Review: Far Cry 6 entrega experiência megalomaníaca que conquista nos detalhes
Review: Far Cry 6 entrega experiência megalomaníaca que conquista nos detalhes
Novo shooter da Ubisoft é uma mistura explosiva de ação, clichês e carisma em uma avalanche de conteúdo
O lado blockbuster da indústria de games é sustentado pelo espetáculo. Os jogos conhecidos como Triple A frequentemente correm atrás de despertar aquela sensação de gerações passadas, de ver o avanço dos gráficos pela primeira vez, ou de se perder em um mundo aberto cujo escopo testa toda a sua noção do que era possível.
O problema nisso é que os estúdios sempre precisam buscar novos truques para impressionar, ainda que esse processo tenha ficado progressivamente mais caro e demorado para entregar resultados que já não parecem mais saltos, e sim pulos.
A Ubisoft entende muito bem dessa dinâmica, tendo sido responsável pela popularização dos blockbusters anuais ao longo das últimas décadas. Far Cry 6, o último título da franquia de jogos de tiro, é um excelente representante do Triple A moderno: uma experiência que tenta te seduzir pela escala gigantesca do mapa e do conteúdo, mas que brilha mesmo nos detalhes.
Ficha técnica
Título: Far Cry 6
Desenvolvedora e distribuidora: Ubisoft
Plataformas: Xbox One, PlayStation 4, PC, Xbox Series X | S e PlayStation 5
Lançamento: 6 de Outubro de 2021
Gênero: Ação, Aventura, Tiro em Primeira Pessoa
Far Cry 6 é o sexto game da saga principal de shooters da Ubisoft, e o 11º da franquia como um todo. O jogador assume o controle de Dani Rojas (que pode ser homem ou mulher), que passa a trabalhar com os guerrilheiros revolucionários da Libertad na ilha de Yara – uma versão fictícia de Cuba -, para acabar com a ditadura de Antón Castillo, tirano interpretado por Giancarlo Esposito (Breaking Bad, The Mandalorian).
Mais do que qualquer outra franquia Triple A, Far Cry não esconde seguir a mesma fórmula desde o início: sempre haverá um protagonista estranho a um mundo exótico que se vê na mira de um vilão, e que precisa trabalhar com a resistência local para derrubá-lo. A essa altura, é quase honesto que os games sigam essa lógica à risca, e há bastante conforto nessa fórmula.
É a justificativa ideal para que você, como jogador, explore os ambientes do zero, e que tenha um incentivo para conversar com NPCs de todo tipo. Aqui, isso significa tentar convencer três diferentes facções a se juntarem à Libertad, criando uma oposição unida na luta contra Castillo. O jogador pode abordar na ordem que bem entender, e todos os lados são marcados por personagens carismáticos (e meio cabeças-dura) que precisam confiar em Dani para sequer cogitarem unir esforços contra o tirano. É aqui que o game mostra sua avalanche de conteúdo
As primeiras horas da aventura acontecem em uma pequena ilha, quando Dani se vê como sobrevivente de um navio de refugiados rumo aos Estados Unidos, atacado por Antón Castillo após ele descobrir que seu filho, Diego, tentou fugir. Para tentar descolar outro barco, Dani colabora brevemente com a Libertad, que fez a ilha de base. Não demora muito, porém, para o espírito revolucionário tomar conta. Quando o jogador aceita a missão de encabeçar a luta contra Castillo, o mapa se expande da pequena ilha para um terreno verdadeiramente gigantesco.
Com vastos oceanos e diversos setores, Yara é um lugar belíssimo em suas praias paradisíacas e florestas coloridas. Esse talvez seja o melhor ambiente da franquia desde Kyrat, de Far Cry 4 (2015). Pela beleza e pelo escopo, a sensação de olhar o mapa aberto pela primeira vez, sem saber por onde seguir primeiro, é até um pouco desoladora.
Viva la Revolución
Ao ritmo que Dani avança, descobre que cada facção lida com os seus próprios problemas, causados pelo regime de Castillo. Assim, o jogador se vê na posição de realizar todo tipo de tarefa para tentar conquistar os demais guerrilheiros. É uma desculpa rasa o bastante para motivar o jogador a agir, e que só funciona aqui pelo carisma único da franquia.
Frequentemente a Ubisoft vira alvo de discussões ao afirmar que, de alguma forma, seus jogos não são políticos, mesmo lidando com operações militares secretas, milícias e insurreições de todo tipo. Far Cry 6 talvez ajude a explicar isso: o game abstrai da responsabilidade de qualquer comentário social ao ir tão fundo nos tropos e clichês que passe a soar como uma paródia aventuresca.
O game é inteiramente modelado em Cuba, do cenário ao contexto político da ilha, mas em momento algum parece que a trama terá algo relevante a dizer. O foco aqui é criar uma fantasia altamente detalhada da imagem que o resto do mundo tem das revoltas populares em países latinos.
Far Cry 6 é uma máquina ambulante de clichês, cuja trama replica todo estereótipo de República de Bananas imaginável, como o ditador que vive uma vida de luxo, os tanques desfilando por coloridas cidades, os guerrilheiros caricatos e, é claro, o uso quase aleatório de expressões em espanhol em toda frase, para dar um saborzinho especial. Uma das animações de cura, por exemplo, envolve acender um charuto, fumá-lo e usar para cauterizar buracos de bala. É uma abordagem altamente contestável e ignorante, mas que pode ser muito proveitosa se recebida ao estilo “aventura de Sessão da Tarde”.
No meio desse esforço todo para se tornar mais louco e caricato, é curioso que Antón Castillo tenha recebido um tratamento mais humanizado. A franquia sempre foi conhecida por seus vilões excêntricos e presentes, mas o ditador é o oposto.
Por boa parte da campanha, o jogador só verá Castillo em televisões, rádios ou em ocasionais cutscenes, em que aparece treinando seu filho para assumir o controle de Yara. De certa forma, é bom que a série enfim tenta sair da sombra criada por Vaas Montenegro, o memorável vilão de Far Cry 3 (2012), e permite que Giancarlo Esposito se mantenha no papel ameaçador e enigmático que já demonstrou fazer tão bem.
O tratamento do vilão é um raro momento de sutileza em meio à uma experiência que preza pelo barulho, pela ação explosiva, e por tramas mais simplistas. Isso fica mais evidente ainda no desenvolvimento do personagem jogável. A relutância de Dani Rojas em se tornar parte da Libertad dura pouco, e logo fica claro que, em meio ao caos, a protagonista encontrou amigos, diversão e um propósito de vida.
Se isso soa como uma farofada ao estilo “A verdadeira revolução são os amigos que fizemos pelo caminho”, é porque é justamente esse o tom da trama. Salvo por um ou outro diálogo absolutamente óbvio, Far Cry 6 não quer que você pense a fundo nas implicações da revolta armada ou de um regime ditatorial, apenas que você se divirta com os brinquedos que lhe foram dados.
Imerso no raso
Grande parte do seu tempo em Yara será aproveitado pelas miras de alguma arma. O game frequentemente joga Dani em situações de combate, seja como parte da narrativa, seja em objetivos secundários, ou apenas porque algum soldado do Castillo te olhou meio feio. Felizmente, há bastante opções para lidar com os inimigos.
Além de um vasto arsenal, o novo capítulo refina muitos dos sistemas de Far Cry 5, como a opção de tocar a trama na ordem que quiser, e introduz duas novas mecânicas que deixam tudo ainda mais caótico: os Supremos, e os Parças.
