Crítica: Rua do Medo 1666 conclui a trilogia da Netflix de forma satisfatória e com reviravolta de peso

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Crítica: Rua do Medo 1666 conclui a trilogia da Netflix de forma satisfatória e com reviravolta de peso

Por Arthur Eloi

Depois de três semanas com novos capítulos, Rua do Medo enfim chega ao fim – dessa vez, voltando ao começo de tudo. Com muito a ser resolvido, tanto no passado quanto no presente da trama, Rua do Medo: 1666 – Parte 3 responde tudo sobre a origem da maldição em Shadyside, e ainda entrega viradas surpreendentes e uma boa batalha final.

Dessa vez, Deena (Kiana Madeira) é forçada a sentir na pele o que viveu a bruxa Sarah Fier (Elizabeth Scopel) no ano de 1666, em uma viagem ao passado que mostra o início da rivalidade entre as cidades de Sunnyside e Shadyside, e demonstra como uma mentira pode se agravar com o passar das décadas.

FICHA TÉCNICA

Título: Rua do Medo: 1666 – Parte 3
Direção: Leigh Janiak
Roteiro: Leigh Janiak, Phil Graziadei e Kate Trefry
Ano: 2021
Data de lançamento: 16 de julho de 2021
Duração: 112 minutos
Sinopse: A origem da maldição de Sarah Fier enfim é revelada quando o ciclo da história se completa na noite que mudou a vida dos habitantes de Shadyside para sempre.

Você gostaria de viver deliciosamente?

A trilogia de terror da Netflix se estabeleceu como uma homenagem aos filmes de slasher, com o primeiro volume dedicado às obras noventistas que já satirizavam clichês das obras de maníacos assassinos, como Pânico (1996) e Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997); e o segundo espelou a era de ouro dessas produções, em especial Sexta-Feira 13 – Parte 2 (1981). Para a conclusão, o longa abraça outra vertente: o terror pastoral (ou folk horror).

O subgênero é marcado por vilas rurais, florestas densas e a forte presença do ocultismo. Suas produções mais marcantes surgiram entre as décadas de 1960 e 1970, com títulos como O Caçador de Bruxas (1968), As Bodas de Satã (1968) e O Homem de Palha (1973), mas a Parte 3 de Rua do Medo se inspira especificamente em A Bruxa (2016), clássico moderno do folk horror.

Vilas rurais e magia sombria: isso é folk horror

A trama de Rua do Medo: 1666 é ambientada em uma pequena vila da Nova Inglaterra chamada Union, e acompanha a jovem Sarah Fier (também vivida por Kiana Madeira) tendo um romance às escondidas com Hannah Miller (Olivia Scott Welch), a filha do pastor. Quando o local passa a ser atormentado por estranhas ocorrências, como colheitas apodrecidas e mortes bizarras, os habitantes passam a suspeitar de bruxaria, e colocam o casal no centro das atenções.

Os paralelos com o filme de Robert Eggers são bastante presentes. Em especial, o longa também discute como a descoberta sexual de uma jovem pode ser desvirtuada pelo fervor religioso, e como isso rapidamente abre caminho para a violência e teorias conspiratórias. Na obra estrelada por Anya Taylor-Joy, o simples ato de atingir a puberdade coloca a menina Thomasin como a raiz de toda a desgraça enfrentada por sua família. Aqui, o romance entre Sarah e Hannah se torna o espantalho em que toda a vila desconta seus medos e frustrações, sem se questionar se há um pingo de verdade nessa vilanização, como refletem as garotas. Nesse contexto, a suspeita de bruxaria é um crime muito maior do que a própria prática da magia.

Rua do Medo: 1666 é facilmente o mais impactante da trilogia. O longa consegue escapar do óbvio e entregar uma trama sobre a raiz da intolerância, e questiona as consequências severas da manipulação e da histeria ao longo da história. Uma cidade inteira como Shadyside pode sofrer consequências drásticas através dos séculos apenas porque, em um fatídico dia, a população cedeu aos seus piores impulsos, motivada por agitadores frustrados, cuspindo desinformação sem vergonha na cara e com a mão apoiada na bíblia. A mentira inocente de hoje é o solo em que se planta a desigualdade de amanhã.

Para demonstrar as várias gerações de Shadyside afetadas pelos eventos de 1666, terceiro Rua do Medo traz elenco das partes anteriores em novos papéis

Para amarrar tudo de forma satisfatória, o longa abre mão de construir qualquer tensão, ou mesmo de suas mortes violentas. Toda a trilogia sofre com os sustos, mas aqui há uma certa confiança de que a atmosfera é o suficiente para manter o espectador engajado. Não é o caso, e são as viradas narrativas de peso que compensam a direção mais fraca entre todos os capítulos.

A cineasta Leigh Janiak roda tudo com câmera na mão, para ressaltar o teor intimista da lenda de Sarah Fier, o que tira a vida da ambientação. Parte fundamental do folk horror é contrastar a grandiosidade da natureza com o macabro do ocultismo. Aqui, tudo é feito em planos fechados nos personagens. Outro aspecto questionável da fotografia surge justamente na inspiração em A Bruxa, quando tenta replicar a iluminação naturalista da obra de Robert Eggers. O resultado é um filme escuro e desnecessariamente difícil de enxergar, sem fazer bom uso dos dias cinzentos ou das velas que se destacam no breu das noites.

Rua do Medo: 1666 se inspira na estética de A Bruxa (foto), mas não acerta na iluminação natural que nem o filme de Robert Eggers

De Volta para o Futuro

Felizmente, além da trama intrigante, o filme sabe contar a origem do mito de Sarah Fier sem se estender, e ainda surpreende no processo. Após uma reviravolta que abala tudo estabelecido nos antecessores, Deena descobre como lidar com a maldição e salvar sua namorada, e assim começa a continuação direta de Rua do Medo: 1994.

É aqui que fica claro o acerto da Netflix em testar esse formato híbrido de filme e série para a trilogia. Cada capítulo entregou um sabor diferente de terror, que pode sim ser saboreado individualmente e satisfaz dessa forma. Mas quando combinados, os três se complementam para mostrar as consequências violentas da tradição de intolerância e manipulação em Shadyside. Para dar um basta em tudo, Deena se reúne com seus amigos em uma verdadeira batalha final contra as assombrações.

Leigh Janiak dobra a quantidade de neon para a batalha final de Rua do Medo: 1666

O momento é bastante divertido, e resgata o tom aventuresco que consagrou a Parte 1 – desta vez, com o espectador se importando mais com os personagens e com tudo que está em jogo. Leigh Janiak pesa ainda mais a mão nos cortes rápidos e no neon para ilustrar o confronto no shopping, e o resultado é uma sequência que lembra muito a conclusão de Stranger Things 3. Curiosamente, vale citar que Ross Duffer, o cocriador da série da Netflix, é mencionado na seção de “Agradecimentos” dos créditos.

Assim, Rua do Medo chega ao fim com um capítulo repleto de decisões questionáveis, mas cujos acertos falam mais alto e enriquecem a obra como um todo. A trilogia de terror da Netflix é uma aposta que deu muito certo, com três filmes que sabem como homenagear a grandeza e variedade do gênero ao mesmo tempo em que constroem algo original e muito divertido. Há bastante que poderia melhorar na parte técnica, como a construção dos sustos e um estilo de direção um pouco mais consistente, mas a premissa de explorar vertentes diferentes do slasher serve como uma ótima incubadora para o talento de Leigh Janiak.

No fim, após a grande batalha, parece que Shadyside enfim terá um momento de paz, revisitando sua própria história e cobrando justiça por erros que – literalmente – se enraizaram no local. Os créditos, porém, deixam a entender que ainda há gente mal intencionada na cidade. Se isso significa mais capítulos na franquia Rua do Medo, só resta torcer para a Netflix entender o potencial de desgraças que ainda podem acontecer entre 1994 e os dias de hoje.

Nota: 4/5

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