Review: Kena Bridge of Spirits é um jogo bonito e cativante, apesar de seus muitos problemas
Review: Kena Bridge of Spirits é um jogo bonito e cativante, apesar de seus muitos problemas
Jogo é um bom título de estreia para a Ember Lab, mas tropeça diversas vezes ao longo do caminho
Anunciado em 2020, Kena: Bridge of Spirits chamou a atenção com seu visual e carisma, conquistando o interesse do público com seu potencial. Após sofrer com atrasos e adiamentos, o game finalmente chegou ao PlayStation este mês, permitindo que os jogadores experimentem a história de Kena e explorem o belo mundo da protagonista ao lado dos rots – criaturinhas fofas que tem um papel maior na trama do que que aparentavam no princípio.
Apesar de possuir visuais realmente bonitos, o game tropeça em problemas técnicos que atrapalham o que o título poderia ser. Cativante, ainda que sem grande impacto, Kena é um começo promissor para seu estúdio, mas não se sobressai o suficiente para ser considerado excelente.
Ficha Técnica
Título: Kena: Bridge of Spirits
Data de Lançamento: 21 de setembro de 2021
Desenvolvedora: Ember Lab
Distribuidora: Ember Lab
Plataformas: PlayStation 4, PlayStation 5 e PC (Windows)
Gênero: Ação e aventura, foco narrativo
Uma jornada espiritual
A premissa de Kena pode ser resumida de modo bastante simples. No jogo, você assume o papel da personagem titular, uma jovem guia espiritual que chega às ruínas de uma vila para ajudar os espíritos dos antigos habitantes a seguirem em frente. Esta não é a motivação da garota por si só, no entanto, já que seu grande objetivo é chegar ao Templo da Montanha — embora o jogo não se importe em explicar o porquê disso.
A todo o tempo, tanto o potencial da história quanto seu esforço para emocionar ficam evidentes, por vezes até demais. Isso se torna um problema porque, apesar de ter um foco narrativo e claramente buscar contar uma história emocionante para o jogador, o game não consegue atingir esse resultado tão bem quanto poderia.
Como uma guia auxiliando espíritos que tiveram vidas trágicas a seguirem em frente, o que não falta são situações dramáticas na história. Existe muito na trama que, nas mãos de estúdios de animação notáveis como a Pixar, facilmente traria lágrimas aos olhos do público. Contudo, ainda que se esforce para evocar este tipo de sentimento, Kena não se sai tão bem, e embora a jornada da protagonista e os laços que ela forma com aqueles que ajuda sejam cativantes, falta algo que leve o jogador a se apegar aos personagens e realmente se importar com eles.
A única exceção a isso, curiosamente, não é nem mesmo a própria Kena. Quem consegue brilhar apesar de tudo são os companheiros fofinhos da garota, chamados de rot. As criaturinhas são encontradas por todo o mapa, e além de serem bonitinhos e tornarem a personagem principal mais forte, seu carisma em pequenas interações com o cenário ou com a guia espiritual facilmente conquistam os jogadores. No fim, os rots se mostram mais centrais para os eventos do jogo do que apenas companheiros fofinhos típicos dos filmes de animação infantis.
Por meio desse papel, os rots se tornam mais interessantes que boa parte dos personagens da trama — que muitas vezes são resumidos a um único evento ou ao seu papel como ajudantes ou antagonistas. Até mesmo Kena, a protagonista do jogo, sofre com uma história vaga e contada de forma espaçada demais, que nunca dá a ela o foco merecido. Isso prejudica uma heroína que poderia ter sido muito boa, mas que é deixada de lado e tem sua história pouco explorada.
A trama, no entanto, também tem seus méritos. A construção de Kena como uma heroína cheia de compaixão funciona, principalmente quando a vemos demonstrar paciência e oferecer ajuda aos diferentes tipos de espíritos, independente de seus erros. A história consegue engajar o suficiente para instigar o jogador a querer saber mais sobre a vila e o que aconteceu ali, bem como a descobrir que eventos levaram os espíritos que precisam de ajuda a se corromperem.
Além disso, ainda que não sejam desenvolvidos como poderiam, diversos personagens apresentam grande potencial. Por exemplo, os gêmeos Beni e Saiya não só são divertidos, como também destacam a tragédia da vila, visto que são espíritos de crianças pequenas. Hana e Adira tem um amor profundo, e sua relação dá muito mais profundidade ao casal.
Os desafios encontrados pelo caminho
Em termos técnicos, o título apresentou certos problemas ao ser jogado no PS4. O mais recorrente foram as quedas de FPS que, embora não fossem o suficiente para atrapalhar o jogador, eram perceptíveis e incômodas. Além disso, uma das mecânicas do game envolve utilizar máscaras que dão um tipo de visão especial para o jogador, mostrando objetivos e itens escondidos. Usar este elemento, no entanto, estava “quebrando” o jogo várias vezes, pois tornava impossível sair desse modo, observar o cenário ou se movimentar, sendo necessário recarregar o último save para prosseguir. Esse problema foi consertado por uma atualização, mas atrapalhou a experiência durante a parte inicial do jogo, que se tornou muito frustrante em decorrência disso.
Além disso, quem espera muita liberdade de exploração, como as comparações da internet com Breath of the Wild podem sugerir, certamente vai se decepcionar. O jogo tem muito a ser explorado, mas é bastante linear, e sua exploração se dá mais por meio de resolver quebra-cabeças do que realmente ir a qualquer lugar do mapa. Os puzzles, no entanto, são um dos pontos fortes do jogo, conseguindo ser interessantes e simples sem se tornarem repetitivos.
Infelizmente, o mapa é outro ponto negativo. Além de não indicar pontos com muita precisão, não há outro meio de localizar os objetivos do jogo. Alguns, como o correio espiritual, sequer são marcados claramente, tornando uma tarefa simples mais cansativa do que deveria ser.
O game também perde o ponto em relação à dificuldade, o que pode se tornar frustrante tanto para jogadores mais habilidosos quanto para os mais inexperientes, já que há uma grande variação entre momentos fáceis demais e outros extremamente difíceis para a dificuldade padrão.
Por outro lado, o sistema de combate do jogo é muito divertido, além de oferecer variedade ao jogador. Diversas combinações são possíveis com as habilidades que Kena ganha ao longo da história, sendo possível dar preferência ao combate à distância com bombas e flechas espirituais, ou partir para o corpo a corpo misturando a dash e os ataques rápidos e fortes que a personagem realiza com seu cajado. A adição do rot a certas habilidades também ajuda, pois além de fortalecer alguns golpes, cria efeitos interessantes, como congelar um inimigo por um curto tempo, por exemplo.
Também é impossível não elogiar a qualidade das cutscenes do jogo, que se assemelham de fato a grandes filmes de animação nesse quesito. Todos os personagens são extremamente expressivos nos vídeos, que destacam ainda mais a beleza desse mundo. Mesmo fora dessas cenas, os cenários de Kena chamam a atenção com sua beleza, e a transformação de locais corrompidos quando a natureza é restaurada não perde a magia ao longo do jogo, mesmo que aconteça diversas vezes. O contraste apresentado é incrível, e ver o lugar se transformar dentro do game é algo realmente notável.
A trilha sonora é mais um acerto, adicionando muito à ambientação. Tanto as músicas de cada local quanto os efeitos sonoros não só são bem implementados de acordo com o que representam, como são parte integral da construção do mundo e das cutscenes. O modo como as músicas acrescentam ao tom tenso ou divertido de cada momento, assim como necessário, é um dos pontos fortes do jogo.
Nota
A melhor maneira de resumir Kena é “cheio de potencial”. Há muito de promissor no título, que apresenta a base de um jogo que poderia ser fantástico, mas não consegue realizar o que se propõe a fazer com maestria. Embora acerte em contar uma história sucinta e coesa, a narrativa falha ao não deixar que a protagonista tenha sua história contada, tirando propósito e peso de sua jornada. Ao mesmo tempo, os personagens secundários não são desenvolvidos o bastante para que todo o drama apresentado atinja o jogador como deveria — a base está ali, mas falta algo para que o jogo realmente emocione.
O mesmo acontece com a jogabilidade. Apesar de conseguir ser variada e divertida, tanto em combate quanto ao resolver quebra-cabeças, ela falha com sua curva de dificuldade flutuante e elementos frustrantes sem propósito, como a falta de marcação de certos elementos no mapa.
No fim, tudo isso impede o jogo de ser o sucesso que poderia ter sido. Ainda assim, é notável que em seu primeiro trabalho com jogos a Ember Lab tenha se saído tão bem, especialmente na parte de jogabilidade, já que a experiência anterior do estúdio havia sido apenas com animação.
Kena: Bridge of Spirits é um começo bom, mas que deixa um gosto amargo por seu potencial desperdiçado do que poderia ser. Mesmo com todos os seus tropeços, no entanto, o jogo consegue garantir uma experiência divertida, com visuais e ambientação incríveis, o que garante a ele a nota 7.5 da Legião dos Heróis. Se a desenvolvedora aprender com seus erros e melhorar, é certo que há um futuro promissor para a Ember Lab no mundo dos games (e, quem sabe, para a história de Kena também).
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