Crítica: Ron Bugado, da Disney, alterna entre uma deliciosa conversa e um vergonhoso sermão
Crítica: Ron Bugado, da Disney, alterna entre uma deliciosa conversa e um vergonhoso sermão
Desenho da finada Fox sofre para desenvolver profundidade de seus temas e personagens
Imagine um mundo onde todo mundo tem o seu melhor amigo dos sonhos: um pequeno robô que gosta de exatamente tudo que você gosta. Inspirado nos algoritmos das redes sociais, este é o universo de Ron Bugado — a próxima animação da Disney, produzida pela extinta Fox, que estreia no dia 21 de outubro nos cinemas brasileiros.
A convite do estúdio, a Legião teve a chance de assistir o filme com antecedência para contar o que esperar desta aventura para toda a família. E podemos adiantar que, mesmo sem trazer os encantos da magia Disney, o longa faz um excelente trabalho em divertir com seu charmoso robozinho. Pena que acaba se perdendo em uma obsessão por criticar o estilo de vida da nova geração que tenta conquistar.
Ficha Técnica
Título: Ron Bugado (Ron’s Gone Wrong)
Direção: Jean-Philippe Vine e Alessandro Carloni
Roteiro: Peter Baynham e Sarah Smith
Estreia: 21 de outubro de 2021 (Apenas nos Cinemas)
Duração: 1h 47 min
Sinopse: Em um mundo em que robôs que andam, falam e estão conectados digitalmente se tornaram os melhores amigos das crianças, Barney, de 11 anos, descobre que seu amigo robô não funciona muito bem.
Algoritmo da amizade
A história acompanha a vida escolar de Barney, um garoto que não consegue fazer amigos no colégio. O motivo é que todos os estudantes da sua idade estão obcecados pelos novos B-Bots, robôs personalizados com diversas funções iradas. Todos, menos ele. Parecia que a situação mudaria em seu aniversário, quando ganhou o robô Ron, mas o jovem logo descobriria que seu novo amigo veio completamente bugado.
Esse defeito poderia se tornar um truque para conseguir risadas fáceis, mas graças às piadas brilhantemente localizadas para a cultura brasileira, o humor do filme chega de forma natural. Então cabe ao mau funcionamento do pequeno robô, o papel de motor emocional da narrativa. Afinal, a alma e o coração do filme vem da relação conturbada entre Barney e Ron, que germina lentamente enquanto eles aprendem a lidar com as suas diferenças.
O jeito que o roteiro trabalha a dupla consegue tecer as lições mais profundas da narrativa, dissertando sobre a verdadeira natureza de uma amizade saudável, onde ambos os envolvidos saem mais leves, de um jeito um tanto similar aos melhores episódios de Steven Universo. É uma história que vai tocar crianças e adultos, mas especialmente a comunidade autista.
Por muito tempo, na cultura pop, existiu um estereótipo de que pessoas no espectro autista seriam frias, calculistas e quase robóticas. Sabendo que isto não é verdade, Ron Bugado sutilmente projeta características análogas ao autismo em seu simpático robozinho e o coloca em situações desconfortáveis que pessoas autistas precisam enfrentar o tempo todo, orbitando a questão de seus comportamentos precisarem teoricamente ser “consertados”, para evocar uma empatia do público.
Discurso bugado
Mas este conserto tiraria toda a essência do robô, o tornando tão tedioso quanto os demais personagens. Afinal, se por um lado Ron exala vida e empolgação, o resto do elenco não passa de estereótipos fracos do que seriam crianças da geração Z pelo ponto de vista de um roteirista boomer que não entende as novas formas de comunicação. Além do pária social, temos uma garota popular obcecada por likes, um garoto que faz cyberbullying… Nada complexo ou minimamente memorável, assim como a participação deles na trama.
Não me entenda mal. Enquanto tenta dissertar sobre amizade, Ron Bugado é divertido, autêntico, inteligente e vai te surpreender. Mas quando chega a hora de mergulhar em seus temas secundários — comunicação na era digital e tecnologia — o roteiro não consegue sair do raso.
É o mesmo lenga lenga de sempre: “a tecnologia afasta as pessoas”, “jogos estão seduzindo nossas crianças para pervertê-las”, “as empresas de tecnologia são maléficas”, e tudo mais… Como se não tivéssemos passando por um período onde a tecnologia reina como a forma mais segura de manter nossas conexões, contradizendo tudo que o filme tenta inutilmente te convencer.
A similaridade entre os temas lembra de certo modo outra animação deste ano: o longa A Família Mitchel e a Revolta das Máquinas, da Netflix. Mas o fator decisivo para explicar porque um obteve tamanho sucesso e o outro soa como um sermão desajeitado é a abordagem. Enquanto Mitchel entende ambas as gerações e propõe uma ponte entre elas, Ron Bugado surge de um olhar distante, cheio de julgamentos, de uma geração que acha que sabe o melhor, especialmente quando o assunto é tecnologia.
Curioso que o filme, tão poético em outros aspectos, resolve ser bastante direto e literal com estas mensagens anti tecnológicas — nomeando a empresa tecnológica como “Bolha”, o executivo do mal vestido como Steve Jobs… Quase como se estivesse mais seguro da validade de suas ideias mais fracas. No final, acaba soando como um parente paranoico que, perdido no tempo, põe a culpa de tudo no excesso de celulares ou computadores.
Esta obsessão por taxar a tecnologia como vilanesca, ao mesmo tempo que exalta a autenticidade de um robô, fica ainda mais confusa no protagonista da história: Barney. Raso como um pires, ele mostra vislumbre de um potencial para explorar problemas familiares pertinentes no início da trama, mas acaba se tornando apenas um avatar destes ideais anti-tecnológicos.
Conclusão
Deixando de lado todo o discurso bobo e alarmista que sequestra a narrativa no terceiro ato, Ron Bugado é uma ótima experiência para todas as idades. Vai agradar ainda mais os pequenos, com suas cores vívidas e o humorado Ron, mas ainda tem uma boa lição para o público mais maduro. Um filme intenso a ponto de fazer você repensar suas relações de amizade, mas que não soube se ater aos assuntos que domina.
Ron Bugado estreia dia 21 de outubro nos cinemas de todo o Brasil.
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