Por que Stephen King odeia O Iluminado de Stanley Kubrick?
Por que Stephen King odeia O Iluminado de Stanley Kubrick?
Entenda a treta entre King e Kubrick envolvendo a adaptação de O Iluminado para os cinemas
Stephen King é, sem dúvidas, um dos maiores autores de horror da literatura. Stanley Kubrick foi, sem dúvidas, um dos maiores diretores do cinema. Os dois já cruzaram caminhos em O Iluminado, adaptação de 1980 da obra de King pelas mãos de Kubrick – e o resultado é simultaneamente um dos melhores filmes de terror da história, e uma das tretas mais notórias do entretenimento.
Do lançamento até aqui, o autor sempre deixou claro seu desgosto pelo filme, ainda que seja um dos clássicos do cinema como um todo. Mas a história por trás dessas desavenças?
Por que Stephen King não gosta do filme de O Iluminado?
Stephen King é um autor com uma bibliografia gigantesca. De 1974 até os dias de hoje, ele escreveu e publicou cerca de 60 livros, e mais de 200 contos. Porém os primeiros anos de sua carreira foram um pouco turbulentos, marcados por vício em álcool, cocaína e tragédias. Foi nesse contexto que surgiu O Iluminado, originalmente publicado em 1977.
A trama acompanha Jack Torrance, um escritor que se vê atormentado pelas forças sobrenaturais do Hotel Overlook, onde aceita a posição de zelador durante o período de inverno. Cada vez mais levado ao limite, sua insanidade coloca a vida de sua família em risco. Se ficou claro até o momento, toda a premissa é uma alegoria ao momento que King passava: o autor temia o descontrole quando estivesse bêbado ou drogado, acreditando que podia acabar machucando sua esposa ou filho. Como o próprio já falou várias vezes, O Iluminado é uma história muito pessoal para Stephen King.
Stanley Kubrick não viu do mesmo jeito que o autor. O cineasta modificou a história para criar uma aura de suspense muito eficiente, mas que desagradou King profundamente. Dentre os maiores incômodos estão a figura de Jack Torrance (vivido por Jack Nicholson) que, segundo o autor, é visivelmente insano desde o início, e a mudança na conclusão da trama.
No livro, o protagonista consegue lutar contra a influência sobrenatural do Overlook por um momento, o suficiente para alertar sua esposa e filho a fugirem para não morrerem em suas mãos. No filme, porém, Jack morre congelado após uma intensa perseguição, acabando com qualquer chance de redenção ou humanidade.
Sem nem citar que o longa abriu mão de qualquer menção sobre o que é um ser Iluminado, ou o protagonismo do garoto Danny Torrance, a caracterização da esposa Wendy (Shelley Duvall) é um ponto que King crítica até os dias de hoje. Em 2013, quando estava escrevendo a continuação, Doutor Sono, o autor falou sobre a personagem do filme em uma entrevista à BBC (via IndieWire):
“Uma das personagens mais misóginas já colocadas em um filme. Ela basicamente está lá para gritar e ser estúpida. Essa não foi a mulher que eu escrevi.”
O comentário de Stephen King não só toca no tratamento que foi dado à Wendy no roteiro mas também, claro, à forma que a atriz Shelley Duvall foi tratada por Stanley Kubrick, constantemente levada ao ponto de ruptura com abuso verbal e centenas de takes em sequência, sem espaço para descanso.
A força da obra de Stanley Kubrick é justamente criar um terror minimalista, focado na atmosfera e no clima macabro. Nesse processo, o texto de Stephen King foi colocado de escanteio em nome da estética. O autor, porém, já reconheceu a técnica do diretor, mesmo que sempre com um pé atrás pela abordagem.
Stephen King nunca desistiu de O Iluminado
Apesar de sempre criticar a adaptação, é visível que O Iluminado – o livro original – continua muito importante para Stephen King. Logo em 1997, ele se juntou ao cineasta Mick Garris (Histórias Maravilhosas, Criaturas) para adaptar o próprio trabalho, dessa vez em forma de minissérie – e com roteiro pelo próprio autor. O projeto é altamente divisivo: muitos consideram um grande fracasso, mas os fãs de King apreciam a maior fidelidade ao livro.
Mesmo com a desavença com a icônica versão de Stanley Kubrick, e a percepção pública de fracasso da sua própria versão, Stephen King retornou à trama em 2013 com Doutor Sono. O livro traz o retorno de Danny Torrance, dessa vez como um adulto traumatizado, com medo de cometer os mesmos erros do pai. Seis anos depois, em 2019, o autor deu sua bênção para o cineasta Mike Flanagan (A Maldição, A Missa da Meia Noite) adaptar a sequência para as telonas. Diferente do clássico, o resultado agradou bastante Stephen King.
Após assistir ao filme de Doutor Sono, estrelado por Ewan McGregor (Star Wars), o autor declarou no Twitter:
“Mike Flanagan é um diretor talentoso, mas também um excelente contador de histórias. Esse filme é muito bom. Você vai gostar se gostou de O Iluminado, mas também vai apreciar se gostou de Um Sonho de Liberdade. É muito imersivo.”
Ainda que tenha um pé atrás com O Iluminado de Stanley Kubrick, Stephen King não se deixou moldar pela polêmica. Hoje sóbrio e limpo das drogas, o autor passou as décadas seguintes escrevendo (muito), levando seu trabalho para as telas, e exaltando as produções de terror que gosta em suas redes sociais. Já Kubrick faleceu em 1999, mas sua obra ajudou a moldar todo o horror ao elevar o nível da estética e atmosfera do gênero.
No fim das contas, não é preciso escolher um lado nessa briga – apenas entender as motivações de cada um dos participantes, e apreciar ambas as obras pelo o que são.
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