A primeira é uma espécie de habilidade especial, que recarrega por tempo ou pela quantidade de inimigos abatidos. Qualquer uma das várias opções podem ajudar a mudar o rumo da batalha. Um Supremo explosivo, por exemplo, abate helicópteros irritantes em segundos. Já um Supremo carregado com pulso eletromagnético é vital pra desativar tanques de guerra e tomar o seu controle. O ritmo que a habilidade recarrega garante que não seja uma opção que você vai usar sem moderação, mas também é rápido o bastante para que não dê aquele medo de gastar antes da hora.
Já os Parças são os companheiros animais que te seguem por Yara. Há um total de sete opções entre cachorros, um galo de briga, onças, e um jacaré. Além da companhia ser bastante agradável – sim, dá pra fazer carinho em todos eles -, os aliados têm habilidades únicas de furtividade, marcar pontos de interesse e atacar inimigos, o que deixa os combates ainda mais dinâmicos.
É especialmente importante se apegar nesses elementos inéditos, pois Far Cry 6 constantemente periga cair na rotina, e muito disso se dá pelo medo que o game tem de ousar. É compreensível que jogos desse porte, com tamanha fidelidade gráfica e repleto de conteúdo, tenham que agradar a maior quantidade de jogadores o possível para poderem se pagar e dar lucro. O problema é que isso pode resultar em experiências esterilizadas, que não fedem e nem cheiram.
O game é excelente para curtir em pequenas doses ou maratonas, simplesmente pelo fato de que ele foi pensado para nunca desapontar o jogador. As armas – seja uma submetralhadora ou um rifle de sniper – não têm recuo ou qualquer curva de aprendizado. Pilotar um avião, um carro, uma moto ou cavalo é exatamente igual, e dá até mesmo para seguir direto para os objetivos com o toque de um único botão. Tudo pode ser otimizado rapidamente, das rotas ao seu arsenal.
Não há uma boa variedade de inimigos, e com poucas customizações, até equipamentos básicos como pistolas servem para matar qualquer tipo de soldado, dos comuns aos que usam armaduras. Há munição à vontade. Há veículos à vontade. Far Cry 6 é o jogo perfeito para descansar a mente pois nada te desafia, nada incomoda. Tudo é lindo e nada dói, como diria Kurt Vonnegut em Matadouro-Cinco.
Yara Livre
No ritmo da indústria de Triple A, Far Cry 6 se vende pelo excesso – o tamanho da mapa, as quantidade de armas, as horas de jogo -, então é certamente irônico que o seu sucesso está nos detalhes. Entre a trama caricata e os tiroteios automáticos, é visível que há um esforço real em encher Yara de personalidade.
Depois de títulos como Metal Gear Solid V: The Phantom Pain (2015), Prey (2017) e The Legend of Zelda: Breath of the Wild (2017), é sim um pouco decepcionante se aventurar por um mundo desse tamanho que não responde aos delírios do jogador, mas ainda há recompensas para quem sair explorando.
Fora da campanha principal, há objetivos secundários conhecidos como Histórias de Yara, que são missões curtas e inusitadas, encontradas em cartas e documentos pelo mundo. Nelas, Dani se propõe a encontrar tesouros escondidos, e acaba aprendendo mais sobre os habitantes da ilha em memórias curtas.
O tom dessas missões varia entre o humor e a tragédia, como um homem brigando até a morte com um mangusto, ou reservista recrutado para o exército que lamenta ter que deixar para trás a sua profissão de cuidador de crocodilos. Parte do apelo é justamente que esses contos sejam breves e surpreendentes, ocasionalmente até flertando com o sobrenatural e o místico.
As Histórias de Yara não são os únicos objetivos que funcionam assim, e há uma enorme variedade de quests secundárias que só são achadas se você decidir se perder pela ilha, com campeonatos de corrida, cavernas secretas, operações para a resistência, a polêmica rinha de galo ou até mesmo pesca. E não deixe os documentos de texto passarem batido também, há muitas histórias e desenvolvimento de mundo legais por ali.
