Tobey Maguire: O Homem-Aranha no começo da era dos Super-Heróis
Tobey Maguire: O Homem-Aranha no começo da era dos Super-Heróis
Como a trilogia de Sam Raimi mudou o jogo para as adaptações de quadrinhos!
Um dos heróis mais amados de todos os tempos, o Homem-Aranha já teve várias encarnações ao longo dos anos, seja nos quadrinhos, nos games, na TV e, é claro, nos cinemas. Ao total, o herói já teve três versões live-action em Hollywood e seu mais novo filme, Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, promete honrar todas as versões anteriores do herói com participações de diversos vilões – e talvez de outros Aranhas.
Mas hoje, viemos relembrar um pouco do legado do Amigão da Vizinhança que deu origem a isso tudo – o Aranha de Tobey Maguire. Ao longo de três filmes dirigidos por Sam Raimi, o personagem foi consolidado de vez nas telas de cinema e preparou o caminho para a longa era dos filmes de super-heróis que vivenciamos hoje. É hora de voltar aos anos 2000 e lembrar da Trilogia do Homem-Aranha!
A eterna pergunta: Quem é o melhor Homem-Aranha?
Sempre que o assunto é o Amigão da Vizinhança, vemos incontáveis debates e críticas na internet. Afinal de contas, quem é o melhor Homem-Aranha? Seria Tobey Maguire, com seu lado humanizado? Ou o Aranha descolado e acrobático de Andrew Garfield? Quem sabe, a versão mais “integrada” do herói, Tom Holland? Verdade seja dita, a resposta é muito difícil.
Cada Homem-Aranha está diretamente ligado a um período específico do cinema e das adaptações de super-heróis, com todos representando elementos muito próprios de sua época e de diferentes quadrinhos do personagem. Temos desde o Aranha mais clássico ao herói mais edgy dos anos 90 e, mais recentemente, um mergulho até mesmo nas mitologias de outros Aranhas para compor o universo próprio de Peter Parker.
Mas uma coisa se mantém: Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.
Por isso, nesta série de artigos que se inicia hoje, vamos nos debruçar sobre cada uma das franquias do Aracnídeo até hoje, pensando um pouco sobre como cada Aranha tem seu valor e sua importância dentro do legado construído pelo herói ao longo dos anos. Prepare-se para jogar sua teia em direção ao passado, para resgatarmos um pouco de toda a história e legado do Homem-Aranha nos cinemas!
Origens heroicas
Na década de 90, a Marvel passava por problemas severos. À beira da falência, a empresa estava fazendo um bota-fora de suas principais franquias, tentando vender para quem pudesse pagar mais, para conquistar algum retorno financeiro, mesmo que ínfimo. O Homem-Aranha foi um dos primeiros a “sair de casa”, indo nas mãos de Avi Arad – um produtor muito conhecido pela capacidade de lidar com franquias licenciadas.
Após alguns anos e várias ideias descartadas na Sony, o herói ganhava seu primeiro filme solo. Homem-Aranha foi lançado em 2002 e contava com Sam Raimi na direção – uma escolha bem improvável, mas nem tanto. Ainda que Raimi tivesse ficado famoso no horror, com filmes como Uma Noite Alucinante, ele era um grande fã de HQs de super-heróis e já tinha lançado um proto-filme de heróis na época, Darkman: Vingança sem Rosto.
O filme trazia uma história de origem bem clássica, com Tobey Maguire no papel de Peter Parker (o herói), James Franco como Harry Osborn (o amigo do herói), Kirsten Dunst como Mary Jane Watson (o interesse amoroso e a donzela em perigo) e Willem Dafoe como o sinistro Duende Verde (o vilão assustador). Mas mais do que seguir a tradicional Jornada do Herói Clássica, o filme dá um passo além para encontrar a versão reformulada disso – que foi criada por Stan Lee e Steve Ditko.
O que o primeiro Homem-Aranha fez – e que continua servindo como base para boa parte dos filmes de heróis que nós conhecemos hoje – é criar um senso de maravilha e grandeza a partir do momento que Peter Parker – um guri normal e cheio de problemas na escola – é picado por uma aranha radioativa, desenvolvendo assim poderes similares aos de um aracnídeo.
