Conversamos com o brasileiro Leo Matsuda, de Detona Ralph, sobre os desafios da animação
Conversamos com o brasileiro Leo Matsuda, de Detona Ralph, sobre os desafios da animação
Diretor conhecido mundialmente revela detalhes de sua trajetória e projetos futuros
Quando você assiste filmes como Os Simpsons e Zootopia, talvez nem imagine, mas tem um toque brasileiro especial ali dentro. Seja na concepção dos personagens, na animação ou até mesmo na história, nossos talentos impressionaram os maiores estúdios do mundo e hoje brasileiros ocupam cargos de destaque por toda a indústria.
Para nos ajudar a entender esse universo, convidamos o ilustre Leo Matsuda, que já trabalhou como artista de storyboard na Disney por muitos anos e hoje se prepara para dirigir novos desafios na Dreamworks. Ele é mais conhecido por seu trabalho em grandes sucessos internacionais, como Detona Ralph e Operação Big Hero. Mas antes de decolar nos estúdios estrangeiros, a carreira de Leo começou a engatinhar ainda no Brasil.
- Na cara e coragem
- Como é trabalhar com storyboard na Disney?
- De artista a diretor
- Brasilidade resgatada
Na cara e coragem
Em uma entrevista para a Legião dos Heróis, ele conta que começou a trabalhar com animação na Maurício de Souza Produções, o estúdio responsável por dar vida à Turma da Mônica, enquanto terminava sua faculdade de Desenho Industrial na Mackenzie. “Foi lá que eu comecei a ter essa paixão por animação.” reflete. Uma paixão que o guiaria por uma jornada surpreendente.
Com os estúdios passando por uma forte recessão e sem muitas oportunidades de crescimento no mercado nacional, Leo decidiu tentar a sorte em terras americanas, onde o cenário era mais consolidado. “Eu estava bem novo e eu falei ‘Olha, se eu tiver que tomar algum risco, agora é a hora!’”
Então ele partiu, na cara e na coragem, apenas com seu talento e dedicação. O que Leo não esperava era encontrar um país receoso e desestabilizado. “Quando eu cheguei aqui, eu achava que ia pegar, vir pra cá e encontrar um trabalho de cara, mas não foi assim tão simples.”
Naquela época, os Estados Unidos sofreram um dos momentos mais traumáticos de sua história, o ataque terrorista de 11 de setembro. Logo, não é de se espantar que a recepção a estrangeiros não estava em seus melhores momentos. Sem perspectiva de trabalho, ele percebeu que precisava se aperfeiçoar para se tornar mais competitivo no cenário internacional. “Então eu tive que estudar, entrar na escola novamente… Eu pesquisei muitas escolas e acabei indo pra CalArts,” conta.
Só depois de muito tempo praticando e entendendo novas formas de enxergar animação que ele finalmente conseguiu se inserir no mercado americano. “Eu não vim pra cá com uma oportunidade aberta para mim. Foi um longo processo. Eu tive que estudar, para aprender mais e tal… Me aprofundar.” Mas quando a oportunidade surgiu, ele já não era mais o mesmo.
Como é trabalhar com storyboard na Disney?
No início, Matsuda estava dedicado a se tornar um animador — profissional dedicado a executar cada minucioso traço para que uma animação funcione — mas seu tempo na CalArts acabou despertando uma nova paixão em sua vida: contar histórias.
“Eu gostava muito de desenhar também, então [me dedicar a] storyboarding foi uma forma de continuar tendo uma participação criativa através do desenho, da arte, mas também contribuir com a história. Tem um lado de roteiro, de compreensão de personagens e tudo mais, que eu comecei a admirar muito com o passar dos anos na CalArts.”
Ao se formar, ele estava comprometido a trabalhar exclusivamente contando histórias. E foi assim que começou sua brilhante jornada na Disney.
Leo entrou no estúdio para o cargo de story artist. Em animação, um storyboard é como uma história em quadrinhos mais rústica, com rascunhos simples para planejar as principais poses dos personagens em cada cena, antes da equipe de animadores trabalhar com mais detalhes na arte final.
Como explica o próprio Matsuda, essa ainda costuma ser uma função mais técnica, subordinada ao olhar do diretor. “Geralmente, quando você fala em storyboard artist, são os artistas que fazem mais as tomadas.” Mas na Disney, ele encontrou uma liberdade maior para influenciar as histórias em que estava envolvido, o que fez crescer a vontade de contar suas próprias histórias.
“Na Disney, costumam chamar de story artist porque eles contribuem muito até no roteiro. Então você contribui com a história em si, você senta com o diretor, debate o filme com o grupo de story artists e, juntamente, ajudam o diretor a entender que filme ele quer fazer.”
De artista a diretor
Com esse contato mais próximo com a direção, é natural imaginar que o próximo passo da carreira de Matsuda fosse dirigir uma obra mais autoral, e isso aconteceu com o curta “Cabeça ou Coração”, disponível no Disney+.
O curta é carregado de referências da infância de Matsuda, em especial em suas soluções visuais, e também expressa conflitos pessoais do diretor. Ele explica que a transição para a cadeira de direção foi tranquila, devido ao suporte considerável por parte da Disney.
“Eles levam esses curtas muito à sério. Você tem a sua disponibilidade alguns story artists, tem os brain trusts, que é um grupo de diretores que te ajudam, que foram muito generosos e me ajudaram bastante nesse processo.” Diferente do que costumamos imaginar, assim como no departamento de arte, o trabalho de um diretor também exige muita cooperação. “Ainda é um processo bastante colaborativo e acho que o importante é que você tenha a visão.”
A maior diferença no modo em que a Disney produz seus curtas e longas acaba sendo o escopo, o tamanho da obra. Mas ambos exigem uma confiança e a união de diferentes profissionais para montar seu enredo.
Claro que a natureza mais objetiva dos curtas, que duram poucos minutos, acaba demandando ideias mais criativas para transmitir rapidamente os conceitos da história. “Tentamos evitar o diálogo, porque às vezes ele acaba funcionando como uma forma de fazer uma coisa mais fácil,” explica. “Se o projeto não pede, é melhor evitar.”
Essa preocupação em simplificar o processo narrativo pode ser observada em Cabeça ou Coração. O curta não apresenta nenhum diálogo e precisou de muito esforço para entregar uma construção de mundo (world building) eficiente que não tomasse muito tempo de tela.
“Se você começa o filme com um cérebro, todo mundo vai olhar e pensar: ‘O que é isso?’ Você precisa de uma referência, ser introduzido àquele universo. E num curta, você não tem muito tempo para fazer isso. Então foi um dos grandes desafios do curta: ‘Como a gente vai introduzir esse universo de uma forma rápida?’”
A solução veio de um lugar bastante inusitado: suas memórias crescendo no Brasil dos anos 80. Como ele conta, na época sem a internet, era comum procurar informação em coleções de enciclopédia e as páginas sobre a anatomia humano ficaram fixadas na memória de Leo até os dias de hoje.
Confrontar as memórias de uma infância brasileira foram essenciais para reconectar o diretor a suas raízes, que vem se tornando um elemento essencial da nova fase de sua carreira.
Brasilidade resgatada
Quando começamos em algo novo é natural nos espelharmos nos grandes mestres, aqueles que são referência no assunto. É uma boa maneira de se desafiar, a ser cada vez melhor, mas é importante lembrar qual é nosso destaque, o que nos torna únicos. “No final das contas, você acaba descobrindo que você nunca vai conseguir ser [igual a] ninguém. Cada um é cada um.” reflete Matsuda.
Por estar sempre cercado de influências e ídolos americanos no mercado da animação, Leo admite ter tentado espelhar a cultura estadunidense em alguns momentos de sua carreira, mas hoje enxerga sua herança brasileira como um grande diferencial.
“Hoje mais do que nunca, muito da minha origem [está] nos meus projetos. É uma coisa que eleva a qualidade do meu trabalho por questão da minha origem. É uma coisa que eu sou muito grato por ter esse background: pelo fato de eu ter nascido no Brasil e ser descendente de japoneses.”
Essa relação mais íntima com sua própria identidade poderá ser melhor observada em seus projetos futuros. Ainda não sabemos muitos detalhes de seus próximos trabalhos, mas se o live action de Hello Kitty e Yokai Samba, sua futura animação, têm algo em comum: O desejo de explorar mais a fundo sua ancestralidade oriental sem perder de vista o seu jeitinho brasileiro.
“Eu acho que eu realmente quero fazer projetos que envolvam a questão das minhas origens. É algo que hoje eu vejo mais valor. Eu quero contar histórias que tenham mais a ver com minha origem, quem eu sou como pessoa e as histórias que eu, Leo, tenho para contar. E é uma coisa que vocês vão ver mais, esse lado meu.”
Contar histórias que fujam da visão americanizada tão difundida por Hollywood é algo que não seria possível há alguns anos atrás. Recentemente, podemos ver uma mudança no meio do entretenimento que começa finalmente a valorizar vozes diferentes e tentar entender melhor novas culturas.
Leo suspeita que essa mudança de paradigma só se acelerou com a pandemia, um período que pede que as pessoas coloquem as diferenças de lado para enfrentar um problema que atinge a todos. “Teve uma mudança muito grande. Ampliou a visão sobre diversidade. As pessoas estão escutando mais. É um momento propício para mostrar sua própria voz.”
É assim que, cada vez mais relevante e mais motivado a contar suas histórias, Leo Matsuda se tornou uma das grandes promessas no meio da animação. Seu toque brasileiro tem conquistado os grandes estúdios e não deve sumir da nossa telinha nem tão cedo.
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