Crítica: O Legado de Júpiter, Temporada 1

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Crítica: O Legado de Júpiter, Temporada 1

Por Chris Rantin

Adaptando a história em quadrinhos do aclamado Mark Millar, a mente criativa responsável por grandes obras da Marvel, DC Comics e do seu ambicioso Millarverso, do qual Kingsman e Kick-Ass fazem parte, O Legado de Júpiter é mais uma narrativa de heróis que chega em live-action. Projeto da Netflix, a primeira temporada conta com 8 episódios, narrando o conflito geracional entre os primeiros heróis deste mundo e seus filhos. 

Ficha técnica

Título: O Legado de Júpiter (Jupiter’s Legacy)

 

Direção: Charlotte Brändström, Christopher J. Byrne, Marc Jobst e Steven S. DeKnight

 

Roteiro: Mark Millar, Brian Gunn, Mark Gunn, Henry G.M. Jones, Steven S. DeKnight e Julia Cooperman

 

Ano: 2021

 

Data de lançamento: 7 de maio (Netflix Brasil)

 

Episódios: 8

 

Sinopse: A primeira geração de super-heróis passa o bastão para os filhos, mas as tensões aumentam e as regras antigas não se aplicam mais.

 

O dilema 

Utópico de Josh Duhamel

O Legado de Júpiter é uma série com muito potencial. Vemos ideias boas e temas pouco explorados no gênero heroico, que poderiam realmente desafogar a fadiga que pode surgir quando vemos tantas HQs sendo adaptadas. Infelizmente, apesar disso, a sua execução deixa muito a desejar. O seriado tenta trabalhar temas complexos ao mesmo tempo em que apresenta uma narrativa de época, uma história de origem bem diferente do que estamos acostumados, um universo com heróis e vilões cheios de poderes e o choque de visões de mundo entre gerações. O problema é que, ao tentar trabalhar tanta coisa ao mesmo tempo, a série perde o foco do que realmente agrada e funciona: O conflito geracional, o drama familiar e o aspecto mais humano destes super-seres. 

Na história conhecemos a primeira geração de heróis do mundo, também conhecida como a União. Um século depois da sua árdua vida salvando o mundo, eles se deparam com um desafio para o qual não estavam preparados: A nova geração de heróis, seus filhos. Ainda que muitos queiram seguir os passos da velha guarda, eles possuem ideias bem diferentes do que um herói precisa fazer para salvar o dia e é isso que dita o caminho para as principais tramas da série. 

É possível resumir a raiz de todos esses conflitos no Código heroico, o conjunto de regras que os supers precisam seguir. Criado por Utópico e os heróis da União, o principal mandamento dentre as regras é a proibição de tirar uma vida, independente das circunstâncias. O debate em torno deste tema tenta ser sério e complexo, e o que não falta é oportunidade para vermos uma história interessante saindo deste empasse. O grande problema é que a série só apresenta bons argumentos para um dos lados.

Enquanto um grupo possui uma boa motivação e são apoiados pela narrativa, que parece reforçar o tempo todo que são estas as pessoas com razão ao mostrar exemplos durante todos os episódios, o outro lado insiste no mesmo argumento que, sendo clichê, acaba se perdendo na discussão. É cansativo, especialmente porque parece que o seriado imaginava — ainda que não trabalhe isso — que o público fosse ficar divido entre as duas visões, sem saber para quem torcer ou apoiar. 

A União em sua jornada nos anos 1930

Mas este é apenas um dos problemas na execução desta série. Ainda que o ponto forte de O Legado de Júpiter esteja nos dias atuais, justamente por explorar a crescente divisão entre a primeira e a segunda geração de heróis, isso é constantemente interrompido por flashbacks longos e entediantes. 

Isto acontece porque a série trabalha duas linhas do tempo diferentes, uma atual e outra em 1930, mostrando como a União conquistou seus poderes. Trabalhar a origem dos heróis seria mais interessante se fosse mais rápido. No começo, esta trama é apenas uma interrupção frustrante, falhando em atiçar a curiosidade para o que vem a seguir. Quando a história engata, seguindo por caminhos inesperados e mais sombrios, leva tempo demais para que isso seja resolvido. Somente na metade final da temporada, quando os flashbacks mostram uma aventura épica — ao mesmo tempo em que a trama dos dias atuais começa a ficar engessada — é que esta trama deixa de ser um fardo e se torna a melhor parte da série. Tudo poderia funcionar melhor caso fosse mais dinâmico e rápido

Os personagens 

O que mais frustra na experiência de assistir O Legado de Júpiter é ver que temos uma boa história sendo contada. Há muito potencial neste universo, especialmente quando a série foca no aspecto mais humano destes personagens e dá destaque principalmente para os arcos de Chloe e Brandon, os filhos do Utópico, Hutch e Lady Liberdade. No entanto, a falta de foco e ritmo faz com que essas tramas que te fisgam nunca sejam exploradas em sua totalidade. 

