, seus defeitos gritam mais alto do que suas qualidades, e por mais que o filme consiga entreter por um tempo, rapidamente se torna arrastado pela falta de inventividade da direção e pelo sentimentalismo barato que exala.
Nota: 1.5 de 5
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