Cavaleiro da Lua 1×06: Deuses e Monstros
Cavaleiro da Lua 1×06: Deuses e Monstros
Primeira temporada acaba como começou: caótica e disfuncional
Um vilão ameaçador finalmente se faz presente. O herói ganha uma nova habilidade (ou traje) que o torna poderoso o bastante para deter seu inimigo. Cenas de luta insanas. Outro personagem avulso também conquista seu espaço e agora se junta à ação. Eu podia estar falando de WandaVision, Falcão e o Soldado Invernal, Loki ou mesmo Gavião Arqueiro, mas hoje é dia de comentar a final de Cavaleiro da Lua.
E essa enumeração inicial dos fatores se deve por um motivo: muito se fala a respeito de uma “Fórmula Marvel” nos cinemas. Particularmente, não concordo muito com essa prerrogativa porque, ao menos nos filmes, já há um nível bem diferente entre as diversas produções e nem todas se encaixam nesse padrão – basta pegar Eternos ou Guerra Infinita como exemplo. Porém, nas séries do Disney+, a coisa muda de figura.
Ao longo das cinco produções em live-action lançadas até agora, a Marvel Studios parece mais interessada em fazer “filmes divididos em partes”, que seguem à risca a estrutura de três atos, que produções realmente diferentes entre si. Até mesmo o tom dessas séries não varia muito, com exceção de WandaVision e Falcão e o Soldado Invernal, que por sua vez ainda tentam trazer algo novo para a mesa.
Com a nova série que acaba de ter seu episódio final lançado nesta quarta-feira (04), nós temos uma repetição de tudo que já havia sido feito anteriormente – principalmente o tique do “final apressado que só serve para nos dar ganchos de uma eventual segunda temporada“. Mas isso é normal, afinal, a Marvel e a Disney não estão interessadas em viver no presente.
Essa é uma reclamação que muitos fãs têm com as séries até o momento: elas parecem teasers super alongados e com poucas variações. Você nunca está preparando a série em si, mas sim o que vem depois, o futuro dos heróis que são representados ali. Não é surpresa que WandaVision é uma escada para Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (mesmo com todos os seus méritos) e Falcão e o Soldado Invernal serve para preparar o terreno para um novo filme do Capitão América nos cinemas.
Por outro lado, Cavaleiro da Lua compartilha mais similaridades com Loki. Mesmo com seus mistérios e ideias originais, a série está apenas “preparando o terreno” para uma segunda temporada, onde poderá trabalhar com uma certa liberdade nos temas e tramas apresentados no primeiro ano. Por esse motivo, o final é propositalmente despido de uma conclusão.
E entenda: por conclusão, não quero dizer que a história de Steven Grant e Marc Spector devia terminar aqui. É óbvio que o personagem será utilizado novamente, afinal, essa é a estrutura básica que consolidou o império do MCU ao longo de todos esses anos: você apresenta um personagem, conta sua história e monta o terreno para que ele possa aparecer em outras produções e interagir com outros heróis.
O problema é quando toda a história gira em torno de deixar teasers e pistas para o futuro. E por mais que o quinto e esse último episódio sirvam para dar uma completa guinada na produção, me fazendo gostar de algumas coisas em vez de coisa alguma, como estava sendo nos quatro primeiros capítulos, há um problema severo nesse planejamento que me fez não gostar tanto do encerramento – mesmo com boas cenas de ação e uma expansão da mitologia.
Mas vamos por partes.
O capítulo começa com Arthur Harrow conseguindo finalmente libertar Ammit, que planeja devorar as almas de todos os seres corruptos do mundo (mesmo que eles ainda não sejam corruptos). Assim, ela escolhe Harrow para ser seu avatar. Enquanto isso, Layla El-Faouly tenta libertar Khonshu para que ele possa salvar, ou ao menos vingar a morte de Marc Spector/Steven Grant.
Do outro lado do além, no pós-vida egípcio, Spector finalmente consegue se conciliar com seu outro eu, fazendo com que Steven Grant renasça e os dois agora se tornem um só, sendo capazes de partilhar o mesmo corpo e transitar em liberdade, sem que um tome o domínio do outro. Eventualmente, eles são libertados e retornam para o mundo dos vivos, assumindo mais uma vez a persona do Cavaleiro da Lua.
E tudo isso leva a uma guerra colossal: enquanto o Cavaleiro enfrenta Arthur Harrow pelo Cairo, vemos Khonshu e Ammit em uma honesta trocação de socos na base das pirâmides. Porém, o conflito acaba abruptamente quando uma outra personalidade se apodera do corpo de Marc/Steven e quase mata Harrow. E é exatamente nesse último ponto onde meus problemas moram.