Em certo momento, por exemplo, após limpar uma base inimiga é possível encontrar uma receita para um drink chamado El Presidente Yarense, que – caso você seja maior de idade, claro – vai te deixar no ânimo de tomar um negocinho. Quanto menos conectado com a trama principal, mais proveitosa será sua experiência com Far Cry 6.
Além disso, há um modo de Operações Especiais que traz todo o desafio que falta no jogo-base. Nessas pequenas missões, que duram por volta de uma hora (ou menos, dependendo da sua habilidade), é preciso se infiltrar em áreas especiais, descobrir a localização de uma arma química e escoltá-la de volta para a área de início – porém, sem expor o objeto ao sol, correndo o risco de explosão. Isso faz com que você tenha que se planejar bem e improvisar bastante quando as coisas dão errado. Quanto menos conectado com a trama principal, mais proveitosa será sua experiência com Far Cry 6.
Muito do carisma da jornada está em elementos que você só vai reparar com o tempo, por acidente. Por exemplo, se uma das músicas favoritas de Dani começar a tocar no rádio, como “Livin’ La Vida Loca” de Ricky Martin, a personagem se empolga e começa a cantar junto. As rádios, aliás, só tocam músicas latinas e são facilmente um dos destaques do jogo, dando o incentivo necessário pra pegar carros ao invés de cavalos ou aviões.
Ocasionalmente, você encontrará estradas com trânsito graças à presença de vacas deitadas no meio da pista. Ou então o fato de que os NPCs interagem com seu pet. Se você estiver com o jacaré Guapo, muitos vão se assustar pela criatura (especialmente os soldados inimigos), mas com cachorros é muito comum ver personagens aleatórios elogiando e fazendo carinho nos cães. São pequenas coisas, claro, mas que dão maior credibilidade à simulação de mundo, e acabam por falar mais alto que as características mais bombásticas e tediosas em que o jogo se vende.
É importante citar que a tradução brasileira ajuda a dar ainda mais personalidade ao game. O processo de localização é de excelência pura, que dá um charme de malandragem que soa muito mais autêntico e necessário do que o caricato texto original.
Lá fora, por exemplo, o sistema de crafting do jogo se chama “Resolver” (algo como “Solucionador”), então por aqui foi brilhantemente chamado de Gambiarra. Ou então o fato de que a propina para subornar um guarda inimigo é chamada de um “faz-me-rir”.
Tanto o texto quanto a dublagem brasileira dão a naturalidade que eleva a experiência como um todo. Há atuações mais questionáveis, como a do mecânico Philly ou mesmo a de Antón Castillo, mas outras como a de Dani (pelo menos em sua versão feminina) ou do pilantra guerrilheiro Juan Cortez ficam passos além da versão em inglês. Se for jogar, faça questão de ativar a dublagem!
Far Cry 6 é sintomático da obsessão da indústria de games por conteúdo, que precisa conquistar pela quantidade e não pela qualidade. Ao invés de optar por boas histórias ou mecânicas experimentais, os estúdios apelam ao espetáculo, à grandiosidade e à fidelidade gráfica. Muita coisa se perde no caminho, mas isso não significa que não há muita diversão para o jogador que busca algo apenas para ver belas paisagens, dar uns tiros e descansar.
Explorar o mapa gigantesco é altamente prazeroso, e o game mostra que não deve ser julgado logo de cara, com muita personalidade, bons objetivos secundários e contos interessantes para quem se dispor a se perder por esse mundo virtual. Aqui, fica claro que a franquia realmente gira em torno de uma fórmula, e que não há compromisso algum em amadurecer sua temática ou expandir sua jogabilidade. Esse tipo de coisa não dura para sempre, claro, mas por enquanto há muito conforto para se encontrar no caos de Yara.
A review acima foi feita com base na versão de Xbox One, com código cedido pela Ubisoft. Aproveite e confira: