[CRÍTICA] Pequenos Grandes Heróis e o resgate de uma inocência perdida
[CRÍTICA] Pequenos Grandes Heróis e o resgate de uma inocência perdida
Novo filme de Robert Rodriguez é um show de superpoderes e breguice!
No início do ano, foi anunciado que Robert Rodriguez, diretor conhecido por filmes como Um Drink no Inferno, Pequenos Espiões e Planeta Terror, retornaria a um de seus longas mais peculiares, As Aventuras de Sharkboy e Lavagirl. Uma espécie de continuação ou spin-off, Pequenos Grandes Heróis finalmente chegou à Netflix com sua dose de efeitos toscos, atuações caricatas e personagens insanos.
Falando assim, pode até parecer que o filme é uma tragédia anunciada, mas a verdade é que Rodriguez volta seus olhos novamente a um resgate do cinema infantil com doses bem marcantes de humor e um certo carisma trash que só ele consegue nos proporcionar. E agora, você pode ver a nossa crítica do filme aqui!
Ficha Técnica
Título: Pequenos Grandes Heróis (We Can Be Heroes)
Direção: Robert Rodriguez
Roteiro: Robert Rodriguez
Ano: 2020
Data de lançamento: 25 de dezembro (Netflix)
Duração: 100 minutos
Sinopse: Quando invasores alienígenas sequestram os maiores heróis da Terra, seus filhos precisam se unir e aprender a trabalhar juntos para poderem salvar seus pais e o mundo.
Pequenos Grandes Heróis e o resgate de uma inocência perdida
Esta não é tanto uma crítica como também um relato pessoal sobre a minha relação com o cinema de Robert Rodriguez como um todo. Quando eu era criança, por volta dos oito anos, descobri uma pérola na locadora perto da minha antiga casa. As Aventuras de Sharkboy e Lavagirl era exatamente o tipo de filme que me fascinava na época, uma aventura bizarra com personagens carismáticos e um protagonista razoavelmente relacionável, o típico garoto que sofria bullying na escola e tinha uma sensibilidade única e fora dos padrões.
É curioso, porque definitivamente não é o tipo de obra que se espera de um diretor que nos entregou filmes como Um Drink no Inferno e Planeta Terror. Bem mais parecido com a franquia Pequenos Espiões, Sharkboy e Lavagirl é um filme que é quase como um pesadelo para os pais, por ser muito cafona, ter efeitos visuais toscos e personagens bem unidimensionais, além de passar por uma narrativa bem boba. Digo isso por experiência própria. Nas quarenta e oito horas em que aluguei o filme pela primeira vez, devo ter assistido umas cinco antes de devolver.
Para piorar, assim que retornei o DVD, ainda perguntei para o meu pai se podia alugá-la novamente no mesmo dia, apenas para continuar imerso nesse mundo fantástico com super-heróis, figuras que me fascinavam desde criança. Meu pai olhou assustado para mim e disse: “Pelo amor de Deus, hoje não. Aluga outro dia. Hoje, você pega outro filme”. Dito e feito. Peguei outro filme no dia. E assim que fui devolver, aluguei Sharkboy e Lavagirl de novo, o que acabou virando uma piada interna na minha família.
Toda essa volta é para dizer que a continuação/spin-off do filme chegou à Netflix. Se chama Pequenos Grandes Heróis e traz os dois heróis titulares do filme anterior de volta, ainda que em papéis bem secundários, quase como participações especiais. O novo longa se centra em um grupo de filhos de super-heróis que precisam se unir para salvar a Terra de uma raça alienígena perigosa que sequestrou seus pais em ação. E como já era de se esperar, o filme vem recebendo um hate peculiar desde que foi anunciado e teve seu primeiro trailer divulgado.
“Ah, mas os efeitos são toscos. Mas as atuações não são convincentes. Nossa, mas é um filme de criança sem pé nem cabeça”. Essas são algumas reclamações frequentes que você pode ver em qualquer caixa de comentários em notícias sobre o longa – antes mesmo dele ser lançado. Quando a estreia finalmente aconteceu, não foi diferente. Muitas pessoas foram com expectativas bizarras e acabaram quebrando a cara com um filme que nunca nem tentou ser mais do que se propõe: uma aventura infantil com efeitos toscos e personagens caricatos.
Todas essas reclamações me soam bem estranhas porque, em pleno 2020, é bem bizarro ver pessoas adultas reclamando de um filme infantil sem entender, a princípio, que uma obra não pode ser desvinculada das intenções de seus realizadores. E Robert Rodriguez sempre foi um cineasta muito mais preocupado em criar uma estética marcante e que foge dos padrões do hiper-realismo, com ênfase nos recursos audiovisuais que transformam as obras em produtos destinados a diferentes públicos – e as crianças também fazem parte disso.
Você pode até argumentar que “não é porque o filme é infantil que ele precisa ser mal feito ou simplório” e eu vou concordar em gênero, número e grau. A própria Pixar lidera há anos no mercado por fazer animações infantis que lidam com discussões muito mais existenciais e profundas. Porém, desde o início, a intenção de Robert Rodriguez é fazer um longa que não se leva a sério, que explora seus personagens de forma mais unidimensional e que trabalha uma dinâmica mais pessoal entre filhos de super-heróis e seus pais superpoderosos.
E tudo bem que os super-heróis em si já estão mais do que saturados na cultura pop. Tanto a Marvel quanto a DC fizeram com que criássemos parâmetros específicos do que queremos ver nessas produções, com uma estrutura que varia pouco e dá pouca liberdade aos criadores. Mas esse não é o ponto. Comparar esse filme a qualquer filme de heróis de grandes estúdios e editoras é como reclamar de que Pequenos Espiões não se parece em nada com 007. Mais uma vez, propostas diferentes e públicos ainda mais diferentes.
E não é só por isso que Pequenos Grandes Heróis deixa de ser um filme profundo, às vezes. Apesar de seu clima bobinho, o longa ainda traz mensagens bem positivas sobre união, força interna e vontade de fazer do mundo um lugar melhor. Nesse sentido, ele consegue ser ainda mais positivo que muitos filmes de heróis por aí, por mostrar que não é preciso ter superpoderes para sermos especiais, algo que está caindo cada vez mais em desuso com figuras tão sobre-humanas e inalcançáveis.
Em termos de história e narrativa, há pouco a ser falado. O filme segue a estrutura das aventuras de Rodriguez, partindo de um caráter até mais episódico e focado em situações mais cômicas. É quase um videogame, onde os personagens são forçados a enfrentar pequenas ameaças aqui e ali antes de enfrentarem um grande vilão. Ainda assim, o filme consegue se vender bem no carisma de alguns personagens, ainda que as atuações não sejam totalmente naturais.
Um belo exemplo disso é a protagonista Missy Moreno (vivida por YaYa Gosselin) e a adorável Guppy (a filha de Sharkboy e Lavagirl, interpretada por Vivien Blair). Além disso, o filme consegue brincar com a imaginação infantil de uma forma louvável, trazendo personagens com poderes bem interessantes, que seriam inúteis em qualquer outro filme (como A Capella, a menina que levanta objetos ao cantar, ou Câmera Lenta, um garoto tão rápido que vive em um loop temporal e só anda em câmera lenta). É nessas brincadeiras que o filme ganha força.
Além disso, os adultos estão todos se divertindo muito em seus papéis. Só para citar alguns nomes, temos Pedro Pascal, Boyd Holbrook, Adriana Barraza e Taylor Dooley. Nenhum deles entrega algo significativamente emocional ou profundo, mas todos cumprem seus propósitos e criam boas cenas de humor. Outra figura genial do longa é Priyanka Chopra, interpretando uma personagem que passa por várias reviravoltas e revelações. Com um forte apelo cômico e um bom humor físico, ela diverte fazendo caras e bocas.
Num geral, o filme consegue divertir e empolgar um público mais infantil justamente por recuperar um senso de inocência e aventura que anda sendo muito perdido no cinema atualmente. Enquanto Marvel e DC buscam fazer filmes de heróis cada vez mais sombrios e adultos, até desvirtuando conceitos das HQs, Pequenos Grandes Heróis lembra que o ponto de partida desse tipo de figura arquetípica são as crianças, fazendo com que a presença dos heróis seja algo voltado toda e exclusivamente para esse público infantil entre 5 a 10 anos.
Até mesmo a estética contribui para isso. Aqui, como em outros filmes marcantes de sua carreira, Rodriguez continua firme abraçando o camp – um estilo estético que abandona normas de realidade e prefere subverter dogmas, tradições e modelos visuais pré-existentes. Os “efeitos toscos” ajudam a compor esse charme, deixando claro que o filme não tenta ser um longa realista, em nenhum momento. É uma estética da ilusão e do artifício, e o próprio longa tem consciência disso.
Claro, existem alguns problemas mesmo dentro dessas propostas e intenções – como alguns personagens que são esquecidos pelo filme, erros de continuidade mais grotescos e até alguns furos de roteiro que até crianças vão notar. Mas isso não apaga as muitas qualidades, o resgate da inocência e a tentativa de fazer um filme de super-heróis onde os pais não precisam se preocupar com violência e temas mais severos para introduzir esse tipo de personagem aos seus filhos mais jovens.
Em suma, Pequenos Grandes Heróis é uma obra que deve ser vista livre de expectativas e pré-julgamentos. Mesmo com suas situações bizarras e completamente surreais, o filme ainda consegue fazer um bom experimento ao jogar elementos de aventura e fantasia em um mundo único e peculiar. É um filme que brinca com a imaginação e que sabe até passar mensagens positivas mais profundas em um viés mais cômico e leve. Fica o recado aos chatos de plantão que insistem em criticar o filme até os últimos detalhes: Pequenos Grandes Heróis não foi feito para você, e ele não é menos bom por causa disso.
Pequenos Grandes Heróis está disponível na Netflix.
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