Falcão e o Soldado Invernal: Como John Walker atualiza o significado do Capitão América
Falcão e o Soldado Invernal: Como John Walker atualiza o significado do Capitão América
John Walker é mais Capitão América que Steve Rogers
Atenção: Alerta de Spoilers!
Assim que John Walker apareceu em Falcão e o Soldado Invernal, no final do primeiro episódio, minha reação foi igual a de todo mundo: esse não é o meu Capitão América.
- "Seja firme nos seus princípios..."
- "... O que você pode fazer por seu país"
- “...Um novo jeito de vencer a guerra”
- "... Uma história americana, de esperança, não medo"
“Seja firme nos seus princípios…”
O desgosto de ver John Walker assumindo aquele manto de nobres ideais, sabendo que Sam Wilson era o seu herdeiro por direito, foi unânime em toda a internet. O novo Capitão América era praticamente uma ofensa ao público e não parecia condizer com o verdadeiro grupo de valores defendido pelo escudo.
Suas ações eram sempre impulsivas, agressivas e descabidas. Não lembrava em nada tudo que Steve Rogers foi, tudo que ele construiu ao longo de quase uma década de MCU.
Depois de manchar cada vez mais, literalmente, o escudo do Capitão América, John é chutado para o escanteio pelo governo americano. Parece que o alto escalão não gosta de alguém tão cheio de defeitos representando seus ideais. Poderia ser o fim da trajetória de John Walker, mas quando os terroristas atacam, ele ressurge.
No último episódio, com um escudo construído por ele mesmo, John bate de frente com Karli Morgentau, a assassina de seu melhor amigo. E me pegou completamente desarmado ao proferir a seguinte frase: “Acha que a vida do Lemar não importava?”
“… O que você pode fazer por seu país”
Pera aí… John Walker — o homem problemático escolhido pelo povo americano para lhe representar, que era aplaudido por um estádio lotado no início da série — estava gritando em alto e bom tom que a vida negra importa? Será que eu perdi alguma coisa?
Foi nessa cena que eu tive um estalo. John Walker em Falcão e o Soldado Invernal era ainda mais complexo que a versão dos quadrinhos.
Enquanto Steve Rogers representava os ideias americanos, que ficaram congelados em um mundo ideal, John Walker representa o que o povo americano realmente acredita no presente. De certo momento, na atual conjuntura política, John Walker é mais Capitão América que Steve Rogers.
Não é exatamente uma questão de quem os Estados Unidos pensam ser contra quem eles acham que são. Steve Rogers representa muito bem o que o povo estadunidense realmente enxergava como sendo bom, a questão é que são valores de décadas atrás. Uma construção que veio de um mundo mergulhado em guerras bem concretas: a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, a Guerra do Vietnã, a Guerra das Coreias…
Na percepção estadunidense, essas foram guerras que seu país se envolveu como um grande salvador, uma entidade misericordiosa. A grande exceção é a Guerra do Vietnã, que viu grande oposição entre a população como evidenciado pelo movimento hippie e documentado em filmes como Os 7 de Chicago.
Mas isso ficou no passado, ficou para a história. O novo Capitão América, John Walker, representa o momento mais recente dos Estados Unidos: um país em constante ofensiva, tentando ao máximo provar o seu poder.
“…Um novo jeito de vencer a guerra”
É precisamente nesse estado mental que conhecemos John Walker no início de Falcão e o Soldado Invernal.
Em decorrência do atentado de 11 de setembro, os EUA adotaram uma postura muito mais preventiva, ocasionando uma “Guerra ao Terror”. Assim como John Walker, que tem medo do que seus adversários podem fazer e acaba se precipitando estragando tudo. Foi assim quando Sam conversava com Karli, no episódio 4, em que John invadiu a negociação ocasionando a fuga da ativista.
Essa relação também se reflete em suas atitudes impulsivas e violentas, que causam vítimas colaterais quando decidem perseguir seus inimigos. Hoje, o país não se importa em condenar muçulmanos inocentes, por exemplo, usando sua guerra contra o Estado Islâmico como escudo. De maneira similar, quando Lemar é morto, no quinto episódio, John não tem problemas em assassinar brutalmente o primeiro Apátrida que encontra, mesmo que ele não tenha ligação com a morte do amigo.
Porém, é precisamente na relação com Lemar Hoskins que a série explora uma faceta mais complicada do país: um esforço em conciliar liberalismo com progresso social. Há espaço para todos no “país dos livres”?
Não é uma pergunta com uma resposta fácil, mas o debate é fascinante. Mesmo lutando pela manutenção de muitas instituições opressoras, esse Capitão América se coloca contra o racismo. Há um outro jeito interessante de analisar essa contradição: basta lembrar que as duas últimas maiores manifestações políticas nos Estados Unidos foram o movimento Vidas Negras Importam e a invasão ao Capitólio.
Manifestantes que invadiram o Capitólio, um movimento desesperado da extrema-direita contra a expressão mais pura da democracia estadunidense, trajavam vários símbolos que consideravam representar seus ideais de um país livre: entre eles a caveira do Justiceiro e o escudo do Capitão América. O Capitão América desses tempos é a invasão ao Capitólio.
Do outro lado, temos uma onda de passeatas protestando contra a morte de George Floyd, mais uma vítima das instituições mais racistas do país. Algumas celebridades se posicionaram nesse período, sendo as mais importantes delas dois intérpretes do Capitão América: Chris Evans e Anthony Mackie. O Capitão América desses tempos é o “vidas negras importam”.
Nessa mistura cinzenta de contradições reside o Capitão América de John Walker, interpretado por Wyatt Russell. Ele é uma caricatura do que seu país se tornou no presente, dos valores pelos quais o povo americano decidiu lutar.
“… Uma história americana, de esperança, não medo”
Mas no fim da série, quando as cortinas se fecham, há um novo Capitão América. Nas palavras do mesmo, “sem super soro, sem cabelos loiros, nem olhos azuis”. Sam Wilson, após uma longa jornada de reflexão sobre a história dos Estados Unidos e seu lugar nela, aceita se tornar o ícone do que o país pode se tornar.
John Walker atualizou o simbolismo do Capitão América para a nossa realidade presente, mas Sam Wilson nos permite sonhar. O novo Capitão América Negro é um vislumbre otimista do futuro, um bastião da esperança, dos sonhos para a nação mais egocêntrica do mundo superarem suas desavenças.
Será que os americanos vão corresponder às expectativas do novo Capitão América? Nos resta acompanhar daqui, de longe, pelos próximos quatro anos.
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