A Lenda de Korra, Steven Universe, She-Ra e a diversidade nas animações
A Lenda de Korra, Steven Universe, She-Ra e a diversidade nas animações
As séries animadas estão cada vez mais diversas, mas trazer isso para as telinhas não é tarefa fácil!
A presença de personagens abertamente LGBT+ nas animações pode ser recente, mas sua inclusão no geral vem acontecendo há mais tempo que muita gente percebe. Quando se trata de diversidade, há mais a ser discutido que apenas desde quando ela começou a ser evidenciada ou mesmo do que quantidade. O modo como isso acontece, o destaque dado aos personagens, bem como especialmente as batalhas travadas pelas equipes por trás das séries que buscam trazer maior diversidade para as telinhas, são todos pontos de grande relevância para o tema.
Não se pode negar que ao longo dos anos houve uma mudança nesse cenário. Mesmo diante de grandes sucessos recentes, no entanto, é importante discutir como essas mudanças se deram, e quão profundas elas realmente são. Aqui, pretendemos apresentar uma breve perspectiva de como esses personagens e histórias foram trabalhados ao longo do tempo, com destaque especial para três animações que se tornaram marcos quando o assunto é diversidade LGBT+ nas animações: A Lenda de Korra, Steven Universe e She-Ra e as Princesas do Poder.
- Uma breve perspectiva histórica
- Korra, Asami e a dificuldade de dar o primeiro passo
- Steven Universe e a contínua luta nos bastidores
- O que She-Ra mostra sobre o caminho até aqui e a jornada adiante
- A importância da diversidade nas animações
- Não deixe de conferir!
Uma breve perspectiva histórica
Mesmo quando se trata de diversidade em um sentido amplo, ainda há muito progresso a ser feito mesmo no âmbito das animações. Isso é ainda mais perceptível dada a reação que animações recentes geram por dar passos maiores nessa direção. O Príncipe Dragão, animação da Netflix, recebeu diversos elogios por seu elenco composto por personagens de diversas etnias, inclusive em posição de destaque. Quando se discute diversidade LGBT+, Steven Universe continua sendo citado como referência, ainda sendo um ponto fora da curva.
Quando falamos de desenhos antigos, como Looney Tunes por exemplo, é perceptível que de certa forma temas como gênero já eram amplamente prevalentes há décadas. A princípio, no entanto, essa presença, assim como a de personagens homossexuais, tendia a ser utilizada apenas para construção de humor. Em um estudo sobre o teor do conteúdo apresentado na televisão quando se trata de personagens LGBT+, o pesquisador Carson Cook afirma que foi apenas entre as décadas de 70 e 80 que algumas séries começaram a apresentar personagens homossexuais de modo positivo, fugindo um pouco aos estereótipos violentos ou reducionistas apresentados até então. Mesmo assim, o assunto era tratado como problema, nunca sendo apenas parte da construção de um personagem complexo como relacionamentos heterosexuais frequentemente são.
Nos anos 90, personagens LGBT+ passaram a ter maior presença em animações adultas, com Os Simpsons e South Park. Em termos de conteúdo, no entanto, muito permaneceu igual, mesmo com a chegada dos anos 2000. Foi apenas depois de 2010 que tramas e personagens mais diversos e bem construídos começaram a ganhar mais espaço nas animações ocidentais, embora produções como A Lenda de Korra demonstrem a dificuldade de tornar essas narrativas centrais, independente dos desejos de seus criadores.
Korra, Asami e a dificuldade de dar o primeiro passo
Estreando em 2012 e sendo concluída em 2014, A Lenda de Korra é alvo de discussões acaloradas até hoje. Entre os muitos motivos de disputas, que vão de comparar a série a sua antecessora a discutir o valor de Korra como protagonista e Avatar, um dos que mais se destaca é a construção do relacionamento entre Korra e Asami, bem como a decisão de oficializar as duas como casal ao fim da animação. Mas os problemas que muitos levantam em relação ao assunto são muitas vezes resultado de decisões que vão muito além da narrativa.
