Crítica: Venom: Tempo de Carnificina é o melhor filme questionável do ano
Crítica: Venom: Tempo de Carnificina é o melhor filme questionável do ano
Meio comédia romântica, meio blockbuster pré-MCU, sequência mira no absurdo e acerta em cheio no entretenimento
Quando se trata de cinema, nem sempre o público e a crítica estão alinhados. Em alguns casos, como Venom (2018), os dois discordam fortemente. Produzido pela Sony Pictures, o filme do vilão do Homem-Aranha tem média de 30% nas análises dos críticos no Rotten Tomatoes, contra expressivos 81% de aprovação dos espectadores. Ainda que as opiniões profissionais tenham apontado uma obra ruim, o público encontrou um blockbuster divertido e despretensioso.
Ao invés de tentar se moldar para conquistar quem não curtiu, felizmente a sequência entende muito bem com quem quer falar dessa vez. Com um confronto entre simbiontes, Venom: Tempo de Carnificina é absurdo, meio estranho, datado e ridiculamente prazeroso de se assistir.
Ficha técnica
Título: Venom: Tempo de Carnificina
Direção: Andy Serkis
Roteiro: Kelly Marcel e Tom Hardy
Ano: 2021
Data de lançamento: 7 de outubro de 2021
Duração: 120 minutos
Sinopse: Eddie Brock tenta reaquecer sua carreira ao entrevistar o serial killer Cletus Kasady, que se torna o hospedeiro do simbionte Carnificina e foge da prisão após sobreviver à execução
Terapia de casal
O primeiro filme é focado no encontro entre Eddie Brock (Tom Hardy) e o simbionte Venom, com os dois lentamente aprendendo a trabalhar juntos. A forma que a trama original foi contada levantou algumas discussões sobre um certo teor romântico entre o humano e o alienígena.
Em Tempo de Carnificina, isso é elevado e se torna a premissa da sequência. Após o período de “lua de mel”, em que um aprendeu a usar o poder do outro, agora os dois já não se aguentam mais, em um cotidiano marcado por bateção de boca e insatisfação mútua. Se a vida de Brock já não estava complicada o bastante nessa situação inusitada, tudo piora quando o jornalista se torna alvo da obsessão do serial killer Cletus Kasady (Woody Harrelson).
Ainda que a eventual transformação de Kasady no vilão Carnificina seja óbvia (afinal, está no título), o foco fica na relação de Eddie Brock e no Venom, que tentam encontrar uma forma de conciliar suas vontades e diferenças ao melhor estilo terapia de casal. Pode parecer bizarro, mas essa é justamente a intenção.
Mesmo lidando com o conflito entre os dois, a trama ainda encontra uma boa forma orgânica de incluir Anne (Michelle Williams), a ex-namorada do protagonista, que aparece como um lembrete ao seu fracasso em cultivar relacionamentos, algo que Eddie vive novamente com o simbionte. O arco de Cletus também é moldado pelo seu relacionamento com Frances (Naomie Harris), mas a personagem é deixada de escanteio, sem muito tempo de tela ou momentos para brilhar.
Nessa abordagem, há diversos momentos ridículos, de comédia pastelão e humor barato, o que garante que o longa não funcionará para todos, mas que dá personalidade o bastante para que não se pareça com nenhum outro filme de herói do momento.
Na verdade, Venom 2 é muito emblemático de uma era passada das adaptações de HQ, em especial do começo dos anos 2000. Com sua estética sombria, que flerta com o horror, atrelada à uma trama feita para entreter, é um filme muito autêntico ao período pré-O Cavaleiro das Trevas, que inspirou uma leva de obras sérias e adultas, e também longe dos produções formulaicas e esterilizadas da Marvel Studios.
Ainda que seja um blockbuster (feito em parceria com a Marvel, inclusive), é repleto de erros, decisões questionáveis e um bizarro e cativante erotismo que faria Kevin Feige tapar os olhos com o próprio boné. Não que seja um rumo melhor, mas é definitivamente um estranho mas bem-vindo respiro em meio ao império chamado de Universo Cinematográfico da Marvel.
Jornada de descoberta
Há muita confiança da produção em construir uma identidade própria para a franquia, mas são as cenas de ação que impedem que Tempo de Carnificina realmente seja marcante. Como ator de captura de movimentos, Andy Serkis é um dos nomes mais importantes da indústria, mas sua carreira como diretor ainda está começando, e fica visível que o cineasta ainda não tem flexibilidade para ficar a par da ambição de sua obra desconjuntada.
A câmera de Serkis enfatiza bem a grandiosidade e o teor animalesco dos simbiontes, mas os momentos de lutas, ataques ou qualquer tipo de ação em geral é feito de forma confusa e pouco impactante.
Já na reta final, o diretor roda uma batalha final aproveitando ao máximo a ambientação de uma catedral, mas o esforço mais soa como uma imitação de símbolos conhecidos do que Andy Serkis explorando a sua própria capacidade como cineasta. Sim, uma noiva de vestido preto e o Carnificina iluminado por um vitral de igreja são imagens esteticamente legais, mas que poderiam muito bem dar as caras nos trabalhos de alguém como Zack Snyder, por exemplo.
Ao mesmo tempo, Venom 2 parece demonstrar que Tom Hardy se encontrou em um papel mais leve. O ator não só protagoniza a sequência, como também é creditado como roteirista e produtor. Isso demonstra que, independente de como o antecessor foi recebido pela crítica, Hardy está investido no projeto, e quis criar algo pensado para se divertir, e entreter o público no processo. Não que ele vá parar de estrelar “coisas sérias”, mas com sua performance e contribuições narrativas em Tempo de Carnificina, não seria surpreendente se lá na frente sua carreira tomasse um rumo a lá Nicolas Cage.
Venom: Tempo de Carnificina vive a partir de seus defeitos, que destoam tanto do cinema de heróis altamente higienizado dos dias de hoje que acabam criando um filme com muita personalidade e bom humor, que parece homenagear a saborosa breguice das HQs noventistas de onde surgiu o Protetor Letal.
Muitas cenas vão tirar boas risadas, enquanto outras vão dar vontade de se encolher de vergonha alheia, e é justamente essa dualidade que cria uma experiência ridiculamente divertida e marcante. Entre decisões questionáveis, definir se é bom ou ruim fica a gosto do freguês, mas com certeza é entretenimento puro que só um despretensioso filme pipoca consegue entregar.
NOTA: 3.5 de 5
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