Crítica: Uma Noite de Crime: A Fronteira é uma conclusão satisfatória para a franquia
Crítica: Uma Noite de Crime: A Fronteira é uma conclusão satisfatória para a franquia
Filme final sofre da mesmas dificuldades que seus antecessores, mas tem acidez o bastante para entreter
Uma Noite de Crime (ou The Purge) é uma das franquias mais interessantes do terror na última década. Desde o início, a criação de James DeMonaco é assumidamente política ao mostrar por vários ângulos o que aconteceria se os Estados Unidos criassem um feriado em que todo tipo de crime é legalizado por 12 horas. De 2013 para cá, o diretor e roteirista explorou o massacre pela perspectiva dos ricos, dos pobres, dos matadores e das minorias, tanto no cinema quanto na televisão.
Agora, tudo chega ao fim com Uma Noite de Crime: A Fronteira, que promete ser o último filme da franquia. Como capítulo final, é muito emblemático de como The Purge viveu ao longo dos anos: sempre com ótimas ideias e o coração no lugar certo, mas penando para acertar o equilíbrio entre comentário social e violência gráfica.
Ficha técnica
Título: Uma Noite de Crime: A Fronteira (The Forever Purge)
Direção: Everardo Gout
Roteiro: James DeMonaco
Data de lançamento: 2 de setembro de 2021 (Brasil)
País de origem: Estados Unidos
Duração: 1h 43 min
Sinopse: Todas as regras são quebradas quando um culto de saqueadores sem lei decide que o Expurgo anual não para ao amanhecer e, ao invés disso, nunca deve terminar.
O Expurgo Eterno
Uma Noite de Crime havia entrado em uma espécie de beco sem saída quando o terceiro filme, chamado de 12 Horas Para Sobreviver – O Ano da Eleição (2016), implementou o banimento da Noite do Expurgo. Para não contestar a decisão, o quarto capítulo foi A Primeira Noite de Crime (2018), um prólogo que explorou como o feriado foi confeccionado com o extermínio de pobres e minorias em mente desde o início. Para A Fronteira, a trama volta ao presente, quando os Estados Unidos simplesmente optaram por retomar a sangrenta tradição por mais um ano.
Dessa vez, a trama é focada em Adela (Ana de la Reguera) e Juan (Tenoch Huerta), um casal mexicano que imigra para os EUA e consegue trabalho na fazenda de uma família branca do Texas. Quando chega a Noite do Expurgo, eles conseguem sobreviver sem maiores dificuldades – mas o verdadeiro problema surge quando grupos ultranacionalistas decidem continuar com a matança mesmo após as sirenes de conclusão.
Apesar de ter sido iniciada pelo subgênero de invasão domiciliar, a franquia cada vez mais foi deixando o terror de lado pelo espetáculo da ação, da carnificina repleta de máscaras coloridas e mortes inventivas. A Fronteira já é construído sem pretensão alguma de criar tensão, optando por mostrar a matança em plena luz do dia, em campos abertos. O resultado é bastante honesto, e traz toques de faroeste e de filmes de ação oitentista – mas com uma reviravolta.
Do Outro Lado do Muro
Se em clássicos como Invasão USA (1985), a tão temida destruição dos Estados Unidos acontece por forças externas (como russos), aqui o caos urbano é tocado por aqueles que juram proteger as terras de “invasores”. Os heróis, por sua vez, são justamente os acusados de todo tipo de crime imaginável, como imigrantes, negros e indígenas. Essa inversão se alinha muito com o tipo de comentário ácido que DeMonaco sempre tocou na franquia. Há uma deliciosa ironia quando, em resposta à destruição e matança nos EUA, o México decide abrir suas fronteiras para receber refugiados norte-americanos.
Outro elemento muito consistente na franquia é, claro, que o comentário social não vai muito além disso. Seja nos quatro filmes anteriores, ou mesmo nas duas temporadas da desmerecida série de TV, The Purge nunca conseguiu realmente explorar a grandeza e as implicações de sua premissa, simplesmente por não saber se foca no texto ou na estética. O resultado sempre fica devendo um pouco para os dois lados, com ação morna e personagens mal desenvolvidos. A Fronteira não é diferente, e deixa a desejar em de sutileza e profundidade para seus sólidos argumentos, e também em momentos mais intensos e inventivos de matança.
Isso não significa que a ação é ruim. O diretor Everardo Gout sabe conduzir bem o bastante os tiroteios, em uma jornada que atravessa o estado do Texas e encontra todo tipo de desgraça, seja de dia ou de noite. Mas nada é realmente marcante ou digno de nota, apenas funcional o suficiente para não entediar. Dessa vez, nem mesmo há o visual ousado dos participantes do Expurgo, com máscaras coloridas e aterrorizantes, se destaca, salvo por dois cowboys macabros.
É uma pena que James DeMonaco nunca tenha realmente emplacado algo incrível, mas seus filmes acabaram conquistando seu espaço e encontrando certo sucesso. Uma Noite de Crime funciona praticamente como uma obra moderna de exploitation, utilizando todas as discórdias políticas e sociais do momento como atrativos para suas obras, mas nunca realmente indo além disso.
Entendendo que esse é o padrão da franquia, A Fronteira é uma conclusão satisfatória o bastante, que dá espaço para Ana de la Reguera e Tenoch Huerta serem verdadeiros heróis, cutuca o levante da supremacia branca, paranoia e obsessão por armas nos EUA, e ainda inverte e ironiza muitos clichês dos clássicos de ação. Há filmes melhores que lidam com temáticas parecidas, como Fronteira do Medo (2019) de Gigi Saul Guerrero (também produzido pela Blumhouse, inclusive), mas só Uma Noite de Crime conseguiu crescer ao status de blockbuster sem nunca ter medo de apontar o dedo na cara e assumir seu lado político.
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