Review: Biomutant não entende do que é feito um bom RPG
Review: Biomutant não entende do que é feito um bom RPG
Cyberpunk 2077 faz escola em mais uma aventura apressada e pouco inspirada
Imagine que você pediu seus pratos favoritos em um restaurante. Digamos que seja strogonoff como principal e pudim de sobremesa. Mas ao invés de servi-los separadamente, alguém achou de bom tom bater todos os ingredientes no liquidificador e lhe entregar uma gororoba. Esse resultado genérico e sem gosto é como eu descreveria Biomutant, o mais novo RPG de mundo aberto da THQ Nordic.
Quem não sabe fazer…
O game de estreia do 101 Studio carrega suas referências com bastante orgulho — o mundo vem de The Legend of Zelda: Breath of the Wild, as missões bebem da fonte de The Witcher 3, o combate mistura o dinamismo de Batman Arkham com Devil May Cry — mas, infelizmente, os desenvolvedores não parecem entender o que torna cada um desses jogos especial.
Assim como em Breath of the Wild, você vive em um imenso mundo pós-apocalíptico à beira de outro evento catastrófico e precisa reunir a ajuda de diferentes povos para impedir a destruição total. Em extensão, o mapa de Biomutant realmente impressiona, só falha em demonstrar um cuidado para tornar a exploração de seus cenários intuitiva e interessante.
No início da aventura, era bem comum encontrar becos sem saída com nenhuma recompensa. A cada nova ocorrência, ficava claro que divergir do caminho principal não traria muito benefício, algo que só começou a ser resolvido a partir do meio do game.
Ao contrário da verticalidade que vimos em Zelda, pensada para guiar o olhar do jogador para novas atividades, esse jogo espalha sua vastidão sem o menor critério e povoa seus belos campos, montanhas e ruínas com uns poucos quebra-cabeças nada inspirados e encontros repetitivos com adversários.
Uma flor no deserto
Por incrível que pareça, o combate funciona bem, trazendo lutas ágeis contra uma pequena horda de inimigos. A essência de aprender a controlar uma mini multidão lembra bastante os jogos de Batman Arkham, que marcaram a geração passada, com uma pitada muito bem-vinda da variedade combos de Devil May Cry.
Não chega a ter uma coleção tão extensa de golpes como as aventuras de Dante, claro, o que não acaba sendo um problema. Mais opções surgem ao encontrar novas armas e existe uma pluralidade de magias para desbloquear e construir um estilo de combate que é só seu. Ainda existem estratégias dominantes, mas vai do jogador usá-las ou não.
A personalização dos personagens é um dos elementos mais originais de Biomutant. Tanto que são exatamente os animais mutantes que dão nome ao jogo. A sua aparência influencia diretamente nos atributos do personagem e nas suas resistências.
Além do visual, é possível modificar suas roupas, criar armas do zero com materiais coletados e basicamente construir uma experiência única para cada jogador. Dito isso, é uma pena que os mesmos elogios não se apliquem ao modo em que o game conduz a história.
História da carochinha
Para simular a experiência de uma fábula contemporânea, o jogo abre mão dos diálogos diretos em nome de um narrador que explica cada mínima interação com o mundo do jogo, como em livros infantis. Sozinha, esta decisão já afastaria o jogador dos acontecimentos do game,diminuindo drasticamente a imersão, mas combinado a outros sistemas o estrago é pior.
A mera existência do narrador canibaliza o sistema de moralidade que permeia a narrativa do jogo, fortemente inspirado nos grandes sucessos da Bioware. Na teoria, a mecânica te permitiria viver o tipo de personagem que bem entendesse — desde um vilão tentando destruir o mundo a um herói que faz tudo para salvá-lo — mas a execução deixa muito a desejar.
Logo no começo, quando você é convidado a escolher de que lado mora sua lealdade — entre os Jagnis da escuridão ou os Míriades da luz — é perceptível que há apenas um caminho certo a se seguir. O narrador, assim como os personagens principais, tem uma opinião muito clara de qual lado combina com você e vão te julgar a todo momento por desviar da norma.
A sensação de controle de sua narrativa é rapidamente destruída, especialmente quando percebemos que nossas escolhas não refletem com exatidão a ação que o personagem irá tomar. Ao salvar um refém, por exemplo, caso você siga a tribo Jagni e afirme estar satisfeito com suas escolhas de vida, seu personagem pode simplesmente dar um soco gratuito no pobre inocente.
Cascata de infortúnios
O que foi projetado para reforçar a moralidade de seu personagem, acaba apenas atestando a inconstância do sistema de escolhas. A imprevisibilidade desarma completamente o potencial do sistema de side quests herdado de The Witcher, desandando ainda mais a narrativa frágil do título.
Se não fosse o suficiente, muitas das side quests consistem em repetir a mesma tarefa dezenas de vezes em diferentes cenários. As recompensas, nesse caso, costumam ser interessantes, mas a falta de originalidade expõe a pobreza dos objetivos do jogo.
Nem no quesito técnico o jogo consegue performar bem. As animações dos personagens são muito simples e sem qualidade. Na versão para PlayStation 4, há quedas de framerate e problemas com a imagem em HDR. A trilha sonora passa despercebida, isto quando está presente. Parece que, com a chegada da nova geração, houve uma urgência para lançar esse projeto a qualquer custo. Mesmo que o jogo não esteja completamente pronto, assim como foi com Cyberpunk 2077.
Ao tentar evocar a experiência de Breath of the Wild, Biomutant expõe ainda mais suas imperfeições. Falta uma sinergia entre seus sistemas que não funcionam em harmonia. Pelo contrário, parecem lutar por sua atenção, mesmo não apresentando nada de muito significativo para o jogador.
No fim, quem estava muito sedento por mais um mundo enorme para explorar, vai conseguir se divertir nessa aventura. Após muitas horas de jogo, você até se acostuma com a mediocridade. O erro de Biomutant é não ouvir o mais clichê dos conselhos: seja você mesmo. Ao tentar agradar todo mundo, o jogo sacrificou qualquer resquício de originalidade e dificilmente vai agradar alguém.
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