Dias após o lançamento do episódio final da série, Bryan Konietzko, um dos criadores da série, utilizou sua conta no Tumblr para comentar a recepção do último episódio por parte do público, bem como falar um pouco sobre a decisão que levou a história até esse ponto. Em seu relato, o criador e roteirista revela ter mencionado a ideia desde o desenvolvimento da primeira temporada da animação, embora nenhum dos envolvidos no projeto — nem mesmo ele — levassem a ideia muito a sério. O motivo disso, de acordo com ele, é que eles não acreditavam que isso seria permitido. Em seu texto, ele explica:
“A princípio nós não levamos muito a sério, não porque pensamos que relacionamentos entre o mesmo sexo são uma piada,mas porque nunca presumimos que isso era algo de que iriamos nos safar se representássemos em uma série animada em um canal para crianças na atualidade, ou pelo menos em 2010.”
A fala de Konietzko levanta um questionamento que permanece relevante até hoje. Se as equipes por trás dessas produções mal conseguiam considerar relacionamentos homossexuais como algo que teriam a possibilidade de explorar, a possibilidade de ver tais relações exploradas de modo bem construído se torna ainda mais remota. Contar uma história inclusiva se torna motivo de hesitação ou até medo, já que o risco de retaliação, não somente por parte do público como também da própria emissora, continua sendo real.
Uma das reclamações mais comuns quando se trata de Korra e Asami é de que a relação das duas não foi construída como romântica. O argumento por si só é discutível, uma vez que as personagens estabelecem uma amizade profunda sobre a qual a base de seu romance é construída de forma sutil. Ainda assim, os bastidores mais uma vez revelam que não foi falta de pensamento, planejamento ou vontade que levou ao desenvolvimento extremamente sutil visto nas duas últimas temporadas da série. A amizade das duas é onde tudo se origina, mas mesmo quando a equipe na produção da série percebeu o rumo natural que a relação deveria seguir, a ideia de fazê-lo abertamente ainda era ameaçadora para eles, como Konietzko conta.
Ao mesmo tempo em que a conclusão do desenho gerou reclamações pela suposta falta de desenvolvimento, outros ficaram insatisfeitos pela maneira ainda tímida como o relacionamento das duas é confirmado. Ainda que abertamente romântico, o fim não é tão explícito quanto os beijos que ambas Asami e Korra dividem com Mako nas temporadas anteriores. 2014 pode não parecer tão distante, mas ainda era um momento onde mesmo a ideia de apresentar uma protagonista abertamente bissexual terminando ao lado de outra mulher parecia impossível de ser concretizada.
Konietzko afirma que a decisão que ele e o outro criador da série, Mike DiMartino, tomaram foi de fazer Korrasami, como o casal é chamado entre os fãs, acontecer do modo mais direto possível, não deixando ambiguidade quanto à transformação do relacionamento de amizade a romance. A escolha veio da própria percepção dos autores de que para que ocorresse uma mudança no paradigma que discrimina e marginaliza pessoas não-heterossexuais, era preciso se posicionar contra ele. Levando sua decisão à Nickelodeon, Konietzko diz que eles receberam apoio, embora tenham sido estabelecidos limites para o que eles poderiam fazer.
Atualmente, pode parecer mínimo que Korra e Asami terminem juntas mas só possam dar as mãos, em uma cena que só ocorre no último episódio da animação. Apesar disso, o momento foi considerado extremamente significativo na época, além de abrir portas para maiores desenvolvimentos em animações que vieram depois. Por menor que tenha sido o gesto, a declaração foi de fato clara, e veio em uma época onde a maior parte das animações não se atreveria a tanto.
Desde então, muitas outras séries deram passos cada vez maiores em direção à diversidade. Como Palmer Haasch bem define em um artigo para o site Insider, “O final de Korra não seria nem de longe tão inovador hoje quanto foi na época, e isso é uma coisa boa”.
Steven Universe e a contínua luta nos bastidores
Entre os principais impactados pela abertura deixada pelo fim de A Lenda de Korra, dois dos mais citados são Steven Universe e Hora de Aventura. Enquanto essa última se tornou mais aberta com o relacionamento de Marceline e da Princesa Jujuba, a primeira foi além, sendo considerada uma das produções mais significativas quando se trata de diversidade na televisão.
Não à toa, a produção conquistou fãs muito além do público alvo infantil. Poucas séries têm tanto cuidado ou coragem quanto a obra de Rebecca Sugar, que apresenta não só personagens LGBT+ como exploram temas e questões com os quais esse público se identifica.
O amor de Rubi e Safira, as duas gems que por meio de uma fusão formam Garnet, nunca é apresentado como questionável ou sequer como um ponto de sofrimento para a personagem. Viver como uma fusão pode ser visto negativamente por outros, mas apenas pelos personagens que o público facilmente identifica como errados na situação. Já o amor de Pérola por Rose apresenta um outro lado, que apresenta uma história de amor não correspondido que não depende de questionamentos quanto à orientação sexual para ser construída de forma trágica. Além dos romances, há ainda todas as questões relacionadas a gênero, tratadas com respeito e naturalidade, como é o caso com os questionamentos de Stevonnie.
A série se consolidou como paradigma quando o assunto são as representações LGBT+. Ao apresentar temas relativos à essa comunidade de modo completamente natural e normal, o desenho criou outros parâmetros para a diversidade nas telas. É inegável que os avanços foram enormes, mas para que eles chegassem houveram batalhas ainda maiores que precisaram ser travadas nos bastidores da produção.
De acordo com Sugar, a revelação de que Garnet era composta por duas gems em um relacionamento romântico teria sido contestada pela Cartoon Network. A emissora teria afirmado que ela não poderia fazer isso, embora a personagem já fosse parte importante da história e o episódio estivesse em produção. Em entrevista à revista Paper, a criadora da série comentou que se orgulhava de tudo que eles haviam conseguido realizar em Steven Universe, principalmente com Garnet, mas falou também sobre as dificuldades que enfrentou:
“Lá em 2014, 2015, 2016 me disseram que eu não poderia discutir isso [o relacionamento de Rubi e Safira] publicamente. Eles basicamente me trouxeram e disseram ‘nós queremos apoiar que você está fazendo isso mas você tem que entender que internacionalmente se você falar disso publicamente, a série será retirada de muitos países e isso pode significar o fim da série’. Eles realmente me deram a escolha de falar sobre isso ou não, de falar a verdade sobre isso ou não, por volta de 2015, 2016, nesse ponto eu estava honestamente muito doente mentalmente e dissociei durante a Comic Con. Eu fazia desenhos particulares dessas personagens se beijando ou abraçando que não podia compartilhar. Eu não conseguia conciliar o quão simples isso era para mim e o quão impossível era fazer acontecer, então eu falei sobre isso. A série sobreviveu em grande parte por causa do apoio dos fãs.”
A experiência de Rebecca Sugar demonstra que muitos problemas permanecem mesmo diante dos aparentes avanços em termos de representatividade. Enquanto Steven Universe era elogiada por ser uma série muito diversa, sua criadora sofria gravemente por ter que lutar para que a série pudesse apresentar as coisas da maneira como foi feita. Apesar de querer se colocar como inclusiva, a emissora não deu o apoio e suporte para aquela que teve a coragem de se arriscar e garantir que essas histórias fossem contadas.
Há também o importante elemento da saúde mental das pessoas LGBT+ por trás dessas séries. Ainda que o avanço iniciado por Konietzko e DiMartino tenha sido essencial, os criadores de A Lenda de Korra estavam se posicionando como aliados. Invalidar que histórias que fogem à heteronormatividade sejam contadas é também invalidar a existência, aceitação e normalidade de vivências LGBT+. Isso tem impacto ainda maior em pessoas que fazem parte dessa comunidade, pois é mais uma maneira de mantê-las silenciadas e à margem. Como a própria Sugar coloca, algo que para ela parecia simples não era aceito abertamente, e isso teve consequências em sua própria saúde mental.
