Homem-Aranha: A história da criação do herói e sua trajetória de sucesso na Marvel
Homem-Aranha: A história da criação do herói e sua trajetória de sucesso na Marvel
Entenda a origem do Homem-Aranha e como ele se tornou um dos maiores heróis da cultura pop
Entre deuses, o mundano. Assim como o panteão grego era um ideal das virtudes e falhas do ser humano, o Superman se lançou como a melhor versão do homem moderno. Já nas revistas ao lado das dele nas bancas de jornal, o Homem-Aranha era mais homem que aranha, mais comum do que herói. Carregando de problemas financeiros a relacionamentos conturbados e dever de casa, Peter Parker rapidamente ganhou o carinho do público, mas como?
Criado por Stan Lee e Steve Ditko, a trajetória do personagem se deu início de forma tão conturbada quanto a sua vida. Surgindo da visão de uma mosca na parede, Stan decidiu criar um herói adolescente que pudesse escalar e se prender nas paredes. O sonho de dar vida ao personagem logo morreu quando seus editores disseram que seria uma loucura.
Entre mito e realidade
“Ninguém gosta de aranhas e heróis não tem problemas pessoais”, disseram. E, em parte, estavam certos. A figura do herói da Era de Ouro dos quadrinhos não era muito diferente do como as religiões pensavam e pensam sobre seus mitos. Na narrativa do herói, há moralidade e perfeição. Não há pensamentos dúbios, não há como ser tentado. Pelo contrário, eles são a personificação do que seria atingir o mais alto grau divino.
Esses mitos, com o intuito de nos fazer pensar, de nos impor a tarefa de se interpretar, trazem permanência e mudança, representação e ação, procurando fazer com que coloquemos esses debates no nosso dia a dia. Mas, se nessas histórias a perfeição não era um problema, na modernidade, com tantos debates, é difícil acreditar na verossimilhança de um personagem perfeito.
E dando um tiro no escuro, Stan Lee decidiu dar vida a sua ideia e lançar o personagem na última edição de uma revista prestes a ser cancelada. “Se você tem uma ideia em que você acredita, genuinamente, ser boa, não deixe algum idiota fazer com que desista dela”, disse o roteirista em entrevista.
Ao contrário do que seus editores pensavam, Peter Parker foi um sucesso. Se balançando nas teias, prendendo malfeitores e pulando entre os prédios de Manhattan, o personagem se tornou não apenas um herói, mas o Amigo da Vizinhança. E, se parecia um absurdo um personagem tão mundano como Peter ganhar espaço nas vendas ao lado de Clark Kent, o choque foi perceber que a presença do jovem herói pareceu mudar toda a estrutura do mercado de publicação em quadrinhos.
A ideia inicial de Lee era criar um super herói realista. Um que, assim como ele, se preocupava com dinheiro. Alguém que não tivesse tantos amigos na escola. Que gostava da garota popular, enquanto ela nem sabia da sua existência. Alguém que precisava esconder sua vida de tudo e todos e ser renegado por isso. O que parecia apenas a história de um “perdedor”, se tornou motivo para se criar identificação com ele.
E, se em um momento ser Clark Kent era sinônimo de moralidade inabalável, aos poucos as histórias que os heróis encontravam em seus quadrinhos eram, não apenas pessoais, mas sociais. Com dilemas que conversavam com a vida do leitor, além da narrativa clichê sobre a moralidade do Superman. Nos anos 70, por exemplo, Lois Lane quis entender o racismo ao se tornar negra em uma edição. Problemáticas a parte, a presença maior da jornalista e de um tema social são uma resposta a essa nova dinâmica, do herói que conversa com o indivíduo do dia a dia.
Debaixo da máscara
Peter então, assim como os X-Men, representava uma complexa e rica elaboração psicológica, que não se debruçava apenas nos poderes e vilões dos heróis, mas na realidade. Assim, as histórias passaram a tomar abordagens sociais, as levando como uma forma de construir a narrativa do personagem.
E, mesmo de forma não pensada, essa popularidade foi dos enredos para a estética. Seu uniforme não se tornou apenas uma forma de adaptar o sonho americano, com seu vermelho e azul, mas também um anonimato que poderia colocar qualquer um debaixo de sua máscara. A citação de Stan Lee sobre o assunto é mais do que conhecida:
“Ele pode ser uma criança negra, pode ser uma criança asiática, qualquer pessoa de qualquer cor. Eles podiam imaginar que eles mesmos eram o Homem-Aranha por ele ter todo o seu corpo coberto. Não fizemos isso de propósito, mas claramente serviu desta forma.”
Talvez pelo tamanho da popularidade do personagem, Peter Parker se tornou um dos primeiros heróis da Marvel a passar o seu manto para a nova geração de heróis. O sucesso de seu sucessor, Miles Morales, se dá principalmente, pela concretização do sonho de qualquer pessoa poder vestir a máscara do Homem-Aranha. Seu Multiverso também. Seja homem, mulher, criança, adulto, negro, amarelo ou branco, a Marvel fez o possível para manter esse sonho vivo.
Sendo ou não um mito moderno, o Homem-Aranha deu espaço para uma quantidade massiva de adaptações, que foram de animações para TV até filmes e tokusatsus. A fama do personagem pode ter recaído sobre as franquias de cinema, mas a verdade é que, como um vírus, ele se instalou no imaginário popular, sendo utilizado tanto em memes quanto em recriações de qualquer lugar do mundo.
Neurótico, o próprio dilema moderno
Tudo isso por causa de uma mosca na parede. E da crise da modernidade. Como disse Sally Kempton em um artigo sobre a Marvel em The Village Voice: “Como um personagem tão são como o Superman pode competir com esse dilema moderno, este neurótico Homem-Aranha, o super-anti-herói do nosso tempo?”
Talvez a resposta mais simples seja que se Clark foi criado por Joe Shuster e Jerry Siegel para personificar a perfeição da masculinidade e branquitude, Peter surge como uma resposta ao que deu errado. E não de forma ruim. Pelo contrário, ele surge em uma geração que está começando a ser bombardeada pela mídia, que começa a enfrentar mais dificuldades para adentrar o mercado de trabalho e moldada sobre o sonho de um futuro melhor, um que o nerd possa receber atenção.
Peter enfrenta todas essas questões e se manter de pé é o motivo da sua popularidade. Diferente de tantos outros personagens, que escondem suas fraquezas, o público sabe de todos os medos do Homem-Aranha. Ou, pelo menos, o que há na cabeça de Peter por debaixo da máscara: Tia May, Gwen Stacy, Mary Jane, até mesmo Harry e Norman Osborn. Manhattan. Os boletos para pagar. A roupa para lavar. O artigo para a faculdade.
Acima de um “herói que escala paredes” e muito além de seu design, o que fica ao lembrar dele é: ser humano. Mesmo que a situação possa ter mudado, dado que o panteão de heróis moderno é bem mais extenso e diverso do que antes, o Homem-Aranha ainda é um personagem de fácil identificação. Com o ego de um jovem adulto, as suas aventuras, quando as desprendemos de seus vilões, são atemporais.
Seja com a dor da perda de Gwen Stacy, com o medo e insegurança de ver a tia May se casando com o Doutor Octopus e seu amigo Harry Osborn se deixando levar pelas drogas, Homem-Aranha possui uma estrutura que é transportada pelos anos. Conhecer, entender e pesquisar a história dele é fácil, pois desde seu início ele foi pensado para que qualquer um consiga vestir o uniforme de Peter.
Por isso, mais do que uma criação de Lee e Ditko, o Homem-Aranha parece um amálgama, uma construção conjunta. Não apenas de todos os roteiristas que passaram a mão no personagem, mas do público que aguarda ansioso por cada filme, série, jogos e quadrinhos. É como a cena de Homem-Aranha no Aranhaverso: todos parecem observar o herói com suas máscaras de Homem-Aranha, esperando os próximos passos do personagem.
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