Mesmo com todos os meus problemas, estava até gostando do final de Cavaleiro da Lua. As cenas de ação, pela primeira vez na série, estavam muito bem coreografadas e a direção de Mohamed Diab favorecia ainda mais o peso desse confronto. Melhor ainda era a batalha de Ammit e Khonshu, provando a grandiosidade dessas duas divindades e servindo como um gostinho do que poderemos ver na orgia de deuses que será Thor: Amor e Trovão.
Até mesmo a transformação de Layla em Avatar de Tuéris – também conhecida como “você é uma super-heroína do Egito?” – estava sendo interessante, dando à personagem um propósito maior na narrativa depois de ter passado cinco episódios sendo apenas uma escadinha para Marc/Steven. Porém, a “introdução”, se é que podemos falar dessa forma, de Jake Lockley não me desce.
Analisando friamente, é um deus ex-machina dos mais cafajestes, por mais que a série ainda tenha dado pistas aqui e acolá sobre sua existência. Porém, o que mais me incomoda é apoiar toda a resolução do confronto contra Arthur Harrow em um mero teaser para uma próxima temporada, quando fazia muito mais sentido dar a Marc e Steven uma resolução emocional para que pudessem lidar com seu próprio inimigo.
Dito isso, gosto da cena pós-créditos. Ainda que estejam transformando Jake em um sociopata violento, algo bem distante do que é o personagem nos quadrinhos, acredito que ele será um importante antagonista para o segundo ano, e acredito ainda mais que Oscar Isaac tenha a capacidade de elevar esse personagem mais do que Marc ou Steven.
Como grande fã do Cavaleiro da Lua das HQs (sim, eles existem e eu sou um deles), o que me intriga com a série não é tanto o humor – por mais que desgoste muito da forma como ele é empregado aqui – ou o “excesso” que poderia ser facilmente enxugado, transformando isso aqui em um filme de 2 horas em vez de uma série. O que me entristece é como a série não consegue sair do seguro, mesmo tendo uma roupagem original.
Essa era a oportunidade perfeita para trabalhar um pouco mais do horror das histórias do herói, que lembram muito os gibis pulp publicados nos Estados Unidos. Era a chance de trazer algo diferente, que se levasse um pouco mais a sério e conseguisse expor os traumas de Marc Spector e como sua vida foi mudada por uma entidade que ele nem sequer tem certeza de que é real.
Após ver Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, esse problema se multiplicou – não porque o filme é ruim, na verdade, justo o oposto: é uma obra insana e extremamente transgressora dentro dos moldes do MCU. Mas pelo visto, não há muito interesse em se arriscar nas séries, exceto pela primeira leva de episódios de WandaVision. E o Cavaleiro da Lua é um personagem que definitivamente necessita de riscos.
Não é algo que me ofende, mas é um pouco triste pensar que em poucos meses, o Cavaleiro da Lua será esquecido pela maior parte do público e pintado como “ah, mais um super-herói da Marvel“, quando seu potencial era ilimitado se a série tivesse um pouco mais de consideração pelo material base. Agora, voltamos para aquele eterno jogo de “confie no futuro” levantado por Kevin Feige, onde esperamos que em uma outra produção, o herói seja tratado com mais respeito e que finalmente possa se distanciar da “fórmula”.
A essa altura do campeonato, seria até ingenuidade acreditar que Cavaleiro da Lua não vai ganhar uma segunda temporada – mesmo que as médias de audiência da série tenham sido inferiores a todas as outras produções do MCU no Disney+. E, pelo menos, temos aqui um terreno fértil que pode ser explorado nas mãos de diretores e roteiristas mais competentes.
Porém, ainda resta um sentimento de amargura no fundo da garganta, não pelo que a série é em si, mas pelo que ela poderia ter sido se a Marvel Studios estivesse um pouco mais disposta a correr riscos. Oscar Isaac é um ótimo ator e brilha nos momentos em que não é engolido pelas necessidades do estúdio, mas ele definitivamente merecia algo que fizesse jus ao seu talento.
No fim, o primeiro ano de Cavaleiro da Lua termina exatamente como começou – e não apenas em sua narrativa. É caótica, inconstante e disfuncional. E isso até poderia ser motivo de elogios caso houvesse um interesse maior em solidificar o personagem e sua mitologia, em vez de apenas apresentar novos deuses para o panteão do Universo Cinematográfico da Marvel. Feliz ou infelizmente, assim como Steven Grant e Marc Spector, não lembraremos de muita coisa amanhã.
Cavaleiro da Lua está disponível no Disney+.
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