Nesse sentido, até faz sentido as polêmicas teias orgânicas, uma vez que isso mostra um herói completo que não se limita por falta de recursos para lutar (algo que é subvertido no segundo filme, já nos adiantando um pouco). Porém, mais do que isso, é o filme que mostra a grandeza da vida de um super-herói e como, no fundo, Peter continua sendo um garoto tímido e esquisito na imensidão de Nova York.
Poucos filmes conseguem replicar isso com tamanha intensidade e talvez, o único que mantenha bem acesa a chama da dualidade entre o grande super-herói e a pessoa por trás desses poderes seja Capitão América: O Primeiro Vingador, onde – por mais que ganhe um corpo novo e trincado, Steve Rogers ainda se prova um menino com grandes sonhos, esperanças e ideais, que não “vive a vida heroica” em tempo integral.
E isso nos leva a outro ponto que permeia totalmente a trilogia de Raimi: a humanidade do Homem-Aranha. É a única franquia, dentre todas as lançadas, que entende que o “Homem” vem antes da “Aranha” e faz isso com uma qualidade absurda. Só esse primeiro filme funciona absurdamente bem porque toda a origem do personagem está diretamente associada a sua vida pessoal – a morte de Tio Ben, a paixão por Mary Jane, a relação com os Osborn…
Tudo isso cria um senso de atmosfera onde o mundo gira ao redor de Peter Parker – por mais que o personagem seja completamente lascado em vários aspectos. Talvez, essa seja a maior diferença em relação ao MCU, já que aqui, o filme pode se sustentar apenas em Peter e sua jornada, sem precisar fazer ligações e easter-eggs a outras franquias. Isso não significa que seja melhor, mas definitivamente potencializa muito a jornada individual desse herói.
E mesmo as “tosquices” – como o Duende Verde em roupa de Power Ranger – funcionam pela época. É um filme muito bonito e imaginativo, que faz o melhor uso dos efeitos da época e que conta com cenários lindos, direção de arte impecável e um gênio na direção que é Sam Raimi. Talvez, até hoje, seja um dos filmes de origem mais sólidos que já tivemos na história do cinema de super-heróis.
Crise de fé
E é por conta disso que Homem-Aranha 2 funciona tão bem. Se o primeiro filme vem para pavimentar o caminho e colocar flores, a sequência lançada em 2004 decide mudar o calçamento. Com Raimi muito mais confortável no seu posto de diretor, o longa aproveita para mergulhar ainda mais no que torna o Homem-Aranha esse herói tão famoso e adorado – e mais uma vez, tudo gira em torno de Peter Parker.
Embora siga a risca o modelo de um filme de super-heróis, com suas lutas espetaculares e seus personagens mais do que marcantes, o filme aborda elementos ainda mais “cabeça”, já que o personagem está passando por uma crise de fé do começo ao fim. Enquanto o longa original coloca o vilão “no outro” (o Duende Verde), aqui até temos um vilão principal, mas a maior ameaça está no próprio Peter, que está perdendo seus poderes e suas habilidades.
Tudo isso sempre é mostrado, mas nunca explicado ao longo do filme… ao menos, não em uma cena expositiva cheia de firulas e diálogos óbvios. A “queda” de Peter se manifesta por conta de seus próprios problemas pessoais – ele está sempre cansado, nunca tem dinheiro no bolso e precisa viver a vida de Aranha todos os dias, o que compromete seus relacionamentos pessoais e até seus empregos.
E curiosamente, Sam Raimi consegue criar um vilão que é a manifestação física disso. Otto Octavius também fica obcecado com seu trabalho a ponto de perder sua esposa, sua reputação e se tornar um vilão – ainda que não seja um homem mau por natureza. É aqui que entra um dos maiores brilhantismos da trilogia de Raimi, que é a de pegar os vilões mais “bobos” dos quadrinhos e dar a eles histórias complexas e motivações muito reais.
Otto é exatamente o que Peter seria se não tivesse os ensinamentos de Tio Ben e Tia May e se dispusesse de grana o bastante para fazer o que desse na telha. Ele é um idealista, que acredita em um futuro melhor a partir da criação e manipulação de uma forma de energia sustentável, mas sua obsessão se torna tão grande que ele é incapaz de ver o quanto suas ações são cruéis e terríveis – enquanto, é claro, é manipulado por seus braços mecânicos.
O que mais me encanta em Homem-Aranha 2 é justamente essa ideia de como um herói precisa passar por suas provações mesmo depois que já se consolidou com seu traje e seus poderes. É o filme que mais “joga dificuldades” na vida de Peter, e por mais que ele consiga superá-las no final, é o tipo de jornada transformadora que fará com que sua vida jamais seja a mesma novamente.
De quebra, ainda é um filme que mostra ainda melhor a dinâmica de Sam Raimi como diretor – aqui ele investe em tudo o que pode para criar a experiência mais imersiva possível, seja nas cenas em que Peter está se balançando pela cidade ou até mesmo em momentos mais intimistas, como a icônica cena em que ele abandona seu traje em uma lata de lixo, em referência às páginas de The Amazing Spider-Man #50.
E esse, pra mim, é o filme que melhor trabalha também o relacionamento de Peter com Mary Jane Watson. Ainda que tenha sido redescoberta nos últimos anos por uma parcela de fãs, a atuação de Kirsten Dunst é realmente boa aqui. É claro que ela sofre o problema de sempre ser a “donzela indefesa” em todos os filmes e, em uma sensibilidade atual, isso é criticável – mas ao mesmo tempo, ela cumpre bem o papel de uma “pessoa real” envolvida com um herói.
E não podia esquecer de falar das cenas de ação. A impressão que tenho, talvez pela época ou pelas limitações de orçamento e de tecnologia, é que o Aranha de Tobey Maguire passa mais tempo como Peter do que como Aranha de fato. Isso ajuda a criar um senso mais próximo, explorar melhor a vida pessoal do herói e trabalhar a dualidade entre essas duas personas.
Mas aqui, a ação é impagável. Todos os momentos em que o Aranha precisa enfrentar Octopus são magnânimos e ainda temos a deliciosa cena do trem, que é empolgante, instigante e ajuda a desenvolver a história, não sendo só uma “pausa para a porrada”. Aliás, toda a cena em que o povo do trem descobre a identidade do Homem-Aranha e promete não contar para ninguém é absurda de linda – e só um filme conseguiu chegar perto disso: Hannah Montana: O Filme. Quem assistiu sabe do que eu tô falando.
A decadência de um herói
E agora chegou a hora de falar do infame terceiro filme, não é mesmo? O filme que matou a trilogia e colocou o nome do Amigão da Vizinhança na sarjeta até um novo reboot; o filme que estragou o Venom para todos os fãs que o vilão tinha antes do filme solo estrelado por Tom Hardy; o filme mais amaldiçoado de todos os tempos… E pera lá, vamos com calma mas… Homem-Aranha 3 é definitivamente um filme muito bom.
Eu sei, eu sei. Nesse momento você já está fechando a página do site e indo me xingar no Twitter e, particularmente? Eu não me importo. Já defendi filmes piores. Mas acho que Homem-Aranha 3 é o caso clássico do filme que as pessoas só não gostam por reação de manada – e venhamos e convenhamos, é fácil desgostar de um filme quando todo mundo diz que ele é ruim.
Mas a verdade é que esse terceiro, em particular, tem muitas coisas boas envelopadas em alguns problemas – para começo de conversa, Sam Raimi realmente não gostava do Venom e não queria colocá-lo no filme, mas a Sony o obrigou. O resultado nesse caso é questionável, para dizer o mínimo, mas ainda é muito interessante e inteligente a forma como Raimi trabalha o principal antagonista do filme: o próprio Peter Parker.
Se o primeiro filme traz a história de origem e o segundo mostra a crise no paraíso, o terceiro tinha tudo para ser o filme mais “suave” pois é aqui que a vida de Peter Parker está no melhor ponto possível: ele é um ótimo aluno na faculdade, tem uma namorada linda e compreensiva, tem lá seus problemas financeiros mas consegue resolvê-los sem muito estresse. Então o que dá errado? O Homem-Aranha, é claro!
Esse filme mostra como a fama sobe à cabeça de Peter e o transforma em uma pessoa egoísta, arrogante e que só pensa em si mesmo – e isso tudo antes da chegada do simbionte, viu? É muito interessante, porque é a chance de nos debruçarmos sobre como os heróis mudaram de lá para cá. Se antes o egocentrismo era visto como algo perigoso e anti-heroico, hoje os heróis precisam de uma dose disso para serem populares – vide o Homem de Ferro.
E por mais que alguns falem sobre o “excesso de vilões do filme”, a real é que cada um deles está ali para testar um limite e um ponto fraco do nosso protagonista. O Homem-Areia traz o questionamento: Peter é capaz de perdoar? O novo Duende Verde muda a figura e fala: Peter pode ser perdoado? E o Venom, apesar de pouco desenvolvido, está lá para dizer: Esse herói tem muita luz no coração… mas também muita treva.
Tudo isso cria um Aranha ainda mais complexo e bem desenvolvido, que foge um pouco do Aranha “mais famoso” dos quadrinhos, que sempre precisa ser um ícone da juventude e da adolescência. Em vez disso, essa versão do herói é adulta, madura e precisa lidar com questões muito mais profundas a respeito de sua própria identidade e seu papel no mundo.
Além disso, é a franquia que melhor trabalha a relação do Homem-Aranha com o povo de Nova York, algo que é muito importante nos quadrinhos mas que foi um tanto esquecido em Espetacular e na saga da Casa. Em vários momentos, Raimi brinca com cenas “avulsas” que só mostram a reação de pessoas normais ao Homem-Aranha – e isso pode parecer bobagem, mas ajuda a criar um laço simbiótico entre a cidade e seu herói.
O terceiro filme pode até ser odiado por muitos e criticado por alguns momentos cafonas (como o Peter emo – que eu defendo até o fim dos dias porque, afinal de contas, é a visão de um cara que nunca foi descolado sobre o que é ser uma pessoa descolada). Mas a verdade é que é o filme mais disposto a brincar com algo que todos os filmes de heróis falham atualmente: as trevas internas dos próprios heróis.
É por isso que temos vários filmes com vilões que agem como “duplos”, tendo os mesmos poderes do herói, só que malvados e brutos. Esse filme troca o disco: o “duplo” é o próprio Homem-Aranha. E beleza que isso depois é externalizado no Venom, mas ainda temos uma forte demonstração de todos os estragos que o Homem-Aranha causa em seu lado mais “sombrio” – seja com Mary Jane, com Harry Osborn ou até com a Tia May.
E é no meio desses (vários) acertos e (poucos) erros que a trilogia do Homem-Aranha de Sam Raimi se destaca, principalmente se levarmos em conta que esses filmes surgiram bem antes de todo o Universo Cinematográfico da Marvel e outras franquias milionárias. São filmes simples, bonitos e que partem da visão de um diretor cheio de personalidade e de tesão pela sua arte.
Mas mais do que isso, são filmes feitos em uma época menos cínica, onde o heroísmo era valorizado mas os heróis tinham a chance de encararem seus próprios abismos dentro deles mesmos, e não apenas em vilões. É isso que faz com que esses filmes sejam tão lembrados até hoje, e tudo por mostrar um Aranha que, apesar de ter ideais brilhantes, não cai em uma caricatura do “herói perfeito”.
Tobey Maguire dá vida a isso com muita intensidade. Há quem diz que ele não seja um bom Homem-Aranha já que seu senso de humor não é dos melhores e ele é muito mais “silencioso” que seus sucessores. E pode até ser, mas como Peter Parker ele dá um verdadeiro banho de como é ser um herói humano e cheio de problemas, que pode até chegar ao fundo do poço mas não vai deixar de lutar para salvar as pessoas ao seu redor. Esse aqui entende que com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.
Homem-Aranha: Sem Volta para Casa estreia no dia 16 de dezembro.
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