O que She-Ra mostra sobre o caminho até aqui e a jornada adiante
Apesar de tudo que sofreu, Rebecca Sugar conseguiu fazer o que se propôs, lutando para contar sua história da maneira que queria. Este sucesso, por sua vez, impactou em outras séries animadas. Foi o caso de She-Ra e as Princesas do Poder, reboot da animação dos anos 80. Dessa vez, a trama apresentou Adora e as outras princesas de modo muito mais profundo e complexo, além de evitar a sexualização das personagens. Ao mesmo tempo, a série se tornou um marco por não só contar com uma protagonista homossexual, mas desenvolver seu relacionamento ao longo de toda a história, finalizando de maneira corajosa com um beijo entre ela e Felina.
A expectativa pode ser que, após as difíceis batalhas de Sugar, os estúdios tenham percebido a reação do público, tornando o processo mais simples para Noelle Stevenson, responsável pela criação da nova She-Ra. Não foi isso que aconteceu, porém, e a criadora já comentou que embora deva muito ao sucesso de Steven Universe, teve que lutar ao longo de toda a série para conseguir desenvolver seus personagens do modo que desejava.
Falando à Paper Magazine ao lado de Sugar, Stevenson declarou que mesmo as conversas iniciais sobre incluir personagens e relacionamentos LGBT+ só foram possíveis graças à recepção positiva que a série da primeira teve:
“Sim, nós começamos a produção perto do início de 2016 então, honestamente, mesmo as conversas que estávamos tendo no começo dos nossos planos para incluir personagens e relacionamentos queer só foi possível porque Steven Universe havia feito primeiro. Nós podemos apontar para Steven Universe, o que você [Sugar] estava fazendo lá e ficar tipo ‘veja, isso está funcionando, isso está sendo apoiado, os fãs gostam disso e está recebendo esta reação’.
No entanto, She-Ra começou a ser desenvolvida no início de 2016, ano das eleições estadunidenses que resultaram na vitória de Donald Trump. O contexto político no país acabou dificultando essas discussões que inicialmente pareciam promissoras, como ela contou:
A princípio parecia que íamos conseguir isso da empresa, nós estávamos muito empolgados com isso e então estávamos preparando as coisas na temporada um, nós tivemos o episódio ‘Encontro de Princesas’, então a eleição de 2016 aconteceu e todo mundo ficou muito assustado. Foi imediatamente, como Rebecca disse, o mesmo tipo de retrocesso onde nos disseram categoricamente que não poderíamos fazer isso. Em tudo, sem romance. Foi o quão amplo ficou! Vamos ficar extra a salvo, sem romance nenhum. Nós lutamos muito, muito pelo episódio ‘Encontro de Princesas’, eu meio que usei alguns truques sujos para conseguir manter a inclinação e tudo [no episódio], mas nossa equipe principal trabalhando na série para a Netflix estava alguns anos antes de realmente ser lançado então muito da série já estava pronto quando a primeira temporada foi lançada. Nós estávamos contando com a reação dos fãs para virar o jogo a nosso favor e podermos fazer essas coisas canônicas.”
O depoimento de Stevenson mostra que apesar dos aparentes avanços na frente das telas, isso não é necessariamente refletido por trás da produção. Ainda que a influência de Steven Universe tenha tornado as coisas inicialmente favoráveis, a situação foi revertida rapidamente devido ao clima político nos Estados Unidos. O caso também chama a atenção para a maneira como as conquistas e avanços de grupos considerados minorias funcionam. Mesmo que algo seja conquistado, existe o risco de que a qualquer momento isso seja revertido e os resultados da luta até então sejam perdidos.
Para que She-Ra incluísse o relacionamento de Adora e Felina, Stevenson precisou continuar travando pequenas e grandes batalhas ao longo de toda a jornada. Em múltiplas ocasiões, a showrunner deixou claro que houve um esforço para construir cuidadosamente o romance como parte integral da trama. Ao mesmo tempo, era preciso manter a história coerente sem ele, já que a qualquer momento o romance poderia ser vetado pelos executivos da DreamWorks.
Assim, ela precisou utilizar cada oportunidade de avanço para incluir um pouco mais do que pretendia na série. A recepção positiva ou negativa de outras animações continuou a afetar as possibilidades de She-Ra ao longo de todo seu desenvolvimento, e o processo foi uma luta constante para ser concretizado. Stevenson explicou:
“A partir daí [a recepção positiva da primeira temporada], o caminho foi baseado também no que estava acontecendo em outras séries no momento com representação queer. O que estava indo bem ou mal, nós encontramos aquela janela onde esse pedido iria acertar o momento perfeito e do modo certo. Era como ganhar tempo, tentando construir a fundação do que pretendíamos desde o começo e ter certeza que funcionaria de qualquer forma se essa parte muito integral da história tivesse que ser removida ou censurada, o que é triste, mas garantindo que ainda seria uma história satisfatória, o que eu não tenho certeza que conseguiríamos fazer sinceramente. É uma parte tão grande do que a série é.”
Por sua vez, os avanços que She-Ra trouxe em relação à diversidade nas telas inspiraram outras produções, como Kipo e os Animonstros. Também da DreamWorks, a produção conta com um personagem importante, Benson, abertamente se assumindo gay. Um romance entre ele e outro personagem acabou se desenvolvendo de modo tão natural quanto qualquer outro relacionamento heterossexual apresentado em outros desenhos.
A história de She-Ra mostra que não é possível simplesmente acreditar que os avanços feitos até aqui são o suficiente para garantir que tenhamos vozes cada vez mais diversas nas animações. Além disso, tanto Stevenson quanto Sugar mostram o impacto que a indústria tem nos criadores e criadoras LGBT+ que se esforçam para tornar as produções mais diversas, já que a todo tempo precisam lidar com ter suas vivências e sua arte invalidados. Ainda assim, a trajetória do reboot também mostra que o impacto de tentar fazer mais e ir mais longe tem sua significância. Há esperança para o futuro, e fica a expectativa de que menos criadores precisem sofrer para que o amor entre pessoas do mesmo sexo não seja invalidado até na ficção.
A importância da diversidade nas animações
Mesmo atualmente, é comum que discussões sobre diversidade sejam respondidas com comentários que questionam sua real importância. Como cada um dos criadores mencionados coloca, permitir que essas histórias sejam contadas é essencial para o público que ainda está se descobrindo, normalizando relações que deveriam ser aceitas como normais e evitando todo o sofrimento causado pelo apagamento. Existe muito mais a ser abordado em temas LGBT+ do que ‘temas adultos’ ou usar esses temas como motivo para piadas.
Em sua postagem, Konietzko sumariza a ideia de forma simples:
“Já passou da hora de nossa mídia (incluindo mídia para crianças) parar de tratar pessoas não-heterossexuais como não existentes, ou como algo que deve ser zombado. Eu só sinto muito que levamos tanto tempo para ter esse tipo de representação em uma de nossas histórias.”
Como Sugar diz à Entertainment Weekly, o assunto para ela é consideravelmente mais pessoal e relacionado a suas próprias vivências:
“Nós precisamos deixar as crianças saberem que pertencem nesse mundo. Você não pode esperar para dizer a elas depois que já cresceram e o estrago está feito. Você tem que dizer a elas enquanto ainda são crianças que elas merecem amor e que merecem apoio e que as pessoas ficarão empolgadas para ouvir suas histórias. Quando você não mostra nenhuma história infantil sobre personagens LGBTQIA e então quando eles crescem, eles não vão contar suas próprias histórias porque eles vão pensar que elas são inapropriadas e eles terão razões muito boas para pensar isso porque é o que eles ouviram durante toda sua infância.”
A criadora de Steven Universe também credita sua experiência na série por fazê-la perceber que parte do problema era resultado da falta de diversidade entre os criadores dessas histórias. Como ela explica, essa falta de diversidade resulta em histórias semelhantes sendo contadas, enquanto pessoas com outras experiências com as quais crianças poderiam se identificar não tem as mesmas oportunidades:
“Enquanto eu estava trabalhando em Steven, essas teorias começaram a evoluir porque eu comecei a perceber que se a grande maioria do conteúdo animado é feito por homens brancos, cis, heterossexuais, então milhões de crianças, as conversas que eles estão tendo são sempre com alguém com uma experiência muito parecida. Essa pessoa está falando muito genuinamente, mas a história que estamos todos ouvindo durante nossos anos formativos é a história dos sonhos dele e das esperanças dele, a história da mulher que ele acha atraente, essas são as histórias com as quais estamos crescendo. Eu comecei a pensar sobre a diferença que faria ter modelos LGBTQIA do outro lado da mesa — tendo uma conversa sobre o que é preciso para se respeitar em um mundo que quer te matar. Que diferença faria crescer sabendo que alguém por aí quer falar sobre isso, está vivendo isso do modo que você está em tempo real, do modo que vivemos quando nós éramos crianças. Isso teria um impacto enorme. Você não pode evitar ser parte da conversa se isso é algo pelo que você passou.”
Stevenson, por sua vez, manifesta sua vontade de ver histórias cada vez mais diversas. Para ela, não basta a representação ocasional e direta. São necessárias histórias complexas, com nuance, que explorem mais do que apenas o direito de existir e amar a qualquer pessoa. Em seu comentário, ela nota que existem problemas em como a diversidade LGBT+ se apresenta mesmo atualmente:
“Eu vejo pessoas falando sobre ‘oh o que todas essas lésbicas em desenhos estão fazendo, isso é uma moda’ ou ‘por que toda série tem que ter um personagem gay agora, é desnecessário’ e eu tenho medo disso. O fato é que com algo disso há uma conversa muito real e legítima sobre a ausência de personagens masculinos gays nas animações, o que eu acho que é uma conversa muito boa e importante que todos precisamos ter. O fato de que existem personagens femininas sáficas o suficiente que podemos ter quatro imagens diferentes de um beijo não é muito… Eu fico muito feliz de ver a mudança, mas ainda há muito a ser feito.
A criadora de She-Ra também espera que por meio de diversidade por trás das obras, as animações contem com histórias cada vez mais variadas:
Minha esperança para o futuro do conteúdo LGBT na mídia, especificamente mídia infantil, é que precisamos muito disso, muito de variedade também. Nós precisamos elevar as vozes deles ao mesmo tempo. Eu quero ver showrunners mulheres não-brancas e queer, showrunners homens queer não-brancos e elevar essas vozes… Como uma comunidade nós estamos todos indo adiante para elevar as histórias uns dos outros e nos tornarmos parte da tapeçaria ao invés de ter uma série gay de cada vez. Eu quero não ter que continuar colocando um bloco em cima do outro quando se trata de construir esse futuro. Eu quero ver isso mudar de ‘isso é uma moda’ ou ‘toda série tem que ter um casal lésbico agora’, eu não quero que essa seja a conversa, eu quero que todos se lembrem que estamos sempre seguindo em frente, que estamos fazendo isso uns pelos outros e por todo mundo que está assistindo.”
Para aqueles que têm sua existência invalidada constantemente, não há dúvidas da importância que essa diversidade possui. Mas é preciso ir além do que é visto nas telas, além dos personagens, garantindo que as vozes que contam essas histórias também sejam diversas. Acima de tudo, a trajetória da representatividade LGBT+ nas animações até o momento mostra que é preciso fazer mais pelos criadores, que arriscam não só suas carreiras como sua própria saúde em busca de criar um futuro melhor.
Muito já foi feito, mas há ainda mais a ser construído. As narrativas de ficção tem grande importância na formação das pessoas, e se ver representado nelas faz uma enorme diferença para aqueles que são forçados a justificar sua existência constantemente. As animações têm papel essencial nesse processo, tanto como obras que muitas vezes são dedicadas a um público em formação, como por seu grande alcance. Rever o histórico da diversidade nessa mídia não é o suficiente para considerar-se que já foi feito o bastante, mas certamente demonstra que, apesar de árduo, há um caminho melhor para se seguir daqui em diante.
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