Chloe se ressente com seus pais ausentes e procura se afastar do mundo heroico, vivendo uma vida de bebedeiras e festas. Longe de ser irritante ou uma motivação rasa para ela agir desta maneira, o arco da moça surpreende na sua vulnerabilidade. Ela acaba sendo a personagem mais humana de toda a série, justamente por mostrar que o legado que ela herdou foi um fardo terrível. Quando a vemos interagindo com sua família temos uma trama que poucas vezes é explorada no gênero heroico. 

Enquanto isso, Brandon passa por uma jornada inversa. Desesperado para provar seu valor, ele tenta a todo instante ser como seu pai e se tornar um grande herói. Escapando do clichê, vemos uma dualidade no personagem, já que, ao mesmo tempo em que ele se esforça para assumir seu legado, ele passa a questionar as regras e os valores pelos quais ele foi criado. É muito interessante assistir o personagem seguir por essa direção, justamente porque compreendemos suas motivações. 

Lady Liberdade de Leslie Bibb

Fugindo dos extremos dos dois irmãos, temos Hutch, um personagem misterioso que ajuda a deixar a nova geração de supers mais dinâmica. Participando de esquemas criminosos, ele não tem o menor interesse em ser herói ou vilão, seguindo com seus planos secretos. A presença de Hutch na história adiciona um componente muito bem vindo em O Legado de Júpiter. Leve e engraçado, é ele o responsável por uns dos melhores momentos da série, especialmente quando vemos o uso de suas habilidades.

E por fim, na lista de destaques, temos Lady Liberdade, esposa de Utópico e mãe de Brandon e Chloe. No passado uma jornalista explosiva e com uma língua afiada, ela se tornou a maior heroína do mundo, sendo responsável, entre muitas coisas, pela boa relação entre a União e a imprensa. Nos momentos em que a série lembra da personagem, dando falas e destaque para ela, temos uma heroína que esconde muitas coisas em sua superfície calma e tranquila. Sofrendo com a pressão do drama familiar, assim como o confronto entre as gerações heroicas, isso culmina em uma das sequências mais intensas — e humanas — de todo o arco dos supers da série. 

No entanto, apesar de ter esses quatro personagens com arcos interessantes, a série apenas arranha a superfície dessas histórias. Ora alongam os dramas de cada arco até cansar o público, sem que isso avance de fato a história, ora a adaptação simplesmente esquece de colocá-los na tela. É desapontador pensar que, no fim das contas, O Legado de Júpiter parece ter se preocupado mais em deixar a sensação de “quero mais” nos espectadores, confiantes de que uma segunda temporada surgiria, ao invés de realmente trabalhar todo o potencial que tinha nas mãos. 

A ação

O vilão enfrentado pelos heróis no primeiro episódio

O foco de O Legado de Júpiter não é suas batalhas épicas, ainda que tenhamos algumas lutas bem bacanas ao longo da série. Mais interessado em apresentar o conflito ideológico e o drama presente na vida dos personagens, assim como a história de origem da União, encontramos poucas lutas na série. 

Quando temos sequências de ação, ainda que a caracterização de alguns personagens resulte em um visual cartunesco e meio caricato, temos sim lutas bacanas. Sem medo de mostrar a brutalidade desses confrontos, mas sem pesar a mão no gore, a produção encontra um meio termo que funciona. Você sente o impacto da violência e assiste algumas cenas graficamente impactantes, no entanto, você não fica com a impressão de que esses momentos foram incluídos apenas para chocar de forma gratuita. 

Até mesmo os momentos mais sombrios — e insanos — da série são trabalhados de uma forma que não pareça simplesmente uma tentativa de se distanciar das outras séries de heróis. Dentro da proposta do seriado, tudo está bem dosado. 

Nota 

No fim, a primeira temporada de O Legado de Júpiter deixa um gosto agridoce na boca. Se por um lado temos muito potencial para uma narrativa que realmente explora aspectos que costumam ser ignorados em outras produções, por outro lado falta foco para realmente abraçar isso e ir até o fim. 

A sensação que fica no espectador é de frustração, especialmente quando você testemunha os aspectos mais interessantes sendo deixados de lado — ou sendo constantemente interrompidos por tramas que não agradam — terminando em reviravoltas sem o impacto que mereciam. 

Em seus acertos, temos personagens carismáticos com tramas intensas, vulneráveis e humanas, assim como a parcimônia no uso da violência para que isso não se torne vazio. Quando as tramas engatam, somos apresentados a uma jornada realmente interessante, mas demora muito para isso acontecer. 

Com problemas de ritmo na hora de dosar as histórias, O Legado de Júpiter mais parece uma pré-primeira temporada, sendo apenas uma introdução antes da história realmente começar. É um piloto dividido em oito episódios, um movimento arriscado que pode dar errado. 

Honestamente, apesar dos problemas, fiquei curioso para ver mais deste universo. Eu realmente espero que, caso uma segunda temporada seja confirmada, a série passe a valorizar os personagens interessantes e o imenso potencial que tem nas mãos. 

Nota: 2,5

Por todos esses motivos, O Legado de Júpiter recebe a nota de 2,5 estrelas.

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