Review: Death’s Door é uma aventura grandiosa por um mundo melancólico
Review: Death’s Door é uma aventura grandiosa por um mundo melancólico
Combinação da jogabilidade dos clássicos 2D de The Legend of Zelda com a temática de Dark Souls, game é um dos melhores de 2021!
Na indústria atual, em que são poucos os títulos de médio orçamento, é impressionante o que os desenvolvedores independentes conseguem fazer. É o caso da Acid Nerve, produtora britânica que, apesar de contar com o apoio da publisher Devolver Digital, é composta por apenas dois membros, e alguns outros colaboradores. Em 2015, a dupla já havia mostrado o potencial com o rogue-like pixelado Titan Souls. Agora, eles dão um passo além com o ambicioso Death’s Door, que já conquista seu espaço como um dos melhores games de 2021.
Death’s Door acompanha a rotina monótona de um corvo, cujo ganha-pão é ceifar almas e levá-las de volta para a organização em que trabalha. Um dia, seu trabalho é ofuscado quando a alma que busca é roubada. Ao perseguir o ladrão, o pequeno corvo se vê arrastado para uma enorme conspiração envolvendo criaturas imortais, traições, seus empregadores, e a Porta da Morte, um artefato misterioso que garante a passagem dos mortos para o além.
Ficha técnica
Desenvolvedora: Acid Nerve
Publisher: Devolver Digital
Lançamento: 20 de julho de 2021
Gêneros: Aventura, plataforma isométrico
Número de jogadores: 1 jogador
Trabalho de Corvo
Logo de cara, o game já conquista pela forma que contrasta sua temática sombria com visuais alegres e cartunescos. O mundo de Death’s Door é altamente original e carismático, desde a organização dos corvos ceifadores, até os marcantes NPCs que o jogador encontra pelo caminho. A estética do jogo é conduzida com o mesmo espírito de uma inocente animação, com ambientes cheios de cor e inimigos com animações divertidas. O tom alegre dos cenários e a perspectiva isométrica dão o mesmo gostinho de aventura dos títulos clássicos de The Legend of Zelda, na fase 2D da franquia.
Por trás dessa aparência amigável, há um mundo extremamente melancólico e quebrado. Seja caminhando por florestas, jardins e cemitérios, é visível que tudo é marcado pela iminência da morte, e o desespero e impotência frente à ela. Dessa forma, o game ganha toques sombrios, e se aprofunda cada vez mais nessa discussão sobre o ciclo natural da vida e a importância do fim. Ainda que seja uma comparação já esgotada, ao ponto de ter virado um meme, é muito difícil não lembrar dos mundos desolados de Dark Souls.
A influência no clássico da FromSoftware é bastante clara, mas não dos jeitos óbvios (como a tão comentada dificuldade). Além da temática obcecada pela morte, a forma como os mundos são desenhados também trazem paralelos, como o ritmo de exploração, o posicionamento dos inimigos, ou mesmo o foco em abrir atalhos que facilitam transitar entre os mundos. Aliás, a premissa é similar em alguns pontos: para abrir a Porta da Morte, o corvo precisa adquirir três Almas Gigantes de criaturas espalhadas pelo mundo, o que lembra um pouco a missão de tocar os dois sinos no jogo de 2011. Enquanto esse recurso é usado apenas como pontapé inicial em Dark Souls, em Death’s Door isso compõe toda a estrutura da campanha.
Tal decisão traz acertos e erros. O problema fica na repetição. Em cada nova área, é preciso encontrar quatro almas perdidas para abrir uma porta, que então leva o jogador para um desafio com alguma nova habilidade de recompensa. Pelo lado positivo, os três chefões que precisam ser enfrentados conquistam pelas boas narrativas particulares, com todos unidos por decisões questionáveis frente à morte ou ao trauma. Ainda que fique um pouco cansativo repetir a mesma estrutura, explorar os ambientes inéditos é um verdadeiro prazer, tanto para entender as várias intrigas desse mundo quanto para apreciar a beleza, os detalhes, as cores e o design de cada cenário.
As áreas bem marcadas e divididas também dão um ritmo bastante satisfatório para a aventura. Death’s Door sabe como apresentar gradualmente a problemática de seu universo. Com o tempo, é possível notar um padrão nas motivações de cada um dos inimigos, e também nas últimas palavras das almas resgatadas pelo corvo. Aqui, a presença da morte é sentida em tudo, e lentamente fica claro que o desejo de figuras poderosas em contorná-la custa a vida de muitas criaturas comuns, fadadas a sofrer pela eternidade para que poucos vivam para sempre.
A Morte vêm para todos (?)
O mais marcante de Death’s Door é como intercala questões existenciais com uma jogabilidade verdadeiramente frenética. Seu combate é rápido, mas também relativamente simples. Há duas formas de ataque: golpes físicos de espada, e ataques de longa distância com arcos ou magias. Os inimigos seguem a mesma lógica, porém com padrões diferentes de ataque, o que faz que o jogador sempre esteja ciente de seus arredores para atacar as figuras certas e desviar de ofensivas dos oponentes. O game é inteiramente baseado em reconhecer tais padrões, e aprender quando atacar e quando esquivar. A punição é apenas não poder se curar durante as lutas, tentando economizar seus poucos pontos de vida até encontrar algum dos vários vasos de cura pelo cenário. A jogabilidade atinge aquele tênue equilíbrio entre ser simples e satisfatório, mas também desafiador o bastante para te manter intrigado até o fim.
A simplicidade de Death’s Door acaba sendo muito benéfica. É um jogo que não quer sobrecarregar o jogador, e isso se reflete na modesta árvore de habilidades, e nos poucos upgrades espalhados pelo mundo. Para aumentar a barrinha de vida ou a munição, basta encontrar alguns Santuários. Agora para subir elementos como a força dos golpes ou a rapidez da esquiva, basta investir as Almas ganhas a cada inimigo derrotado. Vale pontuar que, apesar de parecer, não se trata de um rogue-like. Nada é perdido quando se é derrotado. Ao morrer, apenas se é levado de volta ao último checkpoint, pronto para tentar novamente. A decisão é bastante consistente com a temática: pelo protagonista ser um ceifador, é óbvio que ele teria uma relação mais “amigável” com a morte.
Além da ótima jogabilidade, e do mundo tão interessante e chamativo, outro destaque de Death’s Door é sua excelente tradução. Como o jogo transita entre o cômico e o melancólico, é um texto que soa bastante desafiador, mas a localização para português brasileiro tira isso de letra. O impacto de seu existencialismo é mantido, e os momentos mais leves ficam ainda mais divertidos. Por exemplo, um dos primeiros NPCs é um cavaleiro com uma panela cheia de sopa na cabeça, que é originalmente chamado de Pothead. Ao invés de optar pelo fácil e literal “Cabeça de Panela”, a tradução lhe dá a carismática alcunha de Boncaldo. Diálogos de outros personagens, como a Vovó xingando o corvo de um “merdinha”, ou então o polvo Jefferson tentando esconder sua verdadeira identidade, também ganham toques ainda mais irônicos e divertidos no texto brasileiro.
Feito com uma equipe minúscula de apenas oito desenvolvedores, Death’s Door é uma aventura gigantesca. Seja na jogabilidade satisfatória e desafiadora, no design marcante dos mundos e dos personagens, ou então na temática melancólica, muito bem acompanhada pela trilha sonora de David Fenn (que também é produtor e designer), o game já merece espaço entre os melhores de 2021 por entregar uma experiência completa.
A Acid Nerve demonstra ser capaz de cumprir suas enormes ambições, e se torna um dos estúdios que vale a pena ficar de olho. Ora tocante, ora divertido, e sempre satisfatório, Death’s Door é algo verdadeiramente memorável.
Death’s Door está disponível para Xbox One, Xbox Series S | X e PC. A review foi feita com base na versão de Xbox One, com código cedido pela publisher Devolver Digital. Aproveite e confira também: