Loki: De Deus da Trapaça a Deus das Histórias
Loki: De Deus da Trapaça a Deus das Histórias
Quando o vilão quebra o ciclo de seu destino trágico!
Todos conhecem o conto de Loki Laufeyson, filho dos Gigantes de Gelo criado em Asgard. Cheio de inveja, malícia e crueldade, o Deus da Trapaça surgiu no imaginário da mitologia nórdica, mas ganhou uma reinvenção amplamente difundida entre o público lá em 1962, nas páginas de Journey Into Mystery #85, quando foi inserido nas HQs do Thor escritas por Stan Lee e Larry Lieber e ilustradas por Jack Kirby.
Essa versão do personagem passou por algumas alterações em relação ao material mitológico original, se adequando no contexto de um vilão para as histórias de seu irmão (embora, no mito original, Loki fosse um irmão para Odin). E logo seu império pela mídia começou, passando pelo Universo Cinematográfico da Marvel onde foi brilhantemente interpretado por Tom Hiddleston – e logo vai ganhar sua própria produção solo, pela primeira vez.
Porém, ao analisarmos com mais cuidado a trajetória do personagem desde sua criação, vemos que Loki não é o seu típico vilão maquiavélico comum. Digo, ele também é isso, mas temos espaço para várias facetas da divindade: Loki, o Herói. Loki, o Trapaceiro. Loki, o Deus das Histórias. Ao longo dos anos, essa criatura vil e cruel mostrou que não precisa estar preso a um único destino. E hoje, falaremos um pouco da jornada de Loki na Marvel Comics.
Loki, o Deus da Trapaça
Quando Loki se originou nas HQs, o personagem era o arquétipo clássico do vilão teatral com o ar Shakespeariano. Ele era o irmão adotivo de Thor que sempre foi preterido por Odin, o Pai-de-Todos. Ainda que tivesse sido criado em Asgard ao lado de outros deuses, Loki nunca teve chance de ascender ao trono. Ele sempre foi um bobo da corte, insultado e humilhado por seus semelhantes. Nascia aí a trágica história de origem de um deus caído e cruel.
Acontece que, assim como em todos os quadrinhos mais “clássicos” da Marvel, Loki era um daqueles vilões que não apelava para uma crueldade extrema. Conhecido desde sempre pela alcunha de Deus da Trapaça, o personagem era tido mais como um estorvo para o Trovejante Thor. Ele fazia de tudo para complicar (ainda mais) a vida do herói de Asgard, especialmente quando este foi mandado à Terra para aprender a ter humildade e altruísmo.
E nesse sentido, Loki sempre representou um contraponto muito interessante ao seu irmão. Ele era completamente irredutível, sempre disposto às piores falcatruas sem mostrar um pingo de arrependimento ou mudança a cada vez que era descoberto. E para piorar, Odin caía na lábia dele, especialmente quando Loki tentava fazer a cabeça do pai a respeito do irmão.
Com o passar dos anos e a incorporação de temas mais adultos nos quadrinhos, Loki deixou de ser apenas um bobo brincalhão e realmente se transformou o cérebro criminoso por trás de todas as desventuras de Thor. Ele não apenas cometeu crimes assustadores, como também se aliou a vilões perigosos como Encantor, Executor, Dormammu e os Mestres do Terror, enquanto tentava pôr um fim à vida do irmão que tanto odiava.
E felizmente, sem que se desse conta, ele também cumpria seu papel para formar uma das grandes equipes de todo o Universo Marvel – afinal de contas, se não fossem por suas ações, os Vingadores jamais teriam se reunido. Mesmo quando tentava estipular maquinações cruéis, Loki estava preso pelo destino e tinha um papel a desempenhar, tudo isso enquanto o Ragnarök não chegava às portas de Asgard e dos Nove Reinos…
Loki, a cruel
Porém, mesmo tentando evitá-lo a todo custo, Loki teve que passar pelo Ragnarök. Quem conhece a mitologia dos nórdicos sabe que esse evento representa o fim de um ciclo e o começo de outro para os Aesires, os deuses de Asgard. O Deus da Trapaça tem um importante papel a desempenhar, já que é ao matar Balder que dá sequência à cadeia de eventos que levarão ao fim iminente.
Nos quadrinhos, ele cumpre um papel crucial, liderando todos os inimigos de Asgard em uma guerra contra o Reino Dourado. O evento teve uma grande repercussão para as histórias do Deus do Trovão. Os deuses todos foram mortos e aniquilados, e Thor foi o único a sobreviver. Ao despertar de seu sono mágico, Thor começa sua missão: encontrar e despertar todos os outros deuses, que retornaram no corpo de mortais.
E aqui, Loki prega uma das peças mais sinistras de sua história: quando o irmão procura por sua amada, a Lady Sif, Loki revela que está no corpo da guerreira, assumindo a persona de Lady Loki. Essa foi uma fase bem interessante para o vilão, especialmente por discutir um pouco da fluidez de gênero do personagem. Ele logo foi incorporado ao sinistro grupo conhecido como a Cabala, composto por vilões que manipulavam o Reinado Sombrio.
Tudo isso culmina em um grande clímax durante a saga O Cerco. Nessa história, Asgard (que havia sido recriada na Terra, em Broxton, Oklahoma) é atacada pelos vilões liderados por Norman Osborn. Em um último momento, o vilão muda de ideia ao ver a destruição de seu lar, e usa o poder das Pedras Nornes para auxiliar os Vingadores e outros heróis que estão defendendo contra a investida dos inimigos.
É aqui que temos uma mudança significativa na história do vilão. Ele é morto pelas mãos do Sentinela (ou melhor, de sua contraparte maligna, o Vácuo). Mas antes de morrer, ele lança um feitiço para o universo, declarando que as suas próximas reencarnações não teriam que seguir um destino pré-estabelecido, eternamente livres do ciclo que as transformariam em vilões temidos e odiados. E assim, um novo dia se ilumina para o Deus da Trapaça.
Loki, o herói
Um pouco antes de morrer, o antigo Loki havia convencido sua filha, Hela, a remover seu nome do Livro de Hel, um registro de todos que morreram ou deveriam morrer nos reinos de Asgard. Dessa forma, ele nunca morreria de verdade e sempre retornaria de alguma forma. Graças ao feitiço, cada nova versão seria diferente da anterior – o que só contribuiu para o nascimento do Kid Loki.
Porém, essa versão não tinha nenhuma memória ou ideia a respeito de sua própria identidade. Ele vagava pelas ruas da França como um pedinte e ladrão, adotando o nome Serrure. Seu destino só mudaria depois que ele encontrasse Thor, que havia previsto o retorno do Deus da Trapaça através de seus sonhos. Suas memórias foram parcialmente restauradas e ele foi levado de volta a Asgard, mas não encontrou um lar receptivo.
Ao encontrar outras divindades, Kid Loki era sempre tratado com desconfiança e desrespeito. O próprio Odin – que na época havia se tornado o babaca-mor das histórias do Deus do Trovão – maltratava a criança sempre que o via, mesmo sabendo que aquele Loki não tinha nada a ver com a encarnação anterior de seu filho adotivo. E mesmo que fosse menosprezado por todos, o novo Deus da Trapaça auxiliou seus irmãos a derrotarem Galactus e outros vilões.
Mas esse período heroico não durou muito tempo. Kid Loki logo recebeu a inesperada visita de um “fantasma” de sua antiga encarnação, o Loki clássico. Esse fantasma o acompanhou por várias histórias, como um conselheiro e um aliado, ainda que se mantivesse escondido dos outros deuses para não atrair atenção. Em um momento bem triste da história, o fantasma toma conta do corpo de Kid Loki, e temos aqui o nascimento de uma nova versão.
Esse “novo” Loki se chamava Ikol e tinha a forma do Kid Loki – incluindo suas fraquezas, como a incapacidade de usar magia. E é essa versão que se juntou aos Jovens Vingadores por um breve período de tempo. Incorporando a malícia do Loki original e a bondade no coração do Kid Loki, era um personagem bem mais carismático e inteligente, que fazia de tudo para cumprir seus planos mas ainda tinha uma consciência e uma vontade de fazer o bem.
Loki, o Deus das Histórias
Enquanto ainda fazia parte dos Jovens Vingadores, Ikol colocou em movimento seu plano mais arriscado, disposto a recuperar seus poderes mágicos. Para isso, ele precisava ficar mais velho e, portanto, tinha que roubar um pouco dos poderes mágicos do Wiccano. Uma vez restaurado à idade adulta, essa nova versão foi consumida pela culpa de ter “matado” o Kid Loki e partiu em sua própria jornada.
Foi nessa época que ele se tornou Loki, o Agente de Asgard. Basicamente, o novo Deus da Trapaça fazia missões para as lideranças asgardianas, como uma espécie de penitência por todos os crimes que havia cometido no passado. Ele então se torna aliado de uma humana muito peculiar, Verity Willis, que conseguia detectar toda e qualquer mentira. Finalmente, ele tinha alguém ao seu lado que podia ver todas as suas tramoias e maquinações.
Ainda assim, o destino não foi bondoso com ele. Ikol teve que revelar tudo sobre a morte de Kid Loki para Thor, e isso fez com que ele perdesse para sempre a confiança do Deus do Trovão. Depois, ele foi visitado por dois “ecos” de suas encarnações anteriores – o próprio Kid Loki e o Loki clássico. Cada um ofereceu um caminho: o jovem deu a ele a chance de se livrar de seu passado para sempre, enquanto o velho o deu a chance de se tornar o Deus da Mentira.
E é aqui onde tivemos o momento mais glorioso de toda a história do personagem. Sem saber o que escolher, Ikol opta por uma “terceira” opção, ao perceber que mentiras nada mais são que histórias, e que ele poderia contar novas histórias para corrigir os erros de seu passado. Assim, ele deixa de ser o Deus da Trapaça e se torna o Deus das Histórias, quebrando de vez as correntes que o aprisionavam e o tornavam um vilão.
Essa foi uma das melhores fases do personagem nos quadrinhos, justamente por levá-lo a um novo caminho que jamais havia sido explorado nas HQs anteriormente. O problema é que a Marvel Comics, por sua própria estrutura editorial, nunca deixa de retornar ao mesmo ponto. Então, pouco a pouco, a ideia do “Deus das Histórias” foi deixada de lado para que ele voltasse a ser um vilão clássico.
O ciclo se repete
Nos anos seguintes, Loki participou de várias histórias onde sua vilania foi sendo trazida de volta lentamente. Um dos melhores exemplos é a HQ Vote Loki, onde ele decide se candidatar à presidência dos Estados Unidos, com a proposta de que “todos os candidatos vão mentir para você. Eu pelo menos vou deixar claro que estou mentindo”. Essa é uma fase bem interessante e cujos elementos devem ser integrados à série do personagem no Disney+.
Porém, não é apenas isso. O personagem está lentamente voltando ao mesmo ciclo de sempre, deixando de lado seu papel como Deus das Histórias e voltando ao posto de Deus da Trapaça. O personagem acabou tendo várias tramas como vilão, enfrentando a Poderosa Thor (Jane Foster) e trazendo ameaças severas para Asgardia – a nova versão de Asgard. Para isso, ele inclusive contava com a ajuda do temido Malekith.
E não pense que foi apenas a Deusa do Trovão que ele importunou. Em tramas mais recentes, ele chegou a roubar o papel de Mago Supremo do Doutor Estranho, além de ter criado alguns problemas com os Vingadores aqui e acolá. Em Guerra dos Reinos, ele também tem um papel importante a desempenhar, mas bem longe de ser a versão heroica que estava sendo até aqui.
Atualmente, o personagem continua vagando pelas HQs da Marvel como um vilão carismático e bem divertido – seguindo os moldes da sua versão cinematográfica. É uma pena que a Casa das Ideias tenha feito uma trama tão boa e original para que o personagem finalmente pudesse crescer e se transformar – afinal, a ideia de “transformação” sempre esteve atrelada a Loki. Mas parece que alguns ciclos nunca deixam de se repetir e sempre voltamos ao mesmo lugar…
A versão cinematográfica
Pelo que estamos vendo da versão do personagem no Universo Cinematográfico da Marvel, tudo está encaminhado para que ele siga a mesma rota que sua contraparte dos quadrinhos, especialmente em sua série solo, que estreia no Disney+ no dia 9 de junho. Acredita-se que o vilão passará por uma grande mudança, ainda mais levando em conta que ele deve conhecer ou descobrir novas versões de si mesmo.
Lembrando que a ideia de “múltiplos Loki” já foi introduzida. O Loki que conhecíamos e acompanhávamos desde o começo foi assassinado por Thanos nos momentos iniciais de Vingadores: Guerra Infinita. E a “nova” versão, que vamos acompanhar na série, é o Loki de 2012 (direto dos eventos de Os Vingadores), que escapou da equipe de super-heróis e agora vaga pelo tempo causando problemas por onde passa.
Tudo isso abre a margem para que o Deus da Trapaça esteja em busca de se tornar livre de seu próprio destino e das amarras que sempre o levam para o caminho da vilania e da maldade. Aqui, ele será obrigado a trabalhar para o AVT – a Agência de Variação Temporal – e isso deve levá-lo a várias realidades do Multiverso, onde poderá conhecer novos Loki. Inclusive, rumores dizem que veremos a Lady Loki em algum momento na série.
E essa ideia seria uma evolução natural na história do personagem, já que desde sua origem, ele foi criado como um antagonista carismático que sempre roubava a cena quando aparecia – e muito disso se deve ao carisma inigualável de Tom Hiddleston, que conseguiu transformar um dos maiores vilões da Marvel em uma figura adorada por todo mundo. E se você duvida disso, basta ver as aparições do ator em qualquer Comic-Con da vida…
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