Homem-Aranha 3 é tão ruim assim? Revisitando o último filme com Tobey Maguire
Homem-Aranha 3 é tão ruim assim? Revisitando o último filme com Tobey Maguire
Último projeto de Sam Raimi é marcado por decisões questionáveis, mas carrega uma reputação de ser pior do que realmente é
Com Sem Volta para Casa prestes a abraçar o Multiverso, pelo menos há certo consenso nas discussões na internet: o Homem-Aranha é um herói verdadeiramente querido, com uma enorme legião de fãs. Agora, toda essa paz vai pro ralo quando chega a pergunta de qual versão é a favorita de cada pessoa. Rapidamente os socos começam a voar, com argumentos sólidos a favor e contra qualquer um dos intérpretes do Teioso no cinema.
Tobey Maguire, que foi o primeiro Homem-Aranha das telonas no começo dos anos 2000, segue sendo o favorito de muita gente, especialmente pelos seus ótimos vilões e pela direção de Sam Raimi. Mas mesmo o Aranha veterano tem uma marca sombria em seu passado na forma de Homem-Aranha 3, o fim de trilogia responsável pela saída de Raimi dos filmes de herói após desentendimentos com a Sony Pictures, e por si só uma obra altamente bagunçada.
Isso significa que Homem-Aranha 3 é terrível? Não mesmo. Revisitar esse projeto tão infame em 2021, após duas novas encarnações do herói, é especialmente curioso para ver o conflito entre cineasta e estúdio, e também para reconhecer que mesmo um filme estufado de arcos e personagens ainda pode divertir e entregar momentos de qualidade verdadeira.
O que aconteceu nos bastidores de Homem-Aranha 3?
Lançado em 2007, Homem-Aranha 3 era um dos filmes de heróis mais esperados de Hollywood. Na época, ainda não havia o Universo Cinematográfico da Marvel (que só começaria no ano seguinte, com Homem de Ferro), e a franquia de Sam Raimi havia sido um dos poucos acertos das adaptações de HQs.
Os antecessores eram – e ainda são – obras excelentes, em especial Homem-Aranha 2 (2004), que elevou todas as qualidades do original ao entregar lutas intensas, dramas emocionantes e ótimos personagens. Até hoje, o filme do meio é considerado uma das obras-primas do gênero, portanto é fácil de entender o entusiasmo pela sequência.
O que chegou aos cinemas em 2007 não agradou tanto. Homem-Aranha 3 é um filme confuso, que se arrasta de forma inconsistente por suas 2h30 de duração, sempre apresentando mais e mais arcos e vilões, mas nunca desenvolvendo tudo propriamente. O filme teve recepção morna pela crítica, com uma modesta média de 63% de aprovação no Rotten Tomatoes. Já na bilheteria, o cenário é outro, e Homem-Aranha 3 se saiu muito bem, com arrecadação mundial de US$894 milhões – a terceira maior bilheteria daquele ano, ficando atrás apenas de Piratas do Caribe: No Fim do Mundo (US$960 milhões) e Harry Potter e a Ordem da Fênix (US$941 milhões).
Em termos gerais, Homem-Aranha 3 se saiu bem o bastante para ganhar uma sequência, tendo enchido os bolsos de todos os envolvidos. O verdadeiro problema foi que seu desenvolvimento foi turbulento o bastante para amargar a relação entre Sam Raimi e a Sony Pictures. Anos depois, o cineasta falou abertamente sobre as complicações nos bastidores, e esclareceu que muitas das decisões questionáveis do produto final vieram de intervenções dos executivos do estúdio.
A maior delas, segundo Raimi, foi a inclusão do Venom. Ainda que seja o maior vilão do Homem-Aranha, sua presença no filme é mal desenvolvida, dando as caras apenas no ato final, e tendo como base uma atuação apática de Topher Grace (Infiltrado na Klan).
Em 2009, falando com a Empire Magazine, o cineasta deixou claro que não morre de amores pelo vilão (via The Guardian):
“Não gosto de comentar sobre o Venom porque sei que é um ótimo personagem e que é muito amado pelos fãs. Não falo mal de um personagem amado assim porque, geralmente, sou eu que não entendo o seu apelo.”
Na época, Raimi continuava a trabalhar em Homem-Aranha 4, que chegaria aos cinemas em 2011 e marcaria a última aventura do herói por Tobey Maguire, em um filme que introduziria o Mysterio (vivido por Bruce Campbell, o Ash Williams de Evil Dead) e mais uma porrada de outros personagens. O cineasta, porém, já não sentia o mesmo entusiasmo, com certo receio de ter o controle criativo novamente tirado de suas mãos.
Buscando uma saída pacífica, Sam Raimi conversou com os executivos da Sony, e juntos decidiram dar um basta. O diretor deixaria o projeto, e o estúdio daria um reboot na franquia, ao invés de colocar outro cineasta em seu lugar.
Apesar de todos os perrengues, é possível entender que foi uma decisão mútua. Hoje em dia, Sam Raimi atua mais como produtor de diversas obras de terror, e a grande maioria delas é distribuída em parceria com a Sony Pictures, como A Morte do Demônio (2013), O Homem nas Trevas (2016), O Grito (2020), e muito mais.
Vale a pena revisitar Homem-Aranha 3?
Apesar de ser uma história sem grandes brigas, e com um desfecho até que amigável, Homem-Aranha 3 ganhou uma reputação ao longo dos anos. O filme, que teve recepção modesta e foi um sucesso de bilheteria, passou a ser considerado como uma das piores obras do gênero de heróis. Há sim muitas decisões a serem contestadas, claro, mas também é preciso reconhecer suas várias qualidades.
Hoje em dia, com uma variedade gigantesca de obras de heróis, é possível ver Homem-Aranha 3 com novos olhos. É um filme que, claro, continua estufado demais de conteúdo mal cozido: o Venom (ou mesmo o Eddie Brock) são cansativos, e o isso vale para todo o “romance” de Peter Parker com Gwen Stacy (Bryce Dallas Howard), ou mesmo seus desentendimentos com Mary Jane (Kirsten Dunst). Os antecessores tiravam de letra o equilíbrio entre os dramas pessoais de Parker com os conflitos heroicos, mas o terceiro não sabe bem como conciliar tudo isso. De qualquer forma, por baixo de toda a gordura excessiva, há muita coisa a se salvar.
Por mais que seja jogado de lado pelos demais vilões, o arco do Homem-Areia é um dos melhores de toda a trilogia. O antagonista vivido por Thomas Haden Church surpreende com uma história tocante de um homem simples que se vê arrastado para a vida do crime para ajudar sua família. A forma que sua jornada se cruza com a de Peter Parker talvez seja um pouco exagerada, mas não menos tocante, por demonstrar como é tênue a linha entre herói e vilão. De quebra, seus efeitos especiais seguram muito bem a barra até hoje.
A virada de Harry Osborn (James Franco) para o mal, quando abraça o manto da nova versão do Duende Verde, também é algo a se criticar, mas a intenção não é ruim. Na verdade, é a culminação ideal para o seu arco na trilogia, visto que ele passa por uma verdadeira desilusão ao descobrir que o melhor amigo é o Homem-Aranha (ainda que continue acreditando que foi o Teioso que matou o seu pai). Além da questionável decisão novelesca de apagar a memória do rapaz após um acidente, o grande erro desse novo Duende Verde é ter sido mal utilizado na hora errada. Ele realmente poderia ter brilhado se tivesse o espaço para ser o único vilão, ao invés de dividir o holofote com um Venom mal feito, ou um Homem-Areia muito superior.
Mas o que torna Homem-Aranha 3 digno de ser revisitado é o fato de que, mesmo nos piores momentos, o estilo de Sam Raimi se faz presente. Na era em que o cargo de diretor de filmes de herói da Marvel é quase simbólico, o filme de 2007 soa praticamente como um trabalho autoral. É visível que o cineasta já não estava tão a fim de conduzir essa jornada cheia de intervenções de executivos, mas a sua solução para evitar a fadiga foi abraçar o absurdo e tentar se divertir ao máximo. O resultado é algo cheio de carisma, e direção consistente até nos momentos mais duvidosos. A transformação de Eddie Brock no Venom, por exemplo, traz um gostinho de terror com o qual o diretor sempre flertou ao longo de sua trilogia, marca de seu início na saga Evil Dead.
Outra marca registrada de Sam Raimi é o seu apreço por humor pastelão, algo que definitivamente não funciona para todos. O cineasta é fã assumido de clássicos como Os Três Patetas, e sempre levou isso aos seus trabalhos, mesmo que de formas mais ácidas e sarcásticas. Foi o que aconteceu com Uma Noite Alucinante 3 (1992), com Arraste-me Para o Inferno (2009), e principalmente em Ash vs Evil Dead, série criada e produzida por Raimi. No caso de Homem-Aranha 3, isso se manifestou no infame ‘Peter Parker Emo’, a versão “corrompida” pelo Venom.
A decisão é, até hoje, o maior legado de Homem-Aranha 3, um saco de pancadas fácil para desmerecer todo o filme. Mas, acredite se quiser, há espaço para defesa – ou pelo menos para argumentação. Infectado pelo simbionte, Peter Parker não ganhou outro poder além da confiança exagerada. O momento em que aparece de terno preto, dançando na rua, sempre foi levado muito a sério, mas a intenção é clara: o filme não quer que o espectador considere o novo Parker como alguém legal, mas sim que dê risadas da noção de ‘ser descolado’ de um marmanjo nerd, sem traquejo social, do começo dos anos 2000.
Na era da ironia sem fim, das piadinhas incessantes por medo do público ficar minimamente entediado, há certo conforto em reassistir uma obra que não tem medo algum de ser simplesmente boba. E Homem-Aranha 3 se sai muito bem nisso. É um filme com muitos problemas, mas também com alto valor de entretenimento e diversão, com muito mais estilo e personalidade que muitas obras contemporâneas.
Qual o impacto de Homem-Aranha 3?
No fim das contas, nem a reputação de Homem-Aranha 3 conseguiu abalar o que foi construído por Sam Raimi. Em 2014, falando ao podcast do Nerdist (via The Hollywood Reporter), o diretor reconheceu que mandou mal: “Eu baguncei bastante o terceiro Homem-Aranha, então as pessoas me odiaram por anos – eles me odeiam até hoje. É um filme que só não funciona muito bem”. Mesmo assim, o sucesso de sua trilogia foi o pontapé inicial para a era dos heróis nos cinemas que vivemos até hoje.
Tobey Maguire, o astro mais divisivo entre os Teiosos, hoje é a pedida absoluta para dar as caras em Sem Volta para Casa, que deve ser a adaptação live-action do Aranhaverso, reunindo-o com Tom Holland e com Andrew Garfield (O Espetacular Homem-Aranha). A importância de ter Maguire de volta ao uniforme é tanta que o ator supostamente cobrou um cachê gigantesco para dar as caras – e não será surpreendente que a Marvel Studios tenha topado pagar.
Ao lado de Tobey Maguire, Sam Raimi também é uma das poucas pessoas capazes de fazer a Marvel se ajoelhar e implorar. Fora dos filmes de herói, o cineasta continuou sendo um dos mais valorizados nomes do horror, seja como diretor ou produtor. 15 anos após seu infame último trabalho no gênero, ele retorna em 2022 para comandar a sequência de Doutor Estranho, que promete ser uma experiência de insanidade com toques de terror ao colocar o Mago Supremo e a Feiticeira Escarlate em uma crise no Multiverso.
O cenário é muito diferente, e hoje quem comanda tudo não são mais os diretores, mas sim o produtor Kevin Feige, cujo toque de ouro – e mão de ferro – consagrou o MCU. Raimi estava confortável longe da cadeira do diretor, e só foi convocado de volta pois Feige entende o valor de sua visão e estilo, ainda que a Marvel Studios seja conhecida por não se dar muito bem com diretores autorais.
Seja como for, o cineasta já deu a letra lá de suas condições para fazer filmes de herói novamente lá em 2009, quando contou à revista Empire o ensinamento que tirou de Homem-Aranha 3: “A melhor forma de eu fazer cinema – e essa foi uma lição que tive que aprender sozinho – é que preciso ser a única voz que toma as decisões criativas nos filmes.”
Qual a sua opinião sobre Homem-Aranha 3? Deixe nos comentários abaixo, e aproveite para conferir nosso ranking de todos os vilões do Teioso nos cinemas, do pior